100% estónia e 100% espanhola

Teresa Peña é espanhola e vive na Estónia há 12 anos. É filóloga de línguas românicas e trabalha na Universidade de Tallinn como professora de espanhol.

Há quanto tempo está na Estónia?

Há doze anos.

Custou-lhe muito tomar a decisão de ir para lá?

Não, vinte segundos. Quando me disseram que o Padre tinha pensado em mim para começar o trabalho do Opus Dei na Estónia, após a surpresa inicial, respondi imediatamente que sim. Faço aqui a mesma coisa que fazia lá. De qualquer modo, disseram-me que reflectisse com calma e total liberdade antes de dar uma resposta. Demorei dois dias a escrever uma carta ao Padre dizendo-lhe que contasse comigo. Para mim, o maior inconveniente era sentir-me pouca coisa perante tão grande aventura, mas pensei no espírito de família da Obra; não ia só; ia com outras cinco pessoas e assim ajudávamo-nos umas às outras. Mais a força de Deus e da Santíssima Virgem. Não é nada mau, pois não?

Isso é habitual no Opus Dei?

O normal das pessoas do Opus Dei é encontrar Deus no local onde estão. Neste sentido, a maioria continua a fazer o seu trabalho e não muda de local de residência. No entanto, não podemos esquecer que há muitos povos que ainda não conhecem Cristo e chamam-nos. Porque não transferir-se para lá a trabalhar e difundir, assim, o espírito cristão?

"Levar Deus a todas estas realidades humanas, simples e nobres, é precisamente a mensagem do Opus Dei"

  Em que aspectos é que a mensagem do Opus Dei pode ajudar o povo estónio? Como está a ser recebida esta mensagem?

O povo estónio é um povo trabalhador, com muito sentido artístico e criativo. Desfruta da música, do trabalho bem feito, da natureza. Levar todas estas realidades humanas, simples e nobres a Deus, é precisamente a mensagem do Opus Dei. Para eles, do mesmo modo que para qualquer povo, já que a mensagem da Obra é universal, abre-se um panorama mais amplo e profundo. Tudo o que fazem e que amam podem levá-lo a Deus. Actualmente na Estónia há cooperadores do Opus Dei que são artistas, jornalistas, actores de teatro, camponeses, músicos, enfermeiras, cozinheiros, empresários, etc.

Como se sentiurecebida?

Com surpresa. Quando cheguei, tinham-se aberto, havia pouco tempo, as fronteiras à longa ocupação soviética. Não estavam acostumados a ver estrangeiros e, além disso, que quisessem viver no seu país, aprender o seu idioma, sofrer o seu clima frio. A pergunta mais frequente era “miks?” = “porquê?” e “até quando ficais?”. Quando dizíamos que para sempre, os seus olhos abriam-se como pratos ou enchiam-se de lágrimas. Por outro lado, ao tratar-se de pessoas de outra cultura, provocávamos interesse.

Custou-lhemuitoadaptarse ao novo país?

É muito difícil responder! Sim e não. O frio, o idioma, o seu carácter mais fechado, a obscuridade do Inverno... eram os pontos fracos. O seu amor à natureza, o seu talento artístico, o fino humor intelectual, a seriedade no trabalho, o respeito pelos outros foram-me cativando.

Teve muitas dificuldades com o idioma?

Sim, é muito difícil. Um osso duro de roer. Dizem que é um dos idiomas mais difíceis do mundo. Mas bom, até aqui se verifica que temos que nos meter a fundo em tudo.

  Pensa ficar para sempre?

Sim. Se Deus quiser, sim.

Já se sente estónia?

Sim. Sinto-me 100% estónia e 100% espanhola.

Visto de Espanha parece tratar-se de uma actividade missionária; é assim?

Não sei. Todos os cristãos são missionários... ou deveriam ser; levar a alegria de Deus aos que nos rodeiam, ampliando o raio de acção o mais que se possa. Se pensarmos na palavra de Jesus: “Ide até aos confins da terra”... Pois eu estou um pouco mais perto de um desses confins, o Pólo Norte. Deus deu-me esta prenda.

Então, tem ou pensa ter um trabalho profissional?

Como não havia de ter um trabalho profissional? Há que trazer o pão para casa. Sou filóloga de línguas românicas e trabalho na Universidade de Tallinn como professora de espanhol. Neste campo do espanhol há muito para fazer. As minhas outras companheiras do centro do Opus Dei da Estónia, uma é engenheira, outra médica, outra economista, outra contabilista, outra química e outra bióloga. Todas trabalham.

Em que consiste a tarefa evangelizadora do Opus Dei no país?

É um trabalho de catequese e de apoio aos que se vão baptizando. A Igreja Católica da Estónia é como um bebé recém-nascido. Ao longo destes doze anos vi muitas conversões, a maioria de adultos ou de gente jovem. Necessitam e desejam aprender a viver a fé na sua vida diária. Os estónios são muito profundos e não se contentam em saber quatro coisas do catecismo. No nosso centro temos duas vezes por mês uma aula de teologia. Também há outras actividades culturais variadas e interessantes, mas a aula de teologia e a recolecção são as actividades “estrela”, que têm mais êxito.

Tallin

  Notou diferença na qualidade de vida?

Sim. Ao chegar tive a sensação de ter regressado ao passado, à Espanha dos anos 40. Tudo estava velho e danificado. Mas graças ao tremendo esforço dos estónios as coisas melhoraram muito. Em alguns aspectos o desenvolvimento tecnológico está já ao nível europeu.

Haverá menos meios materiais do que em Espanha. Tudo pesado crê que as pessoas são mais felizes?

Quando não se tem nada desfruta-se de uma réstia de sol, do som das árvores, de coisas pequenas. Isto á um valor que encontrei ao chegar. Agora a economia de mercado é um perigo para as novas gerações estónias. Nalgumas pessoas há actualmente uma fome desequilibrada de ter, de adquirir, de comprar... Embora seja razoável ter um mínimo de bem-estar. Confio no sentido comum dos estónios para chegar a um equilíbrio.

Que valores cristãos se conservam?

Mais do que cristãos, vi valores naturais; pois a maioria não sabe muito de Jesus Cristo. Mas embora não tenham nenhuma religião, porque ninguém lha anunciou, são religiosos, sim. São pagãos mas não ateus. Todos têm um respeito e agradecimento a Deus que os criou e lhes deu essa terra que amam.

São muitos os católicos? Quantos crentes há de outras confissões?

A Igreja Católica é na Estónia uma igreja nascente, mas é respeitada e valorizada positivamente. No total somos 3.500 católicos. A maioria da população não tem religião. E depois, dos que se definem como crentes, cerca de 15% são luteranos e 14% são ortodoxos (a população russa do país). Também há baptistas, metodistas, judeus e muçulmanos.

Pode dizer-se que os católicos da Estónia vivem com mais intensidade a sua fé do que a média dos espanhóis, por exemplo?

Sim, impressiona vê-los rezar. Impressiona o seu respeito e adoração a Deus, à Eucaristia. Talvez devido ao seu sentido artístico dão muito valor à beleza da liturgia, dos símbolos; vivem-nos com sinceridade de coração e não como uma oração aprendida de memória. Meditam as palavras, os gestos. Como lhes custou mais esforço conhecer Deus, valorizam-no mais. É um tesouro encontrado e não uma herança recebida.

De qualquer maneira, verifico que actualmente em Espanha a fé está a purificar-se muito. Agora aquele que acredita é porque quer acreditar e é consequente no meio de um ambiente adverso.

Como vê o futuro do desenvolvimento do catolicismo no país?

Positivo. E ecuménico. Na Estónia a Igreja Católica, embora pequena, tem prestígio entre as confissões luteranas e ortodoxas. Há um diálogo ecuménico fraterno. Isto pode servir de modelo noutros países nórdicos e pode ser um bom contributo para a Igreja Católica Universal.

Quais são as notas comuns do carácter dos estónios?

É difícil generalizar. Mas eu diria que são responsáveis, serenos, reflexivos, simples, com sentido de humor, artistas, independentes.