75.º aniversário da primeira visita de S. Josemaria a Portugal

No dia 5 de fevereiro de 1945 S. Josemaria, depois de um encontro com a Irmã Lúcia, entrou em Portugal e passou por Viana do Castelo, Porto, V. N. Gaia, Coimbra, Leiria, Fátima e Lisboa. Expomos o excerto de um artigo de Mons. Hugo de Azevedo sobre as visitas do Fundador do Opus Dei ao nosso país.

► D. Alberto Cosme do Amaral fala sobre as peregrinações de S. Josemaria a Fátima

A “responsabilidade” da Irmã Lúcia no início do trabalho do Opus Dei em Portugal

Primeiras viagens de S. Josemaria a Portugal (1945)

História do Opus Dei em Portugal


Um grande amigo do Fundador, D. José López Ortiz, fora ordenado bispo em 21 de Setembro de 1944 e nomeado para Tuy, tomando posse da diocese poucas semanas depois. Era desejo de S. Josemaria visitá-lo na sua nova função, e teve essa oportunidade em Fevereiro do ano seguinte. Sai de Madrid com D. Álvaro del Portillo no dia 29 de Janeiro, em direcção a Valladolid, no Studebaker a gasogénio conduzido por Miguel Chorniqué, motorista a quem frequentemente requeria esse serviço. Passa o dia 30 em Valladolid, onde se ultimava a instalação do oratório de «El Rincón», o primeiro centro do Opus Dei nessa cidade.

No dia 31 viaja de Valladolid a Palência; no dia 2 de Fevereiro chega finalmente a Tuy, ficando albergado no paço episcopal.

Vivia em Tuy nessa altura a principal vidente de Fátima, então com o nome de Irmã Maria das Dores. Poucas pessoas – incluindo as freiras doroteias do convento, e exceptuando as superioras – sabiam da sua real identidade. A tal ponto, que se combinara um «código» a usar quando o Bispo queria chamá-la ao paço: – «Pode mandar-me uma rosa?», perguntava por telefone o Prelado à Superiora do convento.

Tinha ela entrado no convento de Tuy em 24 de Outubro de 1925, como postulante, mas em 1945 já estaria pensando na passagem ao Carmelo, conforme um velho desejo seu. De facto, logo no ano seguinte, 1946, voltaria a Portugal, e em 25 de Março de 1948 entraria no Carmelo de Santa Teresa, em Coimbra.

«Irmã Lúcia: se a Irmã Lúcia e eu não somos santos, vamos para o inferno!» Ao que ela respondeu imediatamente: – «Padre, quantas vezes tenho pensado nisso!».

Encontros com a Irmã Lúcia de Jesus

Conhecendo bem o Fundador do Opus Dei e o seu grande amor a Nossa Senhora, D. José lembrou-se de perguntar-lhe se gostaria de conhecer a vidente. – «Teria muita alegria!», foi a resposta esperada. Deve ter-se passado isto no dia 2 ou 3 de Fevereiro. Nesse primeiro encontro não esteve presente o Prelado de Tuy, nem D. Álvaro, provavelmente.

Esperando por ela nalguma sala, e vendo-a aproximar-se, a saudação de S. Josemaria foi a seguinte: – «Irmã Lúcia: se a Irmã Lúcia e eu não somos santos, vamos para o inferno!» Ao que ela respondeu imediatamente: – «Padre, quantas vezes tenho pensado nisso!». «Tratei-a com secura», recordava o Fundador mais tarde, «porque sabia que era uma santa; e não só não se aborreceu, mas voltou para dizer-me que o Opus Dei tinha de ir a Portugal» (23).

Esse primeiro encontro com S. Josemaria terá sido decisivo para essa petição, mas não se tratou de um impulso precipitado por parte da vidente. Se já em Portugal o Opus Dei e o seu Fundador eram conhecidos em 1937, quanto mais teria ouvido falar deles em Espanha – favorável e desfavoravelmente – uma doroteia em 1945!

o Padre teve um daqueles gestos simpáticos e afectuosos que lhe eram habituais: perguntou à vidente se queria alguma coisa para a sua família, que íamos ver pouco depois. Sor Lúcia não queria nada, mas lembro-me de que comprámos uns pães então muito cotizados e lhos levámos

S. Josemaria respondeu-lhe que, por seu desejo, iria imediatamente; simplesmente, não viera preparado para isso: nem ele nem D. Álvaro traziam sequer passaporte. Se esse era o problema, replicou-lhe Lúcia, resolvia-o ela própria facilmente. E assim fez, de modo que, no dia seguinte (5 de Fevereiro), já estavam munidos de salvo-condutos para atravessar a fronteira. Quanto às suas diligências, só souberam que telefonara para Lisboa; talvez para o Cardeal Patriarca, supuseram.

Antes de sair para Portugal, recorda o secretário de D. José López Ortiz, D. Eliodoro Gil Rivera, que «o Padre teve um daqueles gestos simpáticos e afectuosos que lhe eram habituais: perguntou à vidente se queria alguma coisa para a sua família, que íamos ver pouco depois. Sor Lúcia não queria nada, mas lembro-me de que comprámos uns pães então muito cotizados e lhos levámos. Quando regressámos a Portugal, Sor Lúcia quis ver o Padre novamente para lhe agradecer».

«Entrámos sem passaporte», comentaria mais tarde S. Josemaria, «e isso é que está bem – porque somos portugueses!».

Saíram, pois, no dia 5 de Fevereiro, de manhã, sem nenhum objectivo determinado, excepto o de conhecer Portugal e contactar com alguns bispos. «Entrámos sem passaporte», comentaria mais tarde S. Josemaria, «e isso é que está bem – porque somos portugueses!».

No Studebaker, além do condutor, seguiam S. Josemaria, D. José López Ortiz, o P. Álvaro del Portillo e o P. Eliodoro Gil Rivera. Era uma segunda-feira. Entram, naturalmente, por Valença do Minho. Passam por Viana do Castelo, e vão almoçar ao Porto, a «O Escondidinho», nessa época o restaurante de referência mais conhecido, que lhes terá sido indicado em Tuy ou recomendado por algum portuense consultado na altura.

Visitas ao Bispo de Leiria (Fátima), ao Patriarca de Lisboa e ao Bispo de Coimbra

Retomam viagem por Vila Nova de Gaia, passam por Coimbra, e chegam a Leiria.

Aí param de novo, e vão cumprimentar o Bispo da diocese (mais tarde intitulada de Leiria-Fátima), D. José Alves Correia da Silva, no Paço, onde conhecem também o futuro Bispo de Leiria, D. João Pereira Venâncio, então cónego. E aí jantam, seguindo depois até Fátima.

No dia seguinte, 6, celebra a Santa Missa no Santuário e redige um prólogo para a quarta edição de Santo Rosário

Era a primeira vez que S. Josemaria visitava a Capelinha de Nossa Senhora de Fátima, pela qual, como vimos, já nutria grande devoção. É fácil imaginar como lhe terá confiado todo o futuro trabalho apostólico do Opus Dei em Portugal, em todo «o império português», como então se dizia, e no Brasil. Passam a noite na «Pensão de Fátima».

No dia seguinte, 6, celebra a Santa Missa no Santuário e redige um prólogo para a quarta edição de Santo Rosário, que sairia do prelo no mês de Maio desse ano:

Como en otros días –¡Lepanto!–, ha de ser hoy el Rosario arma poderosa, para vencer a los enemigos de la Santa Iglesia Romana y de la Patria. Desagravia al Señor, ensalza con tu lengua a su Madre: reparación pide tu Dios, alabanzas de tu boca, porque – y son palabras del Soberano Pontífice, a su Guardia Noble, el último día del año 1944 – “la hostilidad de los enemigos de Cristo y de la Iglesia tuvo en todo tiempo a su servicio no solamente las críticas malévolas y los asaltos vehementes, sino principalmente las calumnias venenosas, las insinuaciones cautas y los rumores vagos y anónimos, hábilmente difundidos, que no pocas veces sorprenden la buena fe, incluso de algunos cristianos ignorantes o crédulos”. Saeta que hiere es la lengua de ellos, dice Jeremías (IX, 8). Ojala sepas y quieras tú curar esas heridas, con esta admirable devoción mariana y con tu caridad vigilante.

No Santuario de Fátima, día 6 de febrero de 1945.

D. José López Ortiz recorda essa primeira visita do Fundador do Opus Dei a Fátima muito sucintamente, esquecendo, naturalmente, um pequeno pormenor que lhe dizia respeito e a que achou graça o Fundador: o comentário cheio de simplicidade da mãe da Jacinta e do Francisco – «O senhor Bispo é tão feio!» – e que não lhe agradou demasiado... É nessa altura que visita a mãe da Irmã Lúcia, e lhe entrega os saborosos pães galegos de que fala o P. Eliodoro. A visita é registada na Voz de Fátima, com uma incorrecção: «Veio ao Santuário, de visita, S. Ex.cia Rev.ma o Senhor D. Frei José Lopez Ortiz, bispo de Tui, Espanha. Era acompanhado de seu secretário particular, Rev.º D. Eliodoro Gil Rivera e dos Rev.os P.es D. José Maria, Escrivão de Balaguera [sic], e D. Álvaro del Portillo. Com Sua Rev.ª veio de Leiria o Rev. Sr. Cónego Galamba de Oliveira».

E regressa a Leiria, onde almoça com o Sr. Bispo, já seu conhecido.

«A impressão que me ficou dos meus dois encontros com o Snr. Pe. José Maria Escrivá foram as melhor possíveis dum Sacerdote piedoso, franco e jovial».

Entre as pessoas presentes no Paço, estava o P. Carlos Duarte Gonçalves de Azevedo, que nos deixou um «Apontamento acerca do meu encontro com o Revº: Padre José Maria Escrivá» (na realidade foram dois, um em Leiria e outro na Quinta da Formigueira), pelo qual ficamos a saber um dos temas da conversa:

«O Snr. Pe. Escrivá falou-me do “Opus Dei”. Dessa conversa franca, duas coisas apenas me ficaram gravadas e que não mais pude esquecer:

1º) A perseguição que a sua obra sofreu ao ser iniciada; não recordo pormenores.

2º) Graves acusações chegadas a Roma contra o Pe. Escrivá. Quanto às consequências, disse-me S. Revª., substancialmente, isto: “A minha vingança foi mandar comprar a melhor vida de Santo Inácio e ordenar a sua leitura em todos os centros da Obra; o castigo que a Santa Sé me deu foi conceder-me o privilégio de “Altar portátil”».

«A impressão que me ficou dos meus dois encontros com o Snr. Pe. José Maria Escrivá», termina o apontamento, «foram as melhor possíveis dum Sacerdote piedoso, franco e jovial».

Enquanto conversa com o Bispo de Leiria e os restantes comensais, e Miguel Chorniqué espera por ele à porta, aparece outro carro, donde sai «um Bispo de Moçambique. Vendo o carro do Padre, com a matrícula espanhola, exclamou alegremente: -Um carro de Bilbau! E entrou no Paço. Deve ter falado com o Padre», induz Miguel. «Saíram juntos. Despediram-se, antes de entrarem cada um para o seu carro. O Padre, já dentro do carro, disse que a Obra não podia ir ainda a Moçambique, porque havia muito que fazer em Portugal». De Leiria continua viagem por Alcobaça, Caldas da Rainha, Vila Franca, e entra em Lisboa. Não sabemos em que hotel se hospedaram os viajantes. Talvez no Hotel Metrópole.

No dia seguinte cumprimenta e conversa com o Bispo de Coimbra, D. António Antunes – que insiste em recebê-lo, apesar de estar doente –, sobre a Obra e os seus projectos, o que o piedoso bispo acolhe com muito entusiasmo

No dia 7 vão ao Patriarcado, então no Palácio de Santana, no Campo dos Mártires da Pátria, cumprimentar o Cardeal Cerejeira. Como fez com os outros prelados, dá-lhe notícias do Opus Dei, que ele já conhecia por Amadeo de Fuenmayor, e trocam impressões sobre a sua expansão em Portugal. Como antigo e saudoso «coimbrão», é mais do que provável que o Cardeal lhe tenha sugerido começar pela cidade do Mondego, onde se cruzam estudantes de todos os pontos do país. Mas suponho que o Fundador conheceria já suficientemente Portugal e o prestígio universitário de Coimbra, a «Lusa Atenas», para não necessitar desse conselho amigo.

Nessa mesma noite já se encontra Coimbra. No dia seguinte cumprimenta e conversa com o Bispo de Coimbra, D. António Antunes – que insiste em recebê-lo, apesar de estar doente –, sobre a Obra e os seus projectos, o que o piedoso bispo acolhe com muito entusiasmo. E nesse mesmo dia regressa a Tuy, aí deixa D. José López Ortiz e o seu secretário, e vai dormir a Pontevedra. Esta primeira viagem serviu-lhe, portanto, para explicar o Opus Dei aos bispos que visitou, recebendo de todos um óptimo acolhimento e ficando assim cumprida a fase preparatória do início do trabalho da Obra em Portugal. Tendo iniciado a visita sem nenhum especial objectivo, como vimos, apercebeu-se imediatamente, por todas as circunstâncias que a provocaram e a rodearam, de que a Providência divina lhe apontava Portugal como a meta mais próxima da expansão da Obra fora de Espanha. E já nesse mesmo ano, poucos meses depois, prepara um pequeno grupo de filhos seus para esse efeito.


Vídeo com D. Manuel Clemente sobre a expansão do Opus Dei nos anos 1940 (4min: 12 seg)

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