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Rubén Rodríguez é médico pela Universidade Nacional Autónoma do México. Doutorou-se em Medicina e em Sagrada Teologia na Universidade de Navarra. Foi membro da Comissão Histórica no Processo Instrutório Diocesano do Servo de Deus Arturo Álvarez Ramírez. Atualmente é capelão de diversas atividades apostólicas e professor de História da Igreja no Studium Generale da Prelatura da Santa Cruz e Opus Dei, especializado em História da Igreja no México. Publicou numerosos capítulos em livros sobre História da Igreja no México e sobre Ciência, Arte e Fé.
Neste episódio faremos um breve resumo biográfico de Arturo Álvarez Ramirez, um homem comum e corrente, que nasceu numa pequena cidade do Estado de Jalisco, no México.
A sua origem social foi modesta: os seus avós foram almocreves, o pai, Magdaleno, pedreiro e a mãe, María de Jesús, dona de casa. Magdaleno era reconhecido como o melhor pedreiro da aldeia, e foi o construtor duma das casas que atualmente é considerada como património cultural da cidade: aparece na internet, com o nome de Palacio de los Olotes. Desde pequeno, Arturo aprendeu de seu pai o sentido do trabalho.
Arturo foi o oitavo e último filho do casal. Nasceu quando os pais já não o esperavam: a mãe tinha 43 anos e o pai 50. A mãe, María de Jesús, desde muito nova ia à Missa diariamente, na paróquia de Santo António, que ficava em frente a sua casa. Acompanhava-a a sua sétima filha, Maria Luz, que conta que, ao acabar a Missa, iam a pé até à Catedral, dedicada a São José; e aí, punha-se de joelhos e pedia-lhe: São José, concede-me um filho sacerdote e uma filha religiosa.
E Deus concedeu-lhos: a sua segunda filha, Maria Elena, partiu aos 20 anos para as Servas de Jesus Sacramentado, e morreu sendo fiel à sua vocação, aos 103 anos de idade; e o sexto filho, José, ingressou no Seminário de Guadalajara – o maior do país, que continua a ter mais de mil alunos em pleno século XXI –. Foi ordenado sacerdote dessa mesma arquidiocese em 1950 e faleceu anos depois num acidente automobilístico.
Arturo fez a sua Primeira Comunhão no convento da irmã. Gostava de participar na vida paroquial, e numa ocasião o pároco deu-lhe um prémio por ter feito o melhor Presépio, com figuras de barro. Ao mesmo tempo, o menino e jovem Arturo cuidou com esmero dos seus estudos; tanto no ensino básico como no secundário, teve as melhores notas.
Anos de formação
Em 1951, como não era possível fazer estudos universitários em Ciudad Guzmán, Arturo e o seu primo Genaro Álvarez decidiram mudar para a capital do Estado de Jalisco, Guadalajara.
Desde o primeiro dia tiveram que vencer obstáculos: o primeiro foi que, como não havia táxis em Ciudad Guzmán, tiveram que percorrer a pé três quilómetros, debaixo duma chuva persistente, à meia-noite, para poderem apanhar o comboio que lá passava às 3h da manhã, vindo de Colima e que os levaria a Guadalajara. Lá chegaram, depois de três horas de viagem, ensopados, mas cheios de entusiasmo por poderem fazer um curso universitário.
As dificuldades continuaram: procurar uma pensão onde viver, adaptar-se à cidade grande, aprender a conviver com colegas de estudo procedentes de todo o ocidente do país, etc. Mas conseguiram: Genaro foi admitido no bacharelato para entrar em seguida na Faculdade de Direito; e Arturo entrou na Escola Profissional dependente do Instituto Tecnológico da Faculdade de Química. Anos mais tarde, Genaro veio a ser notário de Ciudad Guzmán e Arturo foi reconhecido como um dos melhores professores que teve a Universidade de Guadalajara.
Poucos meses depois de viverem em Guadalajara, chegou o dia 10 de maio, data em que, no México, se celebra com grande intensidade o Dia da Mãe. Arturo não duvidou em fazer uma viagem de 129 km para felicitar a mãe. Ela recebeu-o agradecendo muito o seu esforço, mas, ao mesmo tempo, disse-lhe: dá-me muito gosto que me venhas cumprimentar, mas mais gosto me daria que estivesses a cumprir o teu dever. Arturo nunca esqueceu aquela viva lição maternal de fortaleza e responsabilidade no seu trabalho.
No ano seguinte, faleceu María de Jesús: ao sair da Santa Missa, teve um infarto. Arturo e toda a família enfrentaram aquela dolorosa circunstância com sentido sobrenatural, ainda que, como é lógico, lhes custasse recuperar dela; especialmente a Arturo, que durante alguns anos foi um jovem muito reservado, como o classificou um dos seus professores.
Entre 1953 e 1958, Arturo fez o curso de Engenheria Química da Universidade de Guadalajara, mais conhecida como UdeG: era uma universidade do Estado, que naqueles anos tinha um cariz socialista e anti-cristão. Atualmente tem mais de 310 000 alunos, distribuídos por 15 centros universitários, um deles em Los Angeles, Califórnia. Arturo nunca reprovou em nenhuma disciplina, mas também não foi um aluno que se destacasse. A média final das 45 disciplinas que estudou foi 80/100.
Fez uma grande amizade com o seu colega Ignacio (Nacho) Gómez Ruiz, que tinha estudado canto operático no Conservatório de Música. Arturo tinha uma boa voz de barítono, mas nunca estudou canto profissionalmente; por isso Ignacio brincava com ele dizendo: eu sou cantor e tu és só cançonetista. Não nos comparemos. Nas festas da Faculdade ambos cantavam, especialmente no Dia da Mãe, em que cantavam uma serenata às mães dos colegas e professores.
Desde criança, Arturo frequentou os Sacramentos e teve grande carinho à Virgem Maria. Durante os seus anos como universitário, decidiu-se a fortalecer a sua vida de piedade e inscreveu-se na Congregação Mariana dos Padres Jesuítas, de Santa Maria de Guadalupe e São Luís Gonzaga.
Um professor muito próximo
Depois de completar os seus estudos, Arturo fez o estágio profissional na empresa de engarrafamento de refrescos Jarritos. Depois juntou-se a quatro colegas para fundar a Companhia Técnica Mexicana, embora esta tentativa empresarial depressa fracassasse. No entanto, durante a sua estadia em Jarritos, descobriram-se as suas capacidades administrativas, de liderança e docentes, o que levou à sua transferência para o Centro Jalisciense de Produtividade, instituição apoiada pelo setor patronal para complementar a capacitação profissional. Aí, Arturo recebeu uma bolsa para realizar um curso avançado de Engenharia Industrial na Syracuse University, no estado de Nova Iorque, Estados Unidos, entre 1959 e 1960.
Quando chegou à Syracuse University, Arturo deparou com um choque cultural: deu-se conta de que tinha dificuldades para entender o inglês e que a sua formação em Química na universidade mexicana era deficiente. Pensou em regressar ao México, mas um professor animou-o a continuar, assegurando-lhe que com dedicação e esforço poderia superar as barreiras da língua e da Química. Arturo decidir continuar, mas fez um firme propósito: Tenho que ensinar bem os meus alunos, para que, quando vierem estudar fora do México, não sofram o que eu tive que sofrer.
Os cinco meses que passou nos Estados Unidos ajudaram-no a confirmar a sua vocação de professor e a consolidar a confiança em si próprio. De maneira que, quando começou a ser professor de Química Inorgânica em 1960, rapidamente foi reconhecido como o melhor professor e, além disso, formador e talentoso.
Desde o seu primeiro ano como professor, Arturo combinou a exigência académica com uma amizade desinteressada com os seus alunos. Convidava-os para excursões no fim de semana, criando um ambiente de confiança e apoio. Esta aproximação permitiu a muitos dos seus estudantes encontrar um guia humano e espiritual que os ajudou a amadurecer durante os seus anos universitários. Como resultado, muitos deles mantiveram uma estreita amizade com o seu professor até ao final da vida.
Um dos seus primeiros alunos recorda: convivia connosco fora das aulas. Muito importantes eram as excursões que organizava ao Nevado de Colima. Uma ou duas semanas antes descíamos e subíamos 2 ou 3 vezes encostas mais fáceis, para adquirir condição física. Durante a noite, já no refúgio, organizava-nos para fazer turnos e manter acesa a caldeira. Foi algo que nos formou o carácter a todos, preparando-nos para atingir sempre os objetivos que nos propuséssemos. Era muito alegre. Nas festas tomávamos aperitivos. Cantava muitas canções populares, por exemplo “el barquito” e “el barrilito”. Íamos estudar a Chapala, onde um amigo e colega tinha uma casa e uma lancha. Fazíamos ski. Arturo estava muito contente de nos ver felizes e subia para a lancha connosco. Era amigo de todos.
Mas, além de levar muito a sério a sua cátedra, desde os seus primeiros dias de trabalho na UdeG, Arturo, juntamente com outros seis professores, lançou-se com decisão a alcançar a Excelência Académica que dali a alguns anos tornaria a Faculdade de Química a joia da coroa da Universidade de Guadalajara, principalmente graças ao trabalho académico de Mestre Arturo.
Em maio de 1961, apresentou a sua tese de Licenciatura para obter o título de Engenheiro Químico: Estudo sobre a corrosão causada pelo oxigénio em caldeiras e a sua eliminação. Vendo o seu bom desempenho académico, em 10 de julho desse mesmo ano, as autoridades nomearam-no membro da Comissão de Admissão da Faculdade de Química, como representante do Diretor. E como se fosse pouco, em abril de 1964, nomearam-no Secretário da Faculdade, com o que teve que acrescentar trabalho administrativo à sua agenda já sobrecarregada de trabalho académico. Depressa conquistou o carinho e agradecimento de todos e começaram a chamar-lhe respeitosamente El Inge Arturo.
Outro facto importante destes anos foi o seu namoro com Marta Leticia, que o recorda assim: foi aluno e depois colega do meu irmão... Ambos destacados professores da Faculdade de Química da Universidade de Guadalajara. Arturo foi um homem muito amável, muito agradável, uma grande pessoa, muito respeitador. Muito sábio e muito humilde: nunca aproveitou a sua sabedoria para sobressair. E namorámos! Um namoro limpo, como os de antigamente: quando muito, demos a mão. Chamou-me a atenção que reparasse em mim, pois o normal era que o namorado fosse mais velho que a namorada. Eu tinha mais alguns anos do que ele. Disse-lhe que sim e pouco a pouco fui começando a amá-lo...Namorámos durante pouco tempo, porque um dia veio dizer-me que ia dedicar a sua vida a Deus no Opus Dei. Nunca mais nos voltámos a ver nem a comunicar. Sempre guardei dele uma recordação muito agradável... O que conheci dele faz-me pensar que foi realmente um homem que viveu a sua vida muito perto de Deus.
A vocação ao Opus Dei
O Engenheiro Ignacio Ruiz, grande amigo de Arturo, que já mencionei, convidou-o a conhecer o Opus Dei em 1958, no último ano dos seus estudos universitários, mas ele recusou-se terminantemente, como conta o próprio Nacho: Eu convidava-o: “Vem, Arturo, a formação é muito boas”; ele dizia-me: “Não, não. São muito elitistas. São uns janotas, meninos ricos. E eu sou do povo”.
A narração de Ignacio completa-se com a de outro engenheiro químico, Guillermo Schmidhuber. Dizia assim: «Fui seu aluno no curso de 1962/63, na aula de Química Inorgânica. Cheguei a estimá-lo muito e ele também a mim... Guardo muitas recordações dele... estava sempre sorridente; nunca o vi aborrecido; ainda que houvesse políticas muito desagradáveis na Universidade. Era muito afável e conversador. Sabia ouvir as pessoas que não tinham o seu nível profissional nem humano. Depressa surgiu uma relação de sincera amizade e, ao mesmo tempo, eu reconhecia que ele continuava a ser o meu orientador.
Naqueles anos conheci a Residência Alto Valle, do Opus Dei, onde nos proporcionavam um ambiente de estudo e se realizavam diversas atividades culturais e de formação humana e católica, para as quais convidávamos os nossos amigos. Numa ocasião, por volta de 1965, decidi convidar Arturo para uma meditação, dirigida por um sacerdote da Obra.
Arturo sempre me pareceu muito humano, muito correto, de trato simples e amigável, muito religioso e rezador, nunca pensava mal de ninguém. Por isso o convidei. E aceitou assistir. Estávamos lá vários dos seus alunos. Agradou-lhe tanto a meditação como o ambiente universitário daquela Residência. Na semana seguinte, voltou.
Nos princípios de 1966, o arquiteto Pepe Tena, diretor da Residência, disse-me que Arturo tinha evoluído muito na sua vida espiritual e pediu-me que lhe propusesse a vocação ao Opus Dei, explicando-lhe bem que consistia em procurar a santidade no cumprimento fiel do seu trabalho profissional e em aproximar de Deus os seus amigos e alunos. Visitei-o em sua casa e disse logo: “Sim”. Não perguntou nem questionou nada do que eu lhe explicara. Mais ainda, eu levantei-lhe alguns mas: “Não poderá casar”, “Entregamos à Obra tudo o que ganhamos”, “E...”. E a cada exigência da vocação que eu lhe colocava, ele respondia: “Já disse que sim!, eu já tinha pensado numa coisa assim”. Quando me dirigia para sua casa, eu ia pensando no que lhe ia dizer; e, como supunha que diria que não, pensei em sugerir-lhe que fosse falar pessoalmente com Pepe Tena. Também pensei que a nossa conversa demoraria pelo menos duas horas, mas Arturo resolveu tudo em apenas 15 minutos. Poucos dias depois falou com Pepe e, em fevereiro de 1966, pediu a sua admissão no Opus Dei».
Como era habitual nele, Arturo não atrasou a decisão tomada e, pouco depois pediu a sua admissão na Obra. Certamente que tinha consciência clara de que o passo que dava seria duma transcendência definitiva na sua vida. Mas, em todo o caso, a carta que dirigiu ao Presidente Geral do Opus Dei, Monsenhor Josemaria Escrivá, foi notoriamente lacónica: 22 de fevereiro de 1966. Querido Padre: Tendo conhecido a Obra, peço-lhe para ser aceite como Sócio Oblato – deste modo se chamavam os atuais agregados – do OPUS DEI. Peço a sua bênção, Arturo Álvarez R.
Arturo começou a descobrir o tesouro da sua vocação pouco a pouco. Passaram-se mais de 30 meses sem que voltasse a escrever a São Josemaria Escrivá. Em 30 de agosto de 1968, na sua segunda carta, manifestou-lhe o seu deslumbramento ante a chamada de Deus: Querido Padre: escrevo-lhe de Montefalco, onde me encontro num Convívio de Agregados, procedentes de Monterrey, Cidade do México, Culiacán, Guadalajara e de Montefalco. Tanto nas meditações, como palestras e tertúlias, cada pensamento seu que conhecemos destila – desculpe a expressão, sou químico – um amor grande, muito grande, a Deus, à Virgem Santíssima, amor à Obra e a todos nós, seus filhos. Quantos ensinamentos! Quanta doutrina! Quanto para aprender! E quanto para dar! Peça ao Senhor que os propósitos obtidos neste convívio cristalizem numa realidade. Seu filho que lhe pede a sua bênção. Arturo.
A partir daí, realizou um grande trabalho apostólico, tanto com os colegas, como com alunos e familiares. Um dos relatos que recebemos afirma que trouxe à Obra 40 vocações: destas, pudemos comprovar 17. Além disso, sendo agregado, realizou também um extenso apostolado com trabalhadores em duas aldeias da cintura industrial de Guadalajara: Juanacatlán e El Salto, assim como com camponeses na margem da Laguna de Chapala. Muitos deles puseram por escrito as suas recordações, em que manifestam a sua gratidão e admiração, pela formação que lhes deu através da direção espiritual e das suas palestras.
Fama de santidade e processo de beatificação
Arturo era muito exigente consigo mesmo e com os seus alunos. Quase todos os anos deu três aulas diárias, de hora e meia de duração cada uma. Muito cedo todos conheceram a sua frase mais famosa: “a porta fecha às 7h”. Além disso, em pouco tempo começou a dar, depois das aulas na Universidade, até três círculos de formação espiritual por semana, aos quais assistiam mais de 20 dos seus alunos.
Obedecendo aos Estatutos da UdeG, pediu a reforma ao completar 30 anos de trabalho, não sem antes comentar: E agora, que vou fazer, sem os meus filhos? Pediu às autoridades que lhe permitissem continuar a dar a sua aula de Química Inorgânica, sem receber ordenado, e foi-lhe concedido.
Faleceu em 28 de novembro de 1992, em consequência dum aneurisma na aorta. Acompanhava-o o seu colega e grande amigo Pe. Antonio Rodríguez, que deu a notícia a outra professora. Rapidamente se espalhou a notícia e no velório estiveram mais de 400 pessoas, na sua maioria alunos. Desde o primeiro momento, vários afirmaram que estavam convencidos da sua santidade. O sacerdote que o atendia comentou com as suas sobrinhas: Arturo foi para o Céu direitinho.
Em 2002, as autoridades da UdeG colocaram um busto de bronze em frente da Sala 17, onde deu as suas aulas. Tem inscritas as seguintes frases: Formador de Engenheiros Químicos úteis à sociedade. Mestre íntegro, exemplo de amizade e serviço. Além disso, essa sala tem três placas que o recordam e, recentemente, o Reitor da UdeG mandou colocar no seu interior uma estátua de Arturo.
Quando se procuraram pessoas que o tivessem conhecido para lhes perguntar o que recordavam dele, pudemos falar com mais de 200. Todos eles agradeceram o convite e falaram das suas virtudes. Mais de 200 pessoas testemunharam sobre ele no seu processo de beatificação.
No início da sua Causa de Beatificação estiveram o Reitor da UdeG e o Reitor da Universidade Panamericana em Guadalajara, que foi seu aluno. O primeiro manifestou: Admira-me comprovar como Arturo soube integrar muito bem a sua dedicação às ciências duras com a sua fé. E outra autoridade da mesma UdeG comentou numa conferência: examinei o seu desempenho académico à lupa e não encontrei nele nem uma falha; é um dos nossos melhores professores. Consideramo-lo já património da nossa Universidade.
Atualmente recebemos pouco mais de cem favores que Deus concedeu por sua intercessão. De 2021 a 2023 realizou-se na arquidiocese de Guadalajara a Fase Diocesana do seu Processo de Beatificação e no final desse mesmo ano iniciou-se a Fase Romana.