As boas maneiras

A cortesia, a afabilidade, a delicadeza, e afins são irmãs mais novas de outras virtudes maiores. E a família é o ambiente onde melhor se aprendem, seja qual for a idade.

Foto: Sean Dreilinger (Creative Commons).

Se pensarmos como evoluíram as boas maneiras ao longo do tempo, ou como mudaram de região para região, seria fácil deduzir que se trata de algo puramente convencional, que se pode modificar ou mesmo transgredir ao gosto de cada um.

E, no entanto, parece que o fundamental, em termos de cortesia, se mantém: todos temos ouvido frases como: “pelo comportamento, nota-se que é de boas famílias” ou “que criança tão bem-educada!”, e se o disseram de nós, provavelmente sentimo-nos honrados.

As virtudes humanas, que são o fundamento das sobrenaturais, estão na base dos usos e costumes dos povos, no que normalmente se entende como delicadeza ou educação.

Talvez se não possa dizer que a afabilidade, a condição de quem é agradável no trato e na conversa seja a virtude mais importante. Mas gera um sentimento de empatia, de cordialidade, de compreensão, que é difícil de explicar ou de suprir de outros modos.

A delicadeza mostra-nos algo sem o qual não se pode conviver em sociedade, ensina-nos a ser humanos, civilizados. A cortesia, a afabilidade, a boa educação e afins, são irmãs mais novas doutras virtudes maiores. Mas a sua particularidade reside em que sem elas a convivência se tornaria ingrata. Mais, na prática, uma pessoa grosseira e indelicada muito dificilmente poderá viver a caridade.

Olhando para Jesus

Foto: Creative Commons.

Pode ter-nos acontecido, nalgum momento da vida, que face a uma conduta ou a uma atuação pouco correta da nossa parte nos ocorra: “que terão pensado de mim? Porque fiz eu isso? Ou: que mal fiquei!”.

O Evangelho deixou-nos uma página que descreve duas atitudes em confronto, a de um “bem-pensante” da época e a de uma pecadora (cf. Lc 7, 36-ss). Simão, o fariseu, organizou um almoço ao nível da categoria do convidado, alguém considerado como profeta. Seguramente pensou nos lugares dos comensais, na atenção ao serviço, nos pratos que ofereceria e nos temas de conversa que gostaria de propor ao Mestre. Era preciso ficar bem, diante da sociedade que lhe interessava e diante do hóspede principal. Mas esqueceu-se de alguns pormenores de que o Senhor sentiu falta.

«Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para os pés; ela, porém, banhou-me os pés com as suas lágrimas, e enxugou-os com os seus cabelos. Não me deste o ósculo; mas ela, desde que entrou, não deixou de beijar-me os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo, e ela ungiu-me os pés com perfume» (Lc 7, 44-46).

À primeira vista, poderiam parecer coisas insignificantes. No entanto, Jesus, perfeito Deus e homem perfeito, nota a sua falta. S. Josemaria, que contemplando com grande profundidade a realidade da encarnação do Filho de Deus, que se manifesta também em gestos que a uns olhos sem amor poderiam passar desapercebidos, comenta a propósito deste trecho: Jesus Cristo «traz a salvação e não a destruição da natureza; com Ele aprendemos que não é cristão comportar-se mal com o homem, criatura de Deus, feito à Sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26)»[1].

Encontramos aqui ensinamentos para quem deseja santificar e santificar-se nos diferentes caminhos do mundo. Sobretudo, quando a própria natureza humana, com as suas disposições e faculdades, foi elevada pelo Senhor.

Não há nada, por pequeno ou mínimo que pareça, que não se possa levar a Deus: «quer comais, quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus» (1Co 10, 31). Todas as atividades honestas foram redimidas, de modo que todas, realizadas em união com Ele, podem ser corredentoras.

As virtudes são pessoais, da pessoa; mas é fácil verificar que a pessoa não é uma “peça isolada”; vivemos em relação com o mundo, coexistimos com outros; somos independentes e, ao mesmo tempo, dependemos dos outros: «ajudamo-nos ou prejudicamo-nos. Todos somos elos de uma mesma cadeia»[2].

As virtudes possuem também este carácter social. Não são para brilho pessoal, para fomentar o egoísmo, mas sim para os outros. Por que razão nos sentimos tão bem com algumas pessoas e porventura menos com outras? Provavelmente, porque aquele que nos escuta, vemos que nos compreende, não mostra pressa, dá serenidade, não se impõe, sugere, respeita, é discreto, pergunta só o que deve.

Quem sabe conviver, dar-se bem com os outros, compartilhar, oferecer, acolher, dar a paz, está a caminho de ser verdadeiramente virtuoso. Jesus ensina-nos que, se faltam algumas condições, a boa convivência se deteriora. O civismo é talvez a melhor forma de apresentação. E aquelas que poderíamos chamar virtudes da convivência constituem o pressuposto e a base onde se engasta a joia da caridade.

Foto: Sean Dreilinger (Creative Commons).

As virtudes da mesa

É muito frequente, e cada vez se estende a mais estratos da sociedade, que quer o pai quer a mãe trabalhem fora de casa. São necessários dois ordenados para manter a economia doméstica. As dificuldades que os horários e as distâncias impõem para que a família se junte toda são com frequência enormes, especialmente nas grandes cidades E, vá lá– pensarão muitas mães – que os filhos podem almoçar na escola!

Não é que antes, quando era mais fácil almoçar em família, essas reuniões fossem perfeitas, pois às vezes os miúdos lutavam uns com os outros ou protestavam devido à comida que se lhes servia e os pais ralhavam-lhes...Mais ou menos, como agora; as situações, no fundo, mudaram pouco; mas trata-se, hoje como ontem, de aproveitar as oportunidades que a vida nos oferece, e treinar-se a converter os contratempos em ocasiões formativas.

Quantas vezes pensámos em transformar, por exemplo, os jantares de cada dia ou os almoços dos fins de semana em reuniões familiares? Existem já estudos em que rapazes e raparigas assinalam a “refeição em família” como a atividade mais importante para eles.

Estar com as pessoas que gostam de nós, compartilhar, ser compreendidos são modos de socializar, de aprender a dar-se aos outros. Melhora as relações entre os membros da família, proporciona aos pais momentos informais para conhecerem melhor os seus filhos e anteciparem-se a possíveis dificuldades.

Foto: Helga Weber (Creative Commons).

Quantos detalhes de educação em que há que incidir: “importas-te de ir buscar o sal?”; “lavaste as mãos antes de vir para a mesa?”; “põe-te direito e não cruzes as pernas à mesa”; “podes ajudar o teu irmão a pôr (ou a levantar) a mesa?”; “o pão não se deita fora”; “pega bem no garfo”. “corta a carne em pedaços pequenos, e não fales com a boca cheia”. “Deve-se comer não só com o estômago, mas com a cabeça, e come-se tudo de que nos servimos, gostemos ou não”. “É a sopa que vai à boca e não a boca até ao prato”. “Limpa a boca antes de beber, e não faças barulho”. “Não bebas com os cotovelos apoiados na mesa”.

Alguns são avisos que mudam segundo os lugares, outros – bastantes – são mais universais. Talvez pareçam negativos – embora não seja preciso dizê-los todos, nem continuamente – mas vistos como afirmações falam da consideração que temos que ter pelos outros; coisas pequenas que revelam correção, cortesia, higiene; demonstrações de solicitude sobre aspetos que talvez por inadvertência possam incomodar alguém.

Nas refeições, podem aprender-se coisas elementares como de quanto é razoável que me sirva, tendo em conta que há outros comensais; ou a não comer fora de horas e assim apreciar melhor o que me dão. Por outro lado, tomar refeições juntos não é apenas um ato social. É também cultura no sentido mais nobre e rigoroso do termo.

A cultura, como muitos autores sublinharam, está relacionada com o culto. Dar o culto devido a Deus é parte da natureza humana, que também se faz cultura em forma de ritos e instituições. Que modo mais estupendo de dar ao Senhor toda a Sua glória, se o “rito” da refeição é precedido por uma oração! Se invocamos a bênção de Deus sobre a família e os dons que estamos para receber; se agradecemos ao Senhor o pão que se nos oferece todos os dias e rezamos por quem o preparou, e por quem vive na indigência.

Abençoar à mesa é um costume que ajuda a interiorizar o facto de que Deus está continuamente ao nosso lado, a dar graças pelo que recebemos e a respeitar os outros na convivência quotidiana.

Manter o bom tom

À volta da mesa e nas reuniões familiares, os filhos são preparados para a vida em sociedade. Cada vez é mais claro que o lema do “tanto faz” não se ajusta à realidade. Uma pessoa que se aborrece por qualquer coisa ou que discute tudo é um colega de trabalho complicado.

Alguém que tem que atender o público e não cuida bem da sua apresentação demonstra pouca estima por si próprio e pelos outros, e não comunica uma grande confiança, pelo menos à primeira vista. Expressar-se com correção, saber intervir numa conversa ou esperar a sua vez, aprender a apresentar-se com decoro, na roupa e nos acessórios, são aspetos da vida em sociedade.

Mais do que a moda, é o estilo que nos afasta da vulgaridade é o estilo. Ter estilo, ter classe caracteriza-se pela sobriedade e pelo equilíbrio, pela capacidade de conciliar extremos e contrastes e não por andar na moda.

O estilo faz parte da nossa personalidade. É importante, por exemplo, aprender a arranjar-se de acordo com a ocasião. A elegância não consiste tanto em ter uma roupa cara ou de marca, mas em apresentar-se com roupa limpa e passada a ferro.

E isto, as crianças cultivam-no em casa, vendo como os pais atuam em todo o momento com elegância e discrição. Não é a mesma coisa ir a um jantar de gala ou estar com amigos, ou na intimidade da família; não é a mesma coisa passear de qualquer maneira pelos corredores da casa ou vestir um roupão logo ao levantar-se da cama.

Também as reuniões familiares – e dentre elas, as refeições – permitem aos filhos contar as suas pequenas aventuras na escola; e, aos pais, fazer um comentário oportuno, ou dar um critério sobre um determinado comportamento. São ocasiões para pôr em comum gostos e interesses, para se entusiasmarem por dar passeios à montanha ou por História, ou para introduzir os filhos na fascinante arte da narração.

Podemos programar excursões e visitas artísticas; e desvendar, pouco a pouco, aspetos das tradições familiares e religiosas, ou patrióticas, ou culturais. As crianças aprendem a falar sem levantar a voz nem gritar e, mais importante, exercitam-se a escutar, e habituam-se a não interromper o fio das conversas, a não impor os seus pontos de vista nem as suas exigências.

Em família, com pequenos detalhes cuidamos uns dos outros. Ninguém se apresenta mal vestido, nem está à mesa sem um mínimo de compostura. As mães, sobretudo, pensam num prato que mais agrade a quem festeja um aniversário. Cada um passa a travessa e está atento ao que os outros necessitam. Um oferece o pão ou a água a outro antes de se servir. Agradece-se, pois o agradecimento fomenta a concórdia, e a concórdia a alegria e o sorriso.

Depois de uma boa refeição em família somos mais felizes: não só com a alegria fisiológica de animal são[3], mas porque compartilhámos com aqueles que mais amamos a nossa intimidade; enriquecemo-nos moralmente, pessoalmente.

Os comportamentos mencionados ajudam a formar a nossa interioridade; a orientar-se perante Deus e os outros. A mulher e o homem maduros estão apoiados na realidade, por isso contentam-se com o que têm e desfrutam-no a fundo. Aprendem a respeitar-se a si próprios, a serem senhores da sua alma e do seu corpo. Conduzem-se com naturalidade, prudência e medida em qualquer situação. Perseveram confiadamente – na amizade, no seu trabalho, nos objetivos que se propuseram – porque mais do que receber são capazes de dar. Aprenderam a ser generosos, e aparecem todas as manhãs como o sol, que exultavit ut gigas ad currendam viam – alegres como um herói, a percorrer o seu caminho (Sl 19, 6), com um humor benéfico, que dignifica tudo aquilo em que toca.


[1] S. Josemaria, Amigos de Deus , n. 73.

[2] S. Josemaria, Amigos de Deus , n. 76.

[3] cf. S. Josemaria, Caminho , n. 659.

J.M. Martín (2012)