Confissão sacramental, caminho de liberdade e de amor a Deus

Aqueles que, na sua juventude, se aproximaram da Obra e do seu Fundador, notaram aquele impulso suave e determinado de se apaixonar pelo Senhor. Como é simples e atraente recorrer frequentemente a estas ocasiões, especialmente ao sacramento da confissão, no qual nos deixamos “alcançar por Cristo” (Bento XVI).

Sacerdote sentado nO confesionário

A confissão é um tesouro infinito – cada sacramento o é – para os cristãos de todos os tempos. encontramos a misericórdia ilimitada do Senhor. voltamos a ser nós mesmos e colocamo-nos novamente nas mãos de Deus, com confiança, com alegria inabalável. A confissão sacramental é caminho da liberdade e de amor ao Senhor.


Link relacionado: Meios de formação cristã para os jovens


Nos centros da Obra, os sacerdotes dedicam-se, entre outras tarefas, a administrar este sacramento e, nesse contexto, também a facilitar o acompanhamento espiritual que ajuda cada pessoa a aproximar-se do Senhor[1].

O sacramento da confissão e a vida cristã

Precisamos da graça que o Senhor nos concede através dos sacramentos. A novidade da nossa existência vem dessa participação na vida divina.

São Josemaria amava loucamente estas «pegadas de Cristo»[2] e encorajava cada pessoa com quem se dava a frequentar com devoção os sacramentos para viver uma vida cristã. Convidava, inspirado na parábola do filho pródigo, a «regressar à casa do Pai, por meio do sacramento do perdão, em que, ao confessar os nossos pecados, nos revestimos de Cristo e nos tornamos assim seus irmãos, membros da família de Deus»[3].

O Catecismo da Igreja Católica recorda que «só Deus perdoa os pecados (cf. Mc 2, 7). Jesus, porque é Filho de Deus, diz de Si próprio: “O Filho do Homem tem na terra o poder de perdoar os pecados” (Mc 2, 10) e exerce este poder divino: “Os teus pecados são-te perdoados!” (Mc 2, 5; Lc 7,48)»[4]. E expõe também algo mais: «ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, com medo das autoridades judaicas» (Jo 20, 19), o Senhor apareceu entre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos» (Jo 20, 23).

«Em virtude da sua autoridade divina, concede este poder aos homens (cf. Jo 20, 21-23) para que o exerçam em seu nome»[5], para que os sacerdotes possam perdoar os pecados e devolver a paz à consciência.

A Igreja protege a confiança sagrada entre a pessoa que confessa o seu pecado e Deus, e nada nem ninguém pode quebrá-la. O silêncio a que o sacerdote é obrigado em matéria de confissão chama-se “sigilo sacramental”[6]. O silêncio quanto à direção espiritual é semelhante ao que se chama “profissional” em outros assuntos, embora – logicamente – muito qualificado… porque é um conteúdo sagrado, que pertence a Deus e ao coração de cada pessoa.

Os sacerdotes e a confissão na obra de São Rafael

Nos centros da Obra dedicados à obra de São Rafael, os sacerdotes procuram dedicar o tempo necessário para atender as pessoas que desejam confessar-se e ter direção espiritual. No período da juventude, quando se forma a personalidade, é uma ajuda valiosa poder falar das coisas da alma e deixar os pecados, as faltas e os erros nas mãos de Deus.

São Josemaria rezou longamente, com muita fé, pelos fiéis da Obra que receberiam a ordenação sacerdotal. Esforçou-se muito na sua formação, para que tratassem com delicadeza o Senhor nos sacramentos e as almas que se aproximassem do seu ministério. A marca da sua alma sacerdotal é transmitida, de alguma forma, aos seus filhos sacerdotes. Uma história desde o início pode ilustrar isso de forma simples. Trata-se dos primórdios do Opus Dei na Argentina, e é contada por uma das primeiras pessoas que se aproximou da Obra naquele país, na sua juventude: Ana María Brun.

«Os anos passaram: vinte e cinco, vinte e seis, vinte e sete… até que um dia, uma das minhas irmãs me contou que na igreja do Socorro, na esquina da Suipacha com a Juncal, havia um padre que confessava muito bem. Fui. Por cima do confessionário, havia uma pequena placa com o nome: ‘Padre RF Vallespín’. Confessei-me e fiquei tão feliz que parecia que me tinha confessado toda a vida a ele. Mais tarde soube que o Pe. Ricardo fora um dos primeiros membros do Opus Dei e que em 1949, depois de exercer a sua profissão – arquiteto –, foi ordenado sacerdote»[7].

O Pe. Ricardo Fernández Vallespín viveu com o Fundador e aprendeu com o seu exemplo a empenhar-se pelas almas como leigo e, mais tarde, como sacerdote. Foi trabalhar apostolicamente na Argentina, especificamente em Rosario e, mais tarde, em Buenos Aires.

Embora cada sacerdote tenha uma personalidade própria, procura tornar-se tudo para todos[8], para que a sua condição de instrumento do Senhor lhe permita transmitir a graça e a ajuda da direção espiritual às almas que lhe são confiadas[9].

Portanto, recorrer ao sacerdote é um grande ato de fé: através dele – nos sacramentos – é Jesus Cristo quem toca o nosso presente, a nossa vida. E com essa fé o Senhor enche as nossas almas de grandes bens, para nós e para os outros.

Começar e recomeçar com a confissão

A confissão restaura a saúde da alma e limpa-nos das misérias cometidas. O que é próprio do cristão é começar e recomeçar[10] através desse meio divino. Daí o forte desejo de tratar na confissão, «não só dos pecados graves, mas também dos nossos pecados leves, e até das faltas»[11].

Assim explica o Papa Francisco: «Quantas vezes nos sentimos sozinhos e perdemos o encadeamento da vida! Muitas vezes já não sabemos como recomeçar, cansados de nos aceitarmos. Temos necessidade de começar do princípio (…). O cristão nasce pelo perdão, que recebe no Batismo; e daqui é que sempre renasce: do perdão arrebatador de Deus, da sua misericórdia que nos restaura. Só como perdoados podemos recomeçar revigorados, depois de termos experimentado a alegria de ser amados até ao extremo pelo Pai. Só através do perdão de Deus é que acontecem em nós coisas verdadeiramente novas. (...) Receber o perdão dos pecados, através do sacerdote, é uma experiência sempre nova, original e inimitável»[12].

Pedro Casciaro conta que, três anos depois da sua chegada a Madrid (ano letivo de 1931/32), um amigo seu falou-lhe do Pe. Josemaria Escrivá. Não era especialmente piedoso (não queria misturar-se com padres) e, embora se tivesse ocasionalmente aproximado do confessionário, não tinha tido um confessor regular, procurando sempre manter distância. O amigo Agustín insistiu e Pedro recusou o convite com elegância e um pouco de ironia. No final de janeiro de 1935 finalmente concordou e foi apresentado ao fundador da Obra. «Não sei dizer quanto tempo ficámos a conversar; muito provavelmente não durou mais de três quartos de hora. Só me lembro que, ao despedir-me, disse: —Padre, gostava que fosse o meu diretor espiritual»[13]. Então reuniam-se regularmente e esses encontros mudaram a sua alma. «À medida que conversava com o Padre e lhe abria a alma, descobri progressivamente a delicadeza da sua espiritualidade, a sua inteligência privilegiada e a sua cultura profunda. E, sobretudo, a sua enorme capacidade de amar e grande compreensão»[14].

Crescer interiormente: confissão e acompanhamento espiritual frequente

Numa catequese para as crianças da primeira comunhão, Bento XVI explicou: «É verdade, geralmente, os nossos pecados são sempre os mesmos, mas fazemos limpeza das nossas habitações, dos nossos quartos, pelo menos uma vez por semana, embora a sujidade é sempre a mesma. Para viver na limpeza, para recomeçar; se não, talvez a sujidade não possa ser vista, mas se acumula. O mesmo vale para a alma, para mim mesmo; se não me confesso a alma permanece descuidada e, no fim, fico satisfeito comigo mesmo e não compreendo que me devo esforçar para ser melhor, que devo ir em frente. E esta limpeza da alma, que Jesus nos dá no Sacramento da Confissão, ajuda-nos a ter uma consciência mais ágil, mais aberta e também de amadurecer espiritualmente e como pessoa humana (...). é muito útil confessar regularmente para cultivar a pureza, a beleza da alma e ir aos poucos amadurecendo na vida»[15].

A confissão frequente e a oportunidade de ter um confessor que nos conhece para nos ajudar suave e profundamente – porque ele sabe como somos e como é a nossa vida – também faz parte da riqueza da Igreja ao longo dos séculos. «a confissão regular dos nossos pecados veniais ajuda-nos a formar a nossa consciência, a lutar contra as más inclinações, a deixarmo-nos curar por Cristo, a progredir na vida do Espírito. Recebendo com maior frequência, neste sacramento, o dom da misericórdia do Pai, somos levados a ser misericordiosos como Ele (cf. Lc 6, 36)»[16].

Um exemplo cheio de docilidade à ação de Deus é o de Guadalupe Ortiz de Landázuri. Numa das suas biografias lê-se que numa tarde de finais de janeiro de 1944, em Madrid, «através de um colega a quem me unia a amizade e confiança, Jesús Serrano de Pablo, a quem falei do meu desejo de ter um diretor espiritual , entrei em contacto por telefone e dirigi-me à morada que me indicaram, para me encontrar com o Pe. José Mª Escrivá de Balaguer, de quem não sabia, até esse momento, absolutamente nada, nem, naturalmente, da existência do Opus Dei. A entrevista foi decisiva na minha vida, numa pequena moradia em Colonia del Viso (Jorge Manrique 19), na altura quase nos arredores de Madrid. Numa salinha alegre, forrada de rosa velho, destacava-se a figura do Padre, sentámo-nos e ele perguntou-me: 'Que queres de mim?' Respondi, sem saber porquê: 'Acho que tenho vocação'. O Padre olhou para mim... 'Não te posso dizer isso. Se quiseres, posso ser teu diretor espiritual, confessar-te, conhecer-te, etc.'. Isso era exatamente o que eu estava a procurar. Tive a nítida sensação de que Deus falava comigo através daquele sacerdote, não só com as suas palavras, mas com a sua oração de petição por mim, o que se refletia no que a minha cabeça pensava e a minha boca falava. Senti uma Fé grande, um forte reflexo da sua, e coloquei-me interiormente nas suas mãos para toda a vida»[17].

Com frequência, para receber o reflexo da fé e do contacto com Jesus Cristo, precisamos de um acompanhamento espiritual que pode ser dado dentro ou fora da confissão. Por isso, muitas vezes, ao ajudar-nos a colocar-nos diante de Deus com tudo o que somos, descobrimos o sentido profundo da nossa existência, a vocação a que somos chamados, aquela história de amor na qual o Senhor nos quer.


[1] Também há conversas de acompanhamento espiritual com leigos; aqui vamos tratar do que é confiado aos sacerdotes.

[2] São Josemaria, Entrevistas a São Josemaria, n. 115

[3] São Josemaria, Cristo que passa, n. 64.

[4] Catecismo da Igreja Católica, n. 1441.

[5] Ibid.

[6] cf.Código de Direito Canónico, can. 983 e seguintes.

[7] José Miguel Cejas, Los cerezos en flor, Rialp, Madrid 2013, p. 69. História de Ana María Brun, argentina, que, após solicitar a admissão como numerária no Opus Dei, foi iniciar os trabalhos da Obra no Japão.

[8] cf. São Paulo: 1Cor 9, 22

[9] «O exercício da direção espiritual não deve orientar-se no sentido de fabricar criaturas carecidas de juízo próprio, que se limitam a executar materialmente o que outrem lhes disse; pelo contrário, a direção espiritual deve tender a formar pessoas de critério. E o critério pressupõe maturidade, firmeza de convicções, conhecimento suficiente da doutrina, delicadeza de espírito, educação da vontade» (São Josemaria, Entrevistas a São Josemaria, n. 93).

[10] cf. São Josemaria, Caminho, n. 292.

[11] São Josemaria, Em Diálogo com o Senhor, n. 90. Acrescenta ainda neste ponto: «Os sacramentos conferem graça ex opere operato – pela própria virtude do sacramento – e também ex opere operantis, segundo a disposição da pessoa que os recebe».

[12] Francisco, Homilia, 29/03/2019.

[13] Pedro Casciaro, Soñad y os quedaréis cortos, Rialp, Madrid 1994 (4º), p. 23. A história foi retirada das p. 21-24. (existe uma tradução em português do Brasil com o título: Sonhai e ficareis aquém).

[14] Ibid., p. 23-24.

[15] Bento XVI, Encontro com as crianças da primeira comunhão na Praça de São Pedro, 15/10/2005.

[16] Catecismo da Igreja Católica, n. 1458.

[17] Mercedes Montero, En vanguardia: Guadalupe Ortiz de Landázuri (1916-1975), versão epub. A citação é retirada do Arquivo Geral da Prelatura -AGP- na secção Beata Guadalupe -GOL-, com ref. E00204 de 13/07/1975. Os itálicos estão sublinhados no original.