Fernando: Casei-me, confessei-me e recebi a confirmação depois de 40 anos

Foi porteiro de discotecas, sonhou em ser militar e trabalha como segurança em Portugal e para outros países. Com o divórcio dos pais e mais tarde a morte do pai, cortou a ligação com Deus. Quarenta anos depois, reconciliou-se com Deus… e com a vida: a história de Fernando, supernumerário do Opus Dei.

"Estava desempregado. Foi uma cerimónia com poucos convidados. Na preparação confessei-me: foi uma lavagem profunda, mais de 40 anos depois que me deu uma enorme paz".

Ver também:
- O que é o matrimônio?   O que é a confirmação?  O que é a confissão?
- Ver mais testemunhos de conversão


Sou Fernando, vivo no Pinhal Novo, casado e pai do Tomás, que tem hoje 21 anos. Sou o irmão do meio de três irmãos. Tive uma educação católica desde que nasci, fui batizado ainda criança. As tribulações da vida começaram cedo: os meus pais divorciaram-se quando eu tinha 6 anos e o meu pai faleceu jovem aos meus 15 anos. O impacto em mim destes primeiros anos de vida foi forte e negativo. Perdi a prática e a noção católica de viver, e segui por maus caminhos.

os meus pais divorciaram-se quando eu tinha 6 anos e o meu pai faleceu jovem aos meus 15 anos

Estudei sempre na margem Sul e no final do 12.º ano fui para a tropa na Serra da Carregueira (em Sintra), tendo estado também em Beirolas na zona de Moscavide. O meu sonho era ser militar e até pensei fazer o curso de Eletrotécnica na Academia Naval. Mas eram apenas sonhos de adolescente...

Fui para a tropa na Serra da Carregueira (em Sintra) em 1987

Ao mesmo tempo, procurava não abandonar a paixão que tenho pelo desporto. Gosto muito de futebol, mas, mais ainda de rugby, cheguei a ser convidado para treinar no Benfica, mas como sou do Sporting … não fui. Sentia-me muito desorientado, faltavam-me os bons exemplos e acabei por fazer um curso de técnico de informática em Setúbal. Tudo isto aconteceu muito longe de Deus: com más companhias. Nesse tempo, “a má companhia era eu”.

Foram muitas noitadas, discotecas, miúdas, muito álcool e nunca encarei a vida de frente, com maturidade. Vivemos em uma fase em que pensamos que somos eternos

Graças a Deus nunca fui castigado pelos disparates que fiz e sempre consegui recuperar. Foram muitas noitadas, discotecas, muito álcool e nunca encarei a vida de frente, com maturidade. Vivemos em uma fase em que pensamos que somos eternos. E a hipótese de Deus nem se coloca.

Conheci e fui viver com a minha mulher: ela "meteu-me nos eixos"

Trabalhei 12 anos em Setúbal numa pequena empresa e mais tarde em Almada, em uma empresa de estudos de mercado do setor farmacêutico, onde conheci a minha futura mulher. Sempre nos demos muito bem: ela começou a meter-me nos eixos e apaixonamo-nos.

Mudei novamente de emprego e fui trabalhar em uma empresa alemã de segurança informática em Lisboa. O tema da segurança sempre esteve muito presente na minha vida. Já muito cedo no Pinhal Novo tínhamos um clube de amigos, e eu era sempre o segurança das festas: quando havia disparates, expulsava as pessoas, muitas vezes, alcoolizadas. Era contratado para trabalhar na segurança das festas de estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e um dia até me convidaram para a segurança no concerto dos Rolling Stones no Estádio de Alvalade

Gosto muito de futebol. Estive em Manchester em uma formação técnica na Universidade de Northtrafford

Decidi morar com a minha mulher. Já gastávamos tanto dinheiro para sustentar duas casas, que parecia a escolha mais natural. Entretanto, tivemos o primeiro filho. Quando fui pai a mudança foi mais intensa, pois comecei a perder o “eu” e a ganhar o “ele”. O centro da vida passou a ser o meu filho, o seu sustento e a sua boa educação. Para o seu bem, obviamente, também para nós, resolvemos casar. Circunstâncias adversas não permitiram um casamento católico, apenas civil.

o centro da vida passou a ser o meu filho. Para seu bem, obviamente, também para o do casal, resolvemos casar. Circunstâncias adversas não permitiram um casamento católico,
apenas civil.

A minha vida nunca foi fácil, pelo o que já disse e por muitas outras circunstâncias adversas. Cair e levantar foi um carrossel que trouxe tonturas e sofrimentos. O carrossel começou a girar cada vez mais rápido, e aconteceu o acidente que acontece por vezes no carrossel quando a velocidade é excessiva. Salta no ar o assento onde estamos e caímos no chão. Caí. Caí fundo. Tudo estava muito negro, como se está no fundo de um poço. Pedi por ajuda, mas ninguém nos ouviu, pois estávamos em um lugar remoto e deserto.

Próxima parada: Cahora Bassa em Moçambique

A minha vida foi isso durante um período terrível. O meu instinto de sobrevivência encontrou um caminho. Estreito e mal definido, mas que indicava que teria de ter empenho para em cada novo dia tentar ser uma pessoa melhor que a do dia anterior. Matriculei-me em vários cursos superiores, mas nunca era capaz de os terminar.

Em 2006 aceitei um projeto desafiante: trabalhar na segurança da Barragem de Cahora Bassa em Moçambique, na altura, a terceira barragem hidroelétrica maior do mundo. Estávamos no momento em que Portugal iria entregar a gestão deste ativo aos moçambicanos e a minha equipe tinha que assegurar a segurança da fase final dos trabalhos.

 Barragem de Cahora Bassa (Moçambique), a terceira barragem hidroelétrica maior do mundo.

Tinha de levar uma pequena equipe de Portugal e umas 20 pessoas no local. Aprendemos muito na África, levamos um banho de humildade. Tivemos que aprender a trabalhar em outras condições e a ser muito eficazes do ponto de vista logístico. No local onde está a barragem, estamos no meio do nada e não podemos comprar nada. 

Aprendemos muito na África, levamos um banho de humildade. Temos que aprender a trabalhar em outras condições e a ser muito eficazes

Foram 3 anos difíceis: muitas viagens com muito stress e que me trouxeram problemas de saúde graves. Tive dois princípios de AVC e foi-me aconselhado repouso.

Tropecei com o filme "Encontrarás Dragões"

Sou um amante de cinema. E no meio do meu desespero e repouso, via filmes compulsivamente. Gosto de ver séries/filmes históricos onde possa aprender algo. Um dia, no videoclube da televisão, apareceu um filme sobre a Guerra Civil Espanhola. No meio do nada e sem que o procurasse de propósito, tropecei no filme “Encontrarás Dragões”. O que percebi de início, é que seria um filme de caráter histórico, uma ficção é certo, mas interessante, que se desenrolava na Espanha no período de guerra civil, que antecipou um conflito maior, o da Segunda Grande Guerra Mundial. O enredo base é o de alguém, cuja vida se cruzou com a de um padre, hoje considerado santo, São Josemaria Escrivá, que teria sido o fundador do Opus Dei.

No término, tirei algumas considerações que fizeram mudar a minha vida: afinal, o Opus Dei não tinha séculos, era recente, 1928. Não apareceu de um lugar longe, mas aqui ao lado, na Espanha. Fiquei curioso, procurei informação no Google. Encontrei o site oficial com a possibilidade de enviar mensagens. Assim o fiz, no sentido de querer conhecer melhor e eventualmente poder ter ligação ao Opus Dei, o que seria, à primeira vista, impossível para alguém como eu. Isso seria apenas para uma elite social da qual eu não faço parte.

Vi o filme. Fiquei curioso. Procurei "Opus Dei" no Google. Queria conhecer melhor e poder ter ligação ao Opus Dei, o que seria impossível para alguém como eu. Isso seria apenas para uma elite social....

Para a minha surpresa, alguns dias depois, recebi o retorno de uma pessoa do Opus Dei que vivia em Palmela. Esse primeiro encontro foi importante: fiz muitas perguntas, explicaram-me a santificação pelo trabalho e que o Opus Dei também tinha atividades para mim. Na altura pensei: “Tenho que me agarrar a isso para sair do buraco”.

Comecei a frequentar aos recolhimentos de Setúbal na Igreja da Anunciada. Reconheci pessoas que jamais imaginei que pudessem participar dessas atividades. Apreciava as meditações: poder falar com Deus cara a cara com a ajuda de um sacerdote. Comecei de maneira natural a ter direção espiritual, que foi o que efetivamente mudou tudo na minha vida.

Vivia em pecado e confessei-me 40 anos depois...

Em uma quarta-feira de 2016, percebi que vivia em pecado e nesse final de semana já fui falar com o meu pároco no Pinhal Novo para tratar do casamento católico. Estava desempregado e com poucos recursos. Não foi uma cerimônia com uma centena de convidados, foi com pouco mais de uma dúzia. Na preparação para o matrimônio confessei-me: foi uma lavagem profunda, mais de 40 anos depois da minha última confissão e que me deu uma enorme paz.

Depois do matrimônio, pensei que o próximo passo seria preparar-me para a confirmação, sacramento que recebi com outras pessoas mais jovens da paróquia em 2017.

A partir deste momento, dei-me conta que aquilo que aprendia na formação do Opus Dei e na preparação para os sacramentos não podia guardar só para mim. Ofereci-me para ajudar na paróquia como catequista do 1.º e 2.º ano e coloquei o maior empenho neste encargo.

A minha mulher dava-se conta que eu estava mudando… para melhor, dizia ela. Também o meu filho Tomás e a minha irmã reparavam na mudança. Procurei sempre dar testemunho alegre de quem vive a fé de modo coerente.

Recordo que perguntei ao sacerdote o que era um plano de mortificação. sugeriu-me essas: acordar na hora exata, deitar-me na hora exata e uma pequena privação em cada refeição.

Recordo-me que fiz o meu primeiro retiro em Sintra pouco depois. Parecia-me que Deus me pedia que fosse mais generoso. Recordo uma conversa de direção espiritual em que perguntei ao sacerdote o que era um plano de mortificação, palavra difícil para mim. Recordo que ele me explicou com paciência o sentido do sacrifício e que tinha algumas pequenas mortificações que eu podia oferecer diariamente: acordar na hora exata, deitar-me na hora exata e uma pequena privação em cada uma das refeições.

A formação não acaba nunca e eu sempre procurei complementar o que ouvia com o Catecismo da Igreja Católica e outros livros de espiritualidade. Comecei a perceber o valor da Missa e que Deus espera por mim todos os dias na Eucaristia. Recordo também o dia em que me deram o Escapulário do Carmo e que me ensinaram as devoções a Nossa Senhora.

Às vezes perguntam-me se tive medo de me aproximar de Deus. E respondo: “Não,... eu tenho é medo de perdê-Lo”.

Recentemente, descobri na oração e com a ajuda do meu diretor espiritual, a minha vocação ao Opus Dei como supernumerário. Não é preciso estatuto nenhum diferente do que querer amar a Deus e aos outros, como os primeiros cristãos, ter um plano de vida católico como preceitos normais e previstos para qualquer católico, apenas estruturados e guiados no sentido de efetivamente poder ser amanhã uma pessoa melhor que a de hoje, aos olhos de Deus.

Em poucas palavras, São Josemaria deu-se-me a conhecer e salvou-me a vida. Agora não consigo que passe um dia sem ler ou ouvir algo da sua boca

Em poucas palavras, e literalmente, São Josemaria deu-me a conhecer e salvou-me a vida. Agora não consigo passar um dia sem ler ou ouvir algo da sua boca, das suas palavras, como fonte inesgotável de inspiração para continuar no carrossel da vida, continuando a cair e a levantar-me.

A grande diferença é que agora se estiver de novo no fundo do poço, olho para cima e vejo muitas mãos amigas a puxar-me. São todos uns burrinhos. Estão lá para levar as almas para Deus. Não encontrei dragões, encontrei dóceis burrinhos, sempre prontos para mais uma carga em cima.

Às vezes perguntam-me se tive medo de me aproximar de Deus. E respondo: “Não,... eu tenho é medo de perdê-Lo”.