«A família é um grande lugar para nos treinarmos contra o individualismo»

Paloma Blanc participou como palestrante no XI Simpósio de S. Josemaria realizado em Jaén nos dias 17 e 18 de novembro de 2023, onde contou a sua experiência nos seus últimos anos como mãe perante os grandes desafios da sociedade e da família.

Paloma Blanc
Paloma Blanc

Estamos num momento de transformação da sociedade. Que elementos do contexto atual facilitam ou não a amizade na família?

Começa a ser evidente que já não estamos numa época de mudanças, mas numa mudança de época. Somos testemunhos e protagonistas disso. A todos nos atinge. A família já está há algum tempo a sofrer uma profunda transformação, e no entanto, ao mesmo tempo continua a ser o reduto onde encontramos o nosso refúgio, onde nos querem como somos, onde somos nós próprios.

Diria que o principal elemento que dificulta a amizade na família e na sociedade em geral é o individualismo tão marcado que domina a nossa sociedade e que nos leva a dar prioridade a nós próprios em lugar dos outros. Apesar de não querermos que isso aconteça, existe uma corrente muito forte que arrasta para essa cultura.

Deixar-nos levar pelo que nos faz sentir bem em todo o momento, porque somos sujeitos emotivos, subjetivos, que precisamos de sentir, faz com que pensemos mais em nós do que deveríamos. Apesar de a família ser um grande lugar de treino para lutar contra isto e para isso os pais devem esforçar-se por consegui-lo.

Que conselhos daria para educar os filhos para serem bons amigos?

Parece-me sobretudo necessário educar os nossos filhos no compromisso. Na sociedade em que vivemos há uma clara crise de compromisso, que podemos ver todos os dias em muitos âmbitos da nossa vida, e isto também afeta a amizade.

Com um amigo comprometes-te a dar o melhor de ti, a ser uma boa referência para ele, a ser fiel, a fazê-lo mais feliz. Desde que são pequenos, é bom ensinar-lhes isto, porque é muito fácil que os amigos sejam utilizados enquanto não existir um programa melhor.

Claro que a amizade tem as suas fases, e eles também têm de ir aprendendo a geri-las, mas parece-me que entenderem a entrega e o compromisso vai ajudá-los a serem melhores pessoas toda a vida.

Paloma Blanc en su conferencia en el XI Simposio San Josemaría, sobre la amistad.
Paloma Blanc na sua conferência no XI Simpósio de S. Josemaria sobre a amizade.

Atualmente os pais têm novos desafios para dedicar tempo de qualidade aos filhos. Como descer, usando uma expressão sua, desta roda de hamster?

Não quero ser negativa ao falar da sociedade em que vivemos, porque apesar de ter os seus desafios, é uma sociedade maravilhosa e devemos aprender a amá-la para poder ser parte dela e não querermos nos fechar numa bolha onde não teríamos nada a oferecer. No entanto, também é bom conhecer esses desafios para podermos enfrentá-los da melhor maneira possível.

Um hamster dentro da sua gaiola sobe à roda e começa a correr sem parar, porque não pensa para onde vai, só corre para manter o ritmo e não sair disparado dela. Não tem um objetivo, não pensou nele. Mas esse ritmo, foi ele que o impôs a si próprio, foi ele que começou a correr.

Penso que muitos de nós estamos nessa roda e às vezes não temos tempo para pensar para onde vamos. Só tentamos manter o ritmo que nos impõem, tentando não sair disparados em qualquer direção. E para dar à roda a velocidade que queremos há que parar para pensar: ver o que funciona e o que não, que estilo de vida levo ou faço levar os que me rodeiam, que picos de stress temos em casa… e depois de ter observado e refletido, tomar decisões de mudança, com inteligência, estratégia e alegria.

Como disse Chesterton numa citação que gosto muito de recordar: “Cada época é salva por um pequeno punhado de homens que têm a coragem de não serem atuais”. Temos em casa os não-atuais da nossa época. Temos de estar ao seu lado, olhar para eles, ouvi-los, ensiná-los, ajudá-los para lhes dar a mão e acompanhá-los neste caminho difícil que têm de viver. Paremos a roda e dediquemo-nos àquilo que é realmente importante.


Conteúdo relacionado: conferência de Paloma Blanc (a partir de 1:01:30)


A que é que se refere quando fala de “pôr os óculos de ver” em casa?

Penso que substituímos o pouco tempo que dantes tínhamos para pensar e observar, por tempo de telemóvel. E às vezes passam-se coisas à nossa volta que, se não estivermos atentos e a olhar para cima (não para baixo para o telemóvel), escapam-nos. Desde algum filho que está a passar por um momento delicado, algo que fizemos mal e de que não demos conta, a relação de casal, coisas que não funcionam na casa… mil situações que exigem a nossa atenção, agora tão dispersa.

Por isso, nada como pormos às vezes “os óculos de ver” para tentar ver coisas novas. Às vezes, de tanto ver uma coisa, normalizamo-la. Como por exemplo, uma montanha desordenada nalgum canto da nossa casa. No início, incomoda, mas logo começamos a normalizá-la, e finalmente já nem a vemos. Com os óculos, volta-se a reparar nessas montanhas, situações ou atitudes e começa a possibilidade real da mudança. Às vezes também com esses óculos vemos coisas bonitas e pensas: “estou a fazer bem”.

No simpósio, comentou que vivemos com muitos picos de stress. Como podemos transformar esses picos em planícies?

Parece-me que uma das grandes estratégias a seguir, é quando se põem os óculos. Claramente, uma tarefa imprescindível para os pais, mas em geral para qualquer pessoa: analisar os picos de stress do dia a dia e trabalhar para os transformar em planície.

Às vezes, por não ter pensado bem nisso, vivemos situações que nos provocam muito stress no nosso dia e só por fazer alguma pequena mudança, pode eliminar-se uma grande parte ou todo esse stress. Parece um disparate, mas se chegamos sempre tarde aos sítios e criamos incómodo e o transmitimos aos outros, aos filhos ou aos que nos rodeiam, vamos com 15 minutos de antecedência. Esforcemo-nos por consegui-lo. É evidente, mas não o é, porque uma e outra vez acaba por nos acontecer o mesmo.

No meu caso, dei-me conta de que o maior pico de stress que se produzia na nossa casa era a saída para o colégio de manhã. Faltava sempre um sapato que acabava por aparecer depois de muitos gritos e palavras insultuosas debaixo de um sofá, ou um recado por assinar que era absolutamente imprescindível, ou milhares de situações diárias resultantes de uma má gestão. O meu pobre marido saía já de casa de manhã mergulhado num stress horroroso e com um tique no olho. Depois de pensar e de trabalhar umas rotinas, (e pôr um bengaleiro de uniformes num corredor), mudaram muito as coisas.

Existem pessoas que pensam que os vínculos nas redes sociais são muito superficiais. Qual é a sua experiência? A sua conta de Instagram (7paresdekatiuskas) trouxe-lhe novos amigos?

Entendo que as pessoas pensem muitas coisas das redes sociais quando são vistas do lado de fora. Há de tudo, como em todas a parte, mas em geral, digo que é muito mais o positivo do que o negativo. É muitíssimo mais o que se pode dar e receber do que o negativo.

Apesar de ser difícil de acreditar, gera-se uma relação especial entre as pessoas. Uma amizade muito original, porque acaba por se gostar de pessoas que nunca vimos. Isto daria para contar muitas histórias e para ler mensagens mesmo muito emocionantes.

Mas sim, a mim trouxe-me novos amigos, muito bons amigos. Tomei cafés com pessoas que não conhecia nada, tive conversas de uma profundidade espetacular, rezei muito por pessoas ou situações delicadas, vi muitas pessoas a recuperar a fé, a confessarem-se pela primeira vez, ajudar casais porque um dia se cruzaram com um direto que viram no Instagram…. Gosto muito de pensar que pude dar alguma coisa, mas simultaneamente aprendo muito de outros. Vejo coisas incríveis e pessoas a fazer coisas maravilhosas pelos outros.

Vale a pena, e ainda mais num momento em que há muitas pessoas que se sentem sós. Oxalá algum dia possam contar tantas coisas que acontecem e não se veem.