Há 40 anos atrás o Papa S. João Paulo II escreveu: «fica erigido o Opus Dei como prelatura pessoal de âmbito internacional, com o nome de Prelatura da Santa Cruz e Opus Dei ou, em forma abreviada, Opus Dei». Segundo a Constituição Apostólica Ut sit, a Igreja, com a maior esperança, «dirige os seus cuidados maternais ao Opus Dei», «(...) com o fim de que seja sempre um instrumento apto e eficaz da missão salvífica que a Igreja leva a cabo para a vida do mundo». Hoje é dia de dar muitas graças a Deus e recordar a fidelidade de S. Josemaria para defender o carisma que Deus lhe confiou.
Um longo caminho
Um caminho longo e difícil foi percorrido até chegar a esse documento em que a Santa Sé afirma que «posta de parte qualquer dúvida acerca do fundamento, possibilidade e modo concreto de aceder à petição, ficou claramente em evidência a oportunidade e a utilidade da desejada transformação do Opus Dei em prelatura pessoal».
Logo em 1936, o jovem padre de 34 anos Josemaria Escrivá esboçou alguns traços de uma “solução jurídica definitiva” para um Opus Dei que ele não criara mas recebera de Deus. O seu ímpeto e sentido de responsabilidade levou-o a procurar, em sintonia com a autoridade eclesiástica competente, em cada momento, de forma realista e filial, a solução canónica que fosse “a menos inadequada”. Era consciente de que, para uma realidade com vários aspetos de surpreendente novidade na Igreja, não iria ser fácil encontrar, entre os já existentes, um “revestimento canónico” apropriado.
O Opus Dei crescia e, por todas as razões, precisava de aprovação canónica. O fundador foi pedindo em cada momento à autoridade da Igreja a aplicação de soluções que fossem possíveis e as menos desajustadas, ainda que trouxessem consigo graves inconvenientes. Sempre na espera de surgir uma expressão canónica fiel. Nesse tempo de espera se deram as fases em que foi Pia União (1941), Sociedade de Vida Comum sem votos (1943), Instituto Secular (1947).
Andar em frente para chegar... à fonte
Todo o esforço de S. Josemaria foi o de expressar, também em forma canónica e institucional, com fidelidade, o carisma que recebeu.
Essa tensão de décadas foi uma aventura prolongada que incentivou ainda mais à oração, à unidade, à fé na Igreja, à fé em Deus, Senhor da História.
Foi o Beato Álvaro del Portillo, sucessor do fundador, quem viveu a etapa final dessa aventura. Este foi o balanço da longa maratona: «aprendemos a trabalhar para Deus, sem esperar recompensas humanas. Aprendemos a amar aqueles que, por alguma razão, não entenderam ou não quiseram entender o nosso caminho».
D. Álvaro viu ainda outras bênçãos de Deus nesse percurso: «o Senhor confirmou o nosso grande amor por quantos trabalham por Ele, compreendendo e valorizando verdadeiramente a generosidade e o sacrifício de tantas almas boas –sacerdotes, religiosos, religiosas, leigos– que servem a Igreja. O Senhor impeliu-nos a amar cada dia mais o Papa: quantas longas horas de oração do nosso Padre pelo Romano Pontífice e que injeção de romanidade ele infundia em toda a Obra! Sentimos a urgência e o dever de rezar mais intensamente por todos os Bispos e entregámo-nos, com desejo de unidade, no serviço às dioceses onde trabalhamos».
Essa vivência deu-se de forma mais intensa a partir de 1969. Nesse ano o Papa S. Paulo VI, a pedido de S. Josemaria, autorizou a realização de um Congresso Geral especial dedicado a iniciar o estudo para concretizar o estatuto jurídico do Opus Dei adequado à sua natureza, tendo em conta as normas do Concílio Vaticano II que, entretanto, criara a figura das prelaturas pessoais. O fundador era a testemunha qualificada do carisma do Opus Dei, e por isso poderia ter ele mesmo feito a reflexão e propostas que fossem necessárias, mas não quis deixar de envolver todos os seus filhos e filhas da família do Opus Dei.
Com o estímulo sucessivo dos Papas S. Paulo VI, Beato João Paulo I, no seu fugaz pontificado, e S. João Paulo II, o Opus Dei veio a apresentar o pedido de ereção em prelatura pessoal em 1979. Começou então um ciclo de três anos e meio de trabalho intenso, compreensível por se tratar da primeira vez que se pensava aplicar a nova figura da prelatura pessoal.
O estudo da proposta teve, nessa fase, vários momentos. Passou pela assembleia plenária do hoje chamado Dicastério para os Bispos. Foi objeto de vinte e cinco sessões de trabalho, ao longo de um ano e meio, de uma comissão técnica constituída para o efeito, a fim de analisar os aspetos jurídicos, pastorais, históricos, institucionais e processuais. A comissão técnica elaborou seiscentas páginas de documentação que foram examinadas por uma comissão especial de cardeais.
Terminada a análise na Santa Sé, o Papa notificou 2000 bispos de 39 países de dioceses onde havia centros do Opus Dei por forma a conhecerem as características essenciais da nova prelatura a erigir, e permitir-lhes as observações que entendessem. Todas as observações feitas foram estudadas atentamente e respondidas pelo agora designado Dicastério para os Bispos.
A Constituição Apostólica Ut sit, cujo 40º aniversário hoje lembramos, foi pois antecedida por esse trabalho intenso e moroso, e nela se descreve o Opus Dei como um «organismo apostólico composto de sacerdotes e leigos, tanto homens como mulheres, que é ao mesmo tempo orgânico e indiviso – ou seja, como uma instituição dotada de uma unidade de espírito, de fim, de regime e de formação».
Uma prelatura para quê?
A resposta é dada pelo Papa Francisco no Motu Proprio “Ad charisma tuendum”: «para salvaguardar o carisma, o meu predecessor S. João Paulo II, na Constituição Apostólica Ut sit, de 28 de novembro de 1982, erigiu a Prelatura do Opus Dei, confiando-lhe a tarefa pastoral de contribuir de maneira especial para a missão evangelizadora da Igreja. De acordo com o dom do Espírito recebido por S. Josemaria Escrivá, de facto, a Prelatura do Opus Dei, com a orientação do seu Prelado, realiza a missão de difundir o chamamento à santidade no mundo, através da santificação do trabalho e dos compromissos familiares e sociais, por meio dos clérigos nela incardinados e com a cooperação orgânica dos leigos que se dedicam às tarefas apostólicas (cf. cân. 294-296, CIC)».
Quando a Prelatura celebrou os 25 anos publiquei na “Voz Portucalense”, da diocese do Porto, umas ideias que me parece oportuno recordar:
«Espírito do Opus Dei: santidade heroica na vida normal, sem necessidade de acrescentos, de um estatuto diferente, de exercer funções particulares. Os fiéis do Opus Dei, pelo facto de serem do Opus Dei, não assumem uma situação diferente na Igreja, na paróquia, nem na sociedade civil. Se não fosse assim, contradir-se-ia a normalidade que estão chamados a santificar.
Deus atua, está presente, transforma radicalmente o mundo, através da vida quotidiana vivida santamente. Para difundir esta realidade e esta mensagem, Deus fez surgir mais uma manifestação da riqueza da vida da Igreja e da sua ação na história, o Opus Dei, tornando viva uma "ligação surpreendente entre uma absoluta fidelidade à grande tradição da Igreja, à sua fé, com desarmante simplicidade, e a abertura incondicionada a todos os desafios deste mundo, quer no âmbito académico, quer no do trabalho, da economia, etc." (Cardeal Ratzinger, 06/10/2002). Não é outra a razão de ser da Prelatura pessoal.
Qual é então a função da Prelatura? Dar formação, atuando como uma vitamina que fortalece e, melhor, integra cada célula no organismo, sem formar um corpo estranho. Por isso é um serviço direto a cada diocese: ajuda os fiéis a serem bons paroquianos, bons membros da sua diocese, bons cidadãos, elementos vivos da Igreja, na família e no trabalho, a perceberem que construir a Igreja não se reduz a colaborar nas estruturas eclesiásticas (cada um o fará na medida das suas possibilidades e inclinações), mas é um desafio de cada minuto do seu dia».
Reorganização da Cúria Romana e o novo lugar das prelaturas pessoais
O Papa Francisco preparou ao longo de nove anos a remodelação da Cúria Romana para que um melhor serviço de apoio ao ministério petrino permita centrar a Igreja na urgente evangelização que o mundo precisa. “Praedicate Evangelium” (Proclamai o Evangelho) é o nome da Constituição Apostólica de 19 de março deste ano. Em 250 artigos, dá nova sistematização ao funcionamento da Cúria Romana, e, sobretudo, tenta imprimir em todos a santa inquietação de uma “conversão missionária”. Também determina que passa a ser o Dicastério para o Clero a ter competência «sobre tudo o que cabe à Santa Sé no respeitante às prelaturas pessoais». Como referiu na altura o Prelado, Mons. Fernando Ocáriz, para o Opus Dei mudou o interlocutor habitual com a Santa Sé, «mas a substância da Prelatura do Opus Dei, composta por leigos e sacerdotes, mulheres e homens, tal como estabelecido nos Estatutos que a Sé Apostólica deu à Obra, não é alterada de forma alguma».
Posteriormente, em Julho de 2022, o Motu Proprio “Ad charisma tuendum”, na sequência e implementação dessa constituição, faz a alteração correspondente à Constituição Apostólica Ut sit, que criou a Prelatura do Opus Dei, para essencialmente nela se indicar o novo dicastério interlocutor na Cúria. Para além disso, reafirmando tudo o resto que a Constituição apostólica Ut sit estabelece sobre a essência do Opus Dei (em concreto a pertença à prelatura de sacerdotes e leigos), entre outras concretizações, esclarece que ser prelado do Opus Dei não traz consigo a ordenação episcopal. De facto, como escreveu o Padre, «a ordenação episcopal do prelado não era e não é necessária para guiar o Opus Dei» e não afeta o seu funcionamento e missão, nem a realidade da vocação ao Opus Dei.
O Motu Proprio tem por objetivo «confirmar a Prelatura do Opus Dei no âmbito autenticamente carismático da Igreja, especificando a sua organização em sintonia com o testemunho do Fundador, S. Josemaria Escrivá, e com os ensinamentos da eclesiologia conciliar sobre as prelaturas pessoais» e, para esse fim, convida a prelatura a propor a alteração conveniente dos Estatutos concedidos pela Santa Sé em 1982.
Estas disposições foram filialmente aceites pelo Prelado do Opus Dei, seguindo fielmente o que S. Josemaria ensinou de que a Obra quer servir a Igreja como esta quer ser servida. Faço minhas estas suas palavras: «gostaria que este convite do Santo Padre tivesse uma forte ressonância em cada um de nós. É uma oportunidade para aprofundar no espírito que o Senhor infundiu no nosso fundador e de o compartilhar com muitas pessoas no ambiente familiar, laboral e social».
Congresso extraordinário
Entretanto, o Prelado do Opus Dei decidiu convocar um Congresso Geral Extraordinário com o objeto preciso de propor alterações que, cumprindo o que a Santa Sé indicou, introduzam os ajustamentos que pareçam convenientes à luz do «Motu Proprio, e assim poder explicar melhor a realidade e o carisma do Opus Dei, tal como S. Josemaria recebeu e no-lo transmitiu». E já chegou aos fiéis da prelatura a informação sobre a colaboração que todos podem dar, nos termos da carta do Prelado de 6 de outubro de 2022.
Este é um momento de unidade: unidade com Deus, unidade com a Igreja e com o Papa, unidade com os bispos, unidade na Obra.
E é também um momento de fidelidade vigilante e alegre que se alimenta da fé profunda em Deus e da disposição, em cada dia, de nos convertermos sempre de novo, para ser melhores filhos de Deus.
Unamo-nos à oração do Padre: «Peçamos ao Senhor que o carisma, que Deus confiou ao nosso Padre a serviço da Igreja, dê com renovada força, como nos exortou o Papa Francisco, frutos na vida de cada um». «Temos a segurança de que Jesus e a sua Mãe recebem a nossa oração em qualquer momento. Por isso, animo-vos a deixar nas suas mãos as necessidades do mundo e da Igreja».