Debaixo da figueira

Neste momento, sentimos pena pela solidão de muitas pessoas doentes nos hospitais ou em seus lares. Mas, em Cristo, podemos chegar até o último canto do planeta, até o mais fundo de um coração abandonado.

Foto: Engin Akyurt, disponível em Unsplash

Natanael descobriu o Messias porque sentiu sua silenciosa e íntima “companhia” debaixo da figueira. Não sabemos o que estava fazendo lá, nem o Espírito Santo considerou necessário que o conheçamos. Neste momento, sentimos pena pela solidão de muitas pessoas doentes nos hospitais ou em seus lares. Há também muitas que estão bem, mas sozinhas. O fato de não podermos fazer-lhes companhia pode se tornar insuportável para nós.

No entanto, em Cristo, chegamos até o último canto do planeta, até a última cama de um hospital improvisado, até o mais fundo de um coração abandonado. Com Ele somos capazes de dar calor, luz e carinho a qualquer alma que esteja isolada.

Um sofrimento muito íntimo

Um confinamento como o que vivemos em grande parte do mundo apresenta muitas situações que podemos oferecer a Jesus porque nos custam: não poder comungar, nem nos confessar, nem sair... Esses “sacrifícios” não são indiferentes para Jesus. “Mestre, não te importa que pereçamos? (Mc 4, 38). Não te importa: pensaram que Jesus estava desinteressado deles, que não lhes estava dando nenhuma atenção. Entre nós, em nossas famílias, o que mais dói é ouvir alguém dizer: ‘Será que eu não te importo?’ É uma frase que magoa e provoca tormentas no coração. Terá também abalado a Jesus, pois não há ninguém que se importe mais conosco do que Ele. De fato, uma vez chamado, salva seus discípulos desconfiados”[1].

Certamente também nos faz sofrer de forma especial não poder acompanhar nossos seres queridos, que precisam de companhia e calor de lar: uma avó, um irmão, uma filha, um doente, um mendigo, um fiel que precisa confessar ou receber a Unção dos Enfermos, o Viático. Em nosso coração há sentimentos em conflito: a consciência de que o nosso dever é ficar em casa; o desejo de cuidar deles, de abraçá-los, de fazer que se sintam queridos; não saber como estarão se sentindo, especialmente se estão sozinhos.

Certamente também nos faz sofrer de forma especial não poder acompanhar nossos seres queridos

Há um caso especialmente doloroso: o dos que sofrem de COVID-19. A necessidade de ficarem isolados faz que durante a doença sejam acompanhados unicamente pelas equipes sanitárias. Estes profissionais, devido à grande necessidade dos seus serviços e ao tipo da doença, não podem atender os pacientes com todo o sossego e carinho que desejariam. Em casos mais graves, só é possível uma breve visita final de despedida dos familiares mais íntimos. Uma mulher que sempre esteve junto do marido não poderá estar ao seu lado nos dias decisivos antes de sua morte. Os sacerdotes só podem atender os fiéis no último momento e é difícil que acompanhem com dedicação o seu rebanho (também os que não estão doentes) nesta hora difícil. Talvez uma neta não possa despedir-se da avó, ou uma mãe veja que a vida de um filho vai embora, sem poder acariciá-lo.

Nessa situação ou outras parecidas, gostaríamos de estar ao lado dos nossos amigos, familiares ou conhecidos. Por outro lado, temos que compaginar essa angústia com o excesso de tempo de que dispomos com o nosso próprio confinamento. Esta circunstância leva a imaginação a voltar repetidas vezes à dor que a situação nos causa. Não seria surpreendente que surgissem dúvidas sobre as nossas atitudes: estamos fazendo tudo que é possível? Podemos chegar inclusive a inquietar-nos, com o pensamento de que nos deixamos levar pela comodidade ou o medo. Por todas estas razões, a decisão de ficar em casa pode ser tão difícil quanto a de arriscar-nos a fazer-lhes companhia nestas circunstâncias excepcionais. A consciência de cada um, auxiliada pela graça, é que ajudará a decidir se o risco de contágio é proporcional à urgência dessa companhia. Muitas vezes a decisão já está tomada, porque as autoridades sanitárias ou civis não permitem tal opção. Há, no entanto, algo que está ao alcance de todos nesta situação e que pode ter um grande valor, além de encher-nos de paz.

Fazer companhia de longe

Jesus estava, de alguma forma, debaixo da figueira, embora fisicamente Natanael tenha comprovado que não havia ninguém observando-o. O momento presente constitui uma ocasião magnífica para fazer-nos companhia com a Comunhão dos Santos. Natanael convenceu-se de que Jesus era o Messias porque, a posteriori, ficou sabendo que ele o acompanhara nesse momento de sua vida: “Antes que Filipe te chamasse, quando estavas debaixo da figueira, eu te vi” (Jo 1, 48). Muita gente precisa que Jesus se torne presente debaixo da sua figueira. Nós, com a graça, podemos ajudar Cristo a chegar a esses lugares recônditos, “pois nele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17, 28). Se vivemos a vida de Jesus, o confinamento não nos isolará. Embora não possamos estar presentes fisicamente, as pessoas que amamos sentirão a presença do Salvador junto delas.

Embora não possamos estar presentes fisicamente, as pessoas que amamos sentirão a presença do Salvador junto delas

São Josemaria tinha consciência bem viva de que a distância e a separação não eram obstáculos para estar junto de seus filhos em situações especiais. Escreveu a suas filhas do México: “Vocês já sabem que, de longe, as acompanho sempre”[2]. Aos seus filhos da Austrália, no outro lado do mundo, confiava: “Quanta companhia faço a vocês daqui”[3]. Como nós, nesta situação que estamos vivendo, ele também expressa com matizes muito expressivos o estado de sua alma: “Paco, não vê que o pobre avô – assim se referia a si mesmo em suas cartas durante a guerra civil, para evitar os perigos da censura de guerra – preocupado com seus pequenos, está em carne viva?”[4]. O isolamento dos seres queridos pode ser muito mais difícil para nós do que o nosso próprio isolamento. Oferecer a Deus o nosso sofrimento por eles já é o começo de uma solução.

Não há por acaso anjos da guarda?

Nesta missão os aliados mais eficazes são os Anjos da guarda. São cúmplices muito interessados no assalto que queremos fazer a essas pessoas queridas. Não sofremos pelo nosso isolamento, mas pelo isolamento delas. Quando Jesus ouve a confissão de Natanael, responde abrindo-lhe horizontes: “Porque eu te disse que te vi debaixo da figueira, crês! Verás coisas maiores do que esta” (Jo 1, 50). E enchendo de solenidade os sinais que vai anunciar, confia-lhes: “Em verdade, em verdade vos digo: vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (Jo 1, 51).

Nossa fé garante que a nenhum doente ou pessoa que esteja sofrendo nestes momentos há de faltar essa carícia maternal

Jesus afirma que a sua presença debaixo da figueira é um sinal pequeno comparado com a ação dos anjos em sua vida e na dos seus futuros discípulos. As duas presenças são invisíveis, mas nem por isso menos reais. É a nossa fé que está em jogo nesses momentos de escuridão. A mediação divina tem muitos canais e instrumentos. Nós somos um deles, mas Deus pode atuar por meios mais sutis e eficazes, como por exemplo, os seus anjos.

Certa vez, São Josemaria ficou sabendo de uma situação complicada que dois de seus filhos estavam passando. Tinham que hospedar-se em uma pensão com um ambiente nada recomendável. Um deles usava um eufemismo, falando de uma “vizinhança perigosa”. O diário daqueles dias esclarece na natureza do perigo: “Nesta casa, como é natural, há um rebanho de ‘raposas levantinas’”[5]. São Josemaria, meses depois, redigiria em Burgos um ponto de Caminho que faz referência a essa situação: “Há nesse ambiente muitas ocasiões de te desviares? – De acordo. Mas por acaso não há também Anjos da Guarda?”[6]. Podemos muito bem recorrer a essas unidades especiais do exército divino para acompanhar os nossos seres queridos e proporcionar-lhes o calor da companhia e o auxílio espiritual de que necessitam.

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A Rainha dos Anjos, a quem não podem negar nada, é também a Porta do Céu. Jesus não quis privar-se da sua Mãe no Calvário. Nossa fé garante que a nenhum doente ou pessoa que esteja sofrendo nestes momentos há de faltar essa carícia maternal. Nunca necessitamos tanto dela como na solidão do último passo rumo à vida eterna, rumo ao Coração do seu Filho.

Diego Zalbidea


[1] Francisco, Homilia 27/03/2020.

[2] Carta de Roma a suas filhas do México, 20/06/1950 (AGP, série A.3.4, 500620-7).

[3] Carta de Roma a seus filhos da Austrália, 8/04/1964 AGP, série A.3.4, 640408-1).

[4] Carta a seus filhos de Valência, 25/07/1937 (AGP, série A.3.4, 370725-3).

[5] Diário da passagem dos Pirineus, dias 6 e 7 de outubro de 1937 (Juan Jiménez Vargas), p. 2.

[6] Caminho, n. 566.