Palavras de Bento XVI no Encontro Mundial das Famílias

Disponibilizamos todos os textos pronunciados por Bento XVI na sua recente visita a Espanha.

Cerimónia de boas vindas no Aeroporto de Manises (Valência) – Discurso (8 de Julho de 2006)

Majestades, Senhor Presidente do Governo e distintas Autoridades, Senhores Cardeais e Irmãos no episcopado,

Queridos irmãos e irmãs:

1. Com grande emoção chego hoje a Valência, à nobre e sempre querida Espanha, que tão gratas recordações me deixou nas precedentes visitas para participar em Congressos e reuniões.

2. Saúdo cordialmente a todos, aos aqui presentes e a quantos seguem este acto pelos meios de comunicação.

Agradeço a Sua Majestade o Rei D. Juan Carlos a sua presença, juntamente com a Rainha e, especialmente, as palavras de boas vindas que me dirigiu em nome do povo espanhol.

Expresso também o meu deferente reconhecimento ao Senhor Presidente do Governo e às restantes Autoridades nacionais, autónomas e municipais, manifestando-lhes a minha gratidão pela colaboração prestada para a melhor realização deste V Encontro Mundial.

Saúdo com afecto Monsenhor Agustin Garcia-Gasco, Arcebispo de Valência e aos seus Bispos Auxiliares, bem como a toda a Arquidiocese levantina que me proporciona um caloroso acolhimento por ocasião deste Encontro Mundial e que estes dias acompanha na dor as famílias que choram pelos seus entes queridos, vítimas de um trágico episódio e que se sente próxima também dos feridos.

As minhas afectuosas saudações dirigem-se também ao Presidente do Conselho Pontifício para a Família, Cardeal Alfonso Lopez Trujillo, bem como aos restantes Cardeais, ao Presidente e membros da Conferência Episcopal Espanhola, aos sacerdotes, às pessoas consagradas e a todos os fiéis leigos.

3. O motivo desta esperada visita é participar no V Encontro Mundial das Famílias, cujo tema é “A Transmissão da Fé na Família”. É meu desejo apresentar o papel central, que tem a família fundada no matrimónio, para a Igreja e a sociedade. Esta é uma instituição insubstituível segundo os planos de Deus cujo valor fundamental a Igreja não pode deixar de anunciar e promover para que seja vivido sempre com sentido de responsabilidade e alegria.

4. O meu venerado predecessor e grande amigo de Espanha, o querido João Paulo II, convocou este Encontro. Movido pela mesma solicitude pastoral, amanhã terei a dita de o encerrar com a celebração da Santa Missa na Cidade das Artes e das Ciências.

Muito unido a todos os participantes, implorarei do Senhor, por intercessão da nossa Mãe Santíssima e do Apóstolo São Tiago, abundantes graças para as famílias de Espanha e de todo o mundo.

Que o Senhor abençoe copiosamente todos vós e as vossas queridas famílias!

Oração do Papa na Basílica da Virgem dos Desamparados (8 de Julho de 2006)

Diante da Virgem dos Desamparados pedimos-Lhe que seja consolo para todas as famílias que sofreram as consequências do acidente que submergiu na dor e luto os seus filhos nesta cidade.

Com o coração posto na misericórdia divina, rezemos juntos um Pai-Nosso em sufrágio daqueles que agora estão na presença de Deus.

Mensagem aos Bispos espanhóis durante a visita à Catedral e Basílica da Virgem dos Desamparados de Valência 8 de Julho de 2006

Queridos Irmãos no Episcopado

Com gozo no coração, dou graças ao Senhor por ter podido vir a Espanha como Papa, para participar no Encontro Mundial das Famílias em Valência. Saúdo-vos com afecto, Irmãos Bispos deste querido País e agradeço-vos a vossa presença e os muitos esforços que fizestes na sua preparação e celebração. Aprecio particularmente o trabalho levado a cabo pelo Senhor Arcebispo de Valência e os seus Bispos Auxiliares para que este acontecimento, tão significativo para toda a Igreja, obtenha os frutos desejados, contribuindo para dar um novo impulso à família como santuário do amor, da vida e da fé.

Na realidade, a solicitude de todos vós tornou possível que se tenha criado já um ambiente de família entre os próprios colaboradores e participantes das diversas partes de Espanha. É um aspecto prometedor, face aos desejos que manifestastes na vossa mensagem colectiva sobre este encontro Mundial e também um convite para receber os seus frutos, para prosseguir uma incessante e incisiva pastoral familiar nas vossas dioceses, que faça entrar em cada lar a mensagem evangélica que fortalece e dá novas dimensões ao amor, ajudando, assim, a superar as dificuldades que encontra no seu caminho.

Sabeis que sigo de perto e com muito interesse os acontecimentos da Igreja no vosso país, de profundas raízes cristãs e que tanto contribuiu e está chamada a contribuir para o testemunho da fé e para a sua difusão em muitas partes do mundo. Mantende vivo e vigoroso este espírito, que acompanhou a vida dos espanhóis na sua história, para que continue a alimentar e a dar vitalidade à alma do vosso povo.

Conheço e alento o impulso que estais a dar à acção pastoral, num tempo de rápida secularização, que às vezes afecta inclusivamente a vida interna das comunidades cristãs. Prossegui pois a proclamar sem desânimo que prescindir de Deus, actuar como se não existisse, ou relegar a fé para o âmbito meramente privado, esconde a verdade do homem e hipoteca o futuro da cultura e da sociedade. Pelo contrário, dirigir o olhar para Deus vivo, garante da nossa liberdade e da verdade, é uma premissa para chegar a uma humanidade nova. O mundo necessita hoje de modo particular que se anuncie e se dê testemunho de Deus que é amor e, portanto, a única luz que, no fundo, ilumina a obscuridade do mundo e nos dá a força para viver e actuar (cf. Deus caritas est 39).

Em momentos ou situações difíceis, recordai aquelas palavras da Carta aos Hebreus, «corramos com paciência na carreira que nos é proposta, com os olhos fixos em Jesus, autor e consumador da nossa fé, que em vez da alegria que lhe foi oferecida, suportou a Cruz, não fazendo caso da ignomínia (…), e não vos deixareis cair no desânimo» (12, 1-3)

Movidos pela vossa solicitude pastoral e o espírito de plena comunhão no anúncio do Evangelho, orientastes a consciência cristã dos vossos fiéis sobre diversos aspectos da realidade diante da qual se encontram e que em certas ocasiões perturbam a vida eclesial e a fé dos simples. Assim colocastes a Eucaristia como tema central do vosso Plano pastoral, com o fim de «revitalizar a vida cristã a partir do seu próprio coração, pois aprofundando-se no Mistério Eucarístico entramos no coração de Deus. (n. 5). Certamente, na Eucaristia realiza-se «o acto central de transformação capaz de renovar verdadeiramente o mundo» (Homilia em Marienfield, Colónia, 21 de Agosto de 2005).

Irmãos no Episcopado, exorto-vos encarecidamente a manter e acrescentar a vossa comunhão fraterna, testemunho e exemplo da comunhão eclesial que há-de reinar em todo o povo fiel que vos foi confiado. Rogo por vós, rogo por Espanha. Peço-vos que rezeis por mim e por toda a Igreja. Invoco a Santíssima Virgem Maria, tão venerada nas vossas terras, para que vos ampare e acompanhe no vosso ministério pastoral, ao memo tempo que vos concedo com grande afecto a Bênção Apostólica.

Recitação do Angelus Domini na Praça da Virgem

Queridos irmãos e irmãs:

Ao chegar a Valência, quis antes de mais visitar o lugar que representa o centro desta antiquíssima e florescente Igreja particular que me recebe, a sua bela Catedral, onde rezei perante o Santíssimo Sacramento e me detive perante a célebre relíquia do Santo Cálice. Ali saudei os Bispos, os sacerdotes, religiosos e religiosas, que de acordo com o seu próprio ministério e carisma se esforçam por manter viva a luz da fé.

Depois, diante da Virgem dos Desamparados, que os valencianos veneram com grande fervor e profunda devoção, implorei que mantenha firme a sua fé e encha de esperança todos os seus filhos. Ali, acompanhando as famílias das vítimas do Metro, rezei também com elas um Pai-Nosso pelo eterno descanso dos seus entes queridos.

Agora desejo saudar-vos com afecto, queridos seminaristas, acompanhados pelos vossos familiares, que vivem com gozo a dita da vossa vocação. O amor, a entrega e a fidelidade dos pais, assim como a concórdia na família, é o ambiente propício para que se escute a chamada divina e se acolha o dom da vocação. Vivei intensamente os anos de preparação no seminário, com a ajuda e o discernimento dos formadores. E com a docilidade e confiança total dos Apóstolos, que seguiram Jesus prontamente. Aprendei da Virgem Maria como se acolhe sem reservas esta chamada, com alegria e generosidade. É isto que recordamos e pedimos na bela oração do Angelus que a seguir rezaremos todos juntos., rogando também «ao Senhor da messe que envie trabalhadores para a sua messe» (Mt 9,38)

E agora, com mor filial e em valenciano, me dirijo à Virgem vossa Padroeira. «Davant de la Cheperudeta vullc dirli: “Ampareumos nit i dia en totes les necessitats, puix que sou, Verge Maria, Mare dels Desamparats» (Diante da Jorobadita quero dizer-Lhe: Ampara-nos de noite e de dia em todas as necessidades, já que sois, Virgem Maria, Mãe dos Desamparados”).

 

Encontro festivo e testemunhal de encerramento do V Encontro Mundial das Famílias na Cidade das Artes e das Ciências de Valência – Discurso (8 de Julho de 2006)

Amados irmãos e irmãs:

Sinto uma grande alegria em participar neste encontro de oração, no qual se quer celebrar com grande alegria o dom divino da família. Acompanho, muito unido, a oração de todos os que viveram recentemente o luto nesta cidade e com a esperança em Cristo ressuscitado, que dá alento e luz nos momentos de maior desgraça humana.

Unidos pela mesma fé em Cristo, congregámo-nos aqui, vindos de tantas partes do mundo, como uma comunidade que agradece e dá testemunho, com júbilo, de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, para amar e que só se realiza plenamente quando faz a entrega de si mesmo aos outros. A família é o âmbito privilegiado onde cada pessoa aprende a dar e a receber amor. Por isso a Igreja manifesta constantemente a sua solicitude pastoral por esse espaço fundamental para a pessoa humana. Assim o ensina no seu Magistério. Deus, que é amor e criou o homem por amor, chamou-o a amar. Criando o homem e a mulher, chamou-os no Matrimónio a uma íntima comunhão de vida e de amor entre si, «de maneira que já não são dois, mas uma só carne» (Mt 19, 6)” (Catecismo da Igreja Católica, 337).

Esta é a verdade que a Igreja proclama ao mundo, sem cessar. O meu querido predecessor João Paulo II, dizia que “ O homem converteu-se em imagem e semelhança de Deus, não só através da própria humanidade, mas também através da comunhão de pessoas que o varão e a mulher formam desde o princípio. Convertem-se em imagem de Deus, não tanto no momento da solidão, mas no momento da comunhão” (Audiência, 14-XI-1979). Por isso confirmei a convocatória deste V Encontro Mundial das Famílias em Espanha e concretamente em Valência, rica nas suas tradições e orgulhosa da fé cristã que se vive e cultiva em tantas famílias.

A família é uma instituição intermédia entre o indivíduo e a sociedade e nada a pode substituir totalmente. Ela própria apoia-se, sobretudo, numa profunda relação interpessoal entre o esposo e a esposa, apoiada pelo afecto e compreensão mútuos. Para isso recebe abundante ajuda de Deus no sacramento do Matrimónio, que supõe uma verdadeira vocação à santidade. Oxalá que os filhos contemplem mais os momentos de harmonia e afecto dos pais, do que os de discórdia ou distanciamento, pois o amor entre o pai e a mãe oferece aos filhos uma grande segurança e mostra-lhes a beleza do amor fiel e duradouro.

A família é um bem necessário para os povos, um fundamento indispensável para a sociedade e um grande tesouro para os esposos durante toda a sua vida. É um bem insubstituível para os filhos, que hão-de ser fruto do amor, da doação total e generosa dos pais. Proclamar a verdade integral da família, fundada no matrimónio como Igreja doméstica e santuário da vida, é uma grande responsabilidade de todos.

O pai e a mãe disseram um “sim” total diante de Deus, o que constitui a base do sacramento que os une; da mesma forma, para que a relação interna da família seja completa, é necessário que digam também um “sim” de aceitação aos seus filhos, que geraram ou adoptaram e que têm a sua própria personalidade e carácter. Assim, estes irão crescendo num clima de aceitação e de amor e é de desejar que ao alcançarem uma maturidade suficiente queiram dar, por sua vez, um “sim” aos que lhe deram a vida.

Os desafios da sociedade actual, marcada pela dispersão que se gera, sobretudo nas zonas urbanas, tornam necessário garantir que as famílias não estejam sós. Um pequeno núcleo familiar pode encontrar obstáculos difíceis de superar se se encontra isolado do resto dos seus parentes e amigos. Por isso, a comunidade eclesial tem a responsabilidade de oferecer acompanhamento, estímulo e alimento espiritual que fortaleça a coesão familiar, sobretudo nas provas ou momentos críticos. Neste sentido, é muito importante o trabalho das paróquias, bem como das diversas associações eclesiais, chamadas a colaborar como redes de apoio e mão próxima da Igreja, para o crescimento da família na fé.

Cristo revelou qual é, sempre, a fonte suprema da vida para todos e, portanto, também para a família, “Este é o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei. Ninguém tem mais amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos” (Jn 15, 12-13) O próprio amor de Deus foi derramado sobre nós no Baptismo. Daí que as famílias estejam chamadas a viver esse tipo de amor, pois o Senhor é quem se torna garante de que isso seja possível para nós, através do amor humano, sensível, afectuoso e misericordioso como é o de Cristo.

Juntamente com a transmissão da fé e do amor do Senhor, uma das tarefas maiores da família é a de formar pessoas livres e responsáveis. Por isso, os pais hão-de ir devolvendo aos seus filhos a liberdade da qual, durante algum tempo, são tutores. Se estes vêem que seus pais – e em geral os adultos que os rodeiam – vivem a vida com alegria e entusiasmo, inclusivamente apesar das dificuldades, crescerá neles, mais facilmente, esse gozo profundo de viver que os ajudará a superar, com acerto, os possíveis obstáculos e contrariedades que comporta a vida humana. Além disso, quando a família não se fecha em si mesma, os filhos vão aprendendo que todas as pessoas são dignas de ser amadas e que há uma fraternidade fundamental universal entre todos os seres humanos.

Este V Encontro Mundial convida-nos a reflectir sobre um tema de particular importância e que implica uma grande responsabilidade para nós, “A transmissão da fé na família”. Expressa-o o Catecismo da Igreja Católica: “Como uma mãe que ensina os seus filhos a falar e com isso a compreender e a comunicar, a Igreja, nossa Mãe, ensina--nos a linguagem da fé para nos introduzir na inteligência a vida de fé” (n. 171).

Como se simboliza na liturgia do Baptismo, com a entrega do círio acesso, os pais são associados ao mistério da nova vida como filhos de Deus, que se recebe com as águas baptismais.

Transmitir a fé aos filhos, com a ajuda de outras pessoas e instituições como a paróquia, a escola ou associações católicas, é uma responsabilidade que os pais não podem esquecer, descuidar ou delegar totalmente. “A família cristã é chamada Igreja doméstica, porque manifesta e realiza a natureza comunitária e familiar da Igreja enquanto família de Deus. Cada membro, de acordo com o seu próprio papel, exerce o sacerdócio baptismal, contribuindo para fazer da família uma comunidade de graça e de oração, escola de virtudes humanas e cristãs e lugar do primeiro anúncio da fé aos filhos” (Catecismo da Igreja Católica. Compêndio, 350). E além disso, “Os pais, participantes da paternidade divina, são os primeiros responsáveis da educação dos seus filhos e os primeiros anunciadores da fé. Têm o dever de amar e respeitar os seus filhos como pessoas e como filhos de Deus… Em especial, têm a missão de os educar na fé cristã”. (ibíd., 460).

A linguagem da fé aprende-se nos lares onde esta fé cresce e se fortalece através da oração e da prática cristã. Na leitura do Deuteronómio escutámos a oração repetida constantemente pelo povo eleito, a Shema Israel e que Jesus escutaria e repetiria no seu lar de Nazaré. Ele próprio a recordaria durante a sua vida pública, como nos refere o evangelho de Marcos (Mc 12,29). Esta é a fé da Igreja que vem do amor de Deus, por meio das vossas famílias. Viver a integridade desta fé, na sua maravilhosa novidade, é uma grande prenda. Mas nos momentos em que parece que se oculta o rosto de Deus, acreditar é difícil e custa um grande esforço.

Este Encontro dá novo alento para continuar a anunciar o Evangelho da família, reafirmar a sua vigência e identidade, baseada no matrimónio aberto ao dom generoso da vida e onde se acompanham os filhos no seu crescimento corporal e espiritual. Deste modo se contrapõe um hedonismo muito difundido, que banaliza as relações humanas e as esvazia do seu genuíno valor e beleza. Promover os valores do matrimónio não impede saborear plenamente a felicidade que o homem e a mulher encontram no seu amor mútuo. A fé e a ética cristã, não pretendem afogar o amor, mas fazê-lo mais são, forte e realmente livre. Para isso, o amor humano necessita de ser purificado e de amadurecer para ser plenamente humano e princípio de uma alegria verdadeira e duradoura (cf. Discurso em São João de Latrão, 5 de Junho de 2006).

Convido, pois os governantes e legisladores a reflectir sobre o bem evidente que os lares em paz e harmonia asseguram ao homem, à família, centro nevrálgico da sociedade, como recorda a Santa Sé na Carta dos Direitos da Família. O objecto das leis é o bem integral do homem, a resposta às suas necessidades e aspirações. Isto é, uma ajuda notável à sociedade, da qual não se pode privar, e para todos os povos é uma salvaguarda e uma purificação. Além disso, a família é uma escola de humanização do homem para que cresça até se fazer verdadeiramente homem. Neste sentido, a experiência de ser amados pelos pais leva os filhos a ter consciência da sua dignidade de filhos.

A criatura concebida há-de ser educada na fé, amada e protegida. Os filhos, com o direito fundamental a nascer e ser educados na fé, têm direito a nascer e a ser educados na fé, têm direito a um lar que tenha como modelo o de Nazaré e sejam preservados de todo o tipo de insídias e de ameaças.

Desejo referir-me agora aos avós, tão importantes nas famílias. Eles podem ser – e são tantas vezes – os garantes do afecto e da ternura que todo o ser humano necessita de dar e de receber. Eles dão aos pequenos a perspectiva do tempo, são memória e riqueza das famílias. Oxalá que, sob nenhum pretexto, sejam excluídos do círculo familiar. São um tesouro que não podemos arrebatar às novas gerações, sobretudo quando dão testemunho de fé diante da proximidade da morte.

Quero agora recitar uma parte da oração que rezastes pedindo pelo bom fruto deste Encontro Mundial das Famílias:

Oh Deus, que na Sagrada Família nos deixastes um modelo perfeito de via familiar vivida na fé e na obediência à Tua vontade. Ajuda-nos a ser exemplo de fé e de amor aos Teus mandamentos. Socorre-nos na nossa missão de transmitir a fé aos nossos filhos. Abre o seu coração para que cresça neles a semente da fé que receberam no Baptismo. Fortalece a fé dos nossos jovens, para que cresçam no conhecimento de Jesus. Aumenta o amor e a fidelidade em todos os casais, especialmente naqueles que passam por momentos de sofrimento e dificuldade. (…) Unidos a José e a Maria, Pedimos-Te por Jesus Cristo Teu Filho, Nosso Senhor. Ámen.   Santa Missa na Cidade das Artes e das Ciências de Valência – Homilia (9 de Julho de 2006)

Queridos irmãos e irmãs:

Nesta Santa Missa, a que tenho a imensa alegria de presidir, concelebrando com numerosos irmãos no episcopado e com grande número de sacerdotes, dou graças ao Senhor por todas as amadas famílias que se congregaram aqui, formando uma multidão jubilosa e, também, por tantas outras que, a partir de terras longínquas, seguem esta celebração através da rádio e da televisão. A todos desejo saudar e expressar o meu grande afecto com um abraço de paz.

Os testemunhos de Ester e de Paulo, que acabámos de escutar nas leituras, mostram como a família está chamada a colaborar na transmissão da fé. Ester confessa: “O meu pai contou-me que Tu, Senhor, escolheste Israel entre as nações” (14,5). Paulo segue a tradição dos seus antepassados judeus prestando culto a Deus com a consciência pura. Louva a fé sincera de Timóteo e recorda-lhe “essa fé que tiveram a tua avó Loide e a tua mãe Eunice e que estou seguro que tu tens também” (2 Tm 1,5). Nestes testemunhos bíblicos a família compreende não só pais e filhos, mas também os avós e os antepassados. A família apresenta-se-nos, assim, como uma comunidade de gerações e garante de um património de tradições.

Nenhum homem deu o ser a si próprio nem adquiriu por si só os conhecimentos elementares para a vida. Todos recebemos de outros a vida e as verdades básicas para a mesma e estamos chamados a alcançar a perfeição em relação e comunhão amorosa com os outros. A família, fundada no matrimónio indissolúvel entre um homem e uma mulher, expressa esta dimensão relacional, filial e comunitária e é o âmbito onde o homem pode nascer com dignidade, crescer e desenvolver-se de um modo integral.

Quando uma criança nasce, através da relação com os seus pais começa a formar parte de uma tradição familiar que tem raízes ainda mais antigas. Com o dom da vida recebe todo um património de experiência. A este respeito, os pais têm o direito e o dever inalienável de o transmitir aos filhos, educá-los na descoberta da sua identidade, iniciá-los na vida social, no exercício responsável da sua liberdade moral e da sua capacidade de amar através da experiência de ser amados e, sobretudo, no encontro com Deus Os filhos crescem e amadurecem humanamente na medida em que acolhem com confiança esse património e essa educação que vão assumindo progressivamente. Deste modo são capazes de elaborar uma síntese pessoal entre o que receberam e o que é novo e que cada um, e cada geração, estão chamados a realizar.

Na origem de todo o homem e, portanto, em toda a paternidade e maternidade humana, está presente Deus Criador. Por isso, os esposos devem acolher a criança que nasce como filho, não só seu mas, também de Deus, que o ama por si mesmo e o chama à filiação divina. Mais ainda, toda a geração, toda a paternidade e maternidade, toda a família, tem o seu princípio em Deus, que é Pai, Filho e Espírito Santo.

O pai de Ester tinha-lhe transmitido, com a memória dos seus antepassados e do seu povo, a de um Deus de que todos procedem e a Quem estão chamados a responder. A memória de Deus Pai que elegeu o seu povo e que actua na história para a nossa salvação. A memória deste Pai ilumina a identidade mais profunda dos homens, donde vimos, quem somos e quão grande é a nossa dignidade. Vimos certamente dos nossos pais e somos seus filhos, mas também vimos de Deus, que nos criou à sua imagem e nos chamou a ser seus filhos. Por isso, na origem de todo o ser humano não existe o azar ou a casualidade, mas um projecto do amor de Deus. É o que nos revelou Jesus Cristo, verdadeiro Filho de Deus e Homem perfeito. Ele conhecia de Quem vinha e de Quem vimos todos, do amor de seu Pai e nosso Pai.

A fé não é uma mera herança cultural, mas uma acção contínua da graça de Deus que chama e da liberdade humana que pode ou não aderir a essa chamada. Ainda que ninguém responda por outro, no entanto os pais cristãos estão chamados a dar um testemunho credível da sua fé e esperança cristã. Hão-de procurar que a chamada de Deus e a Boa Nova de Cristo cheguem aos seus filhos com a maior clareza e autenticidade.

Com o passar dos anos, este dom de Deus que os pais contribuíram deram a conhecer aos filhos, necessitará também de ser cultivado com sabedoria e doçura, fazendo crescer neles a capacidade de discernimento. Deste modo, com o testemunho constante do amor conjugal dos pais, vivido e impregnado de fé, e com o acompanhamento entranhável da comunidade cristã, se favorecerá que os filhos façam seu o próprio dom da fé, descubram com ela o sentido profundo da própria existência e se sintam alegres e agradecidos por isso.

A família cristã transmite a fé, quando os pais ensinam os filhos a rezar e rezam com eles. (cf. Familiaris consortio, 60); quando os aproximam dos sacramentos e os vão introduzindo na vida da Igreja; quando todos se reúnem para ler a Bíblia, iluminando a vida familiar à luz da fé e louvando a Deus como Pai.

Na cultura actual, exalta-se muito amiúde a liberdade do indivíduo concebido como sujeito autónomo, como se se tivesse feito a si próprio e se bastasse a si mesmo, à margem da sua relação com os outros e alheio à sua responsabilidade ante eles. Tenta-se organizar a vida social só a partir de desejos subjectivos e mutáveis, sem referência alguma a uma verdade objectiva prévia, como são a dignidade de cada ser humano e os seus deveres e direitos inalienáveis a cujo serviço deve colocar-se todo o grupo social.

A Igreja não cessa de recordar que a verdadeira liberdade do ser humano provem de ter sido criado à imagem e semelhança de Deus. Por isso, a educação cristã é educação da liberdade para a liberdade. “Nós fazemos o bem não como escravos, que não são livres de operar de outra maneira, mas fazemo-lo porque temos pessoalmente a responsabilidade a respeito do mundo; porque amamos a verdade e o bem, porque amamos o próprio Deus e, portanto, também as suas criaturas. Esta é a verdadeira liberdade à qual o Espírito Santo quer levar-nos” (Homilia na Vigília de Pentecostes, traduzida do L’ Osservatore Romano, ed. língua espanhola 9-VI-2006 p. 6).

Jesus Cristo é o homem perfeito, exemplo de liberdade filial, que nos ensina a comunicar aos outros o Seu próprio amor, “Como o Pai me amou, assim eu vos amei; permanecei no meu amor” (Jn 15,9). A este respeito ensina o Concílio Vaticano II que “os esposos e pais cristãos, seguindo o seu próprio caminho, devem apoiar-se mutuamente na graça, com um amor fiel ao longo de toda a sua vida e educar nos valores cristãos e evangélicos os seus filhos recebidos amorosamente de Deus. Desta maneira oferecem a todos o exemplo de um amor incansável e generoso, constroem a fraternidade de amor e são testemunhas e colaboradores da fecundidade da Mãe Igreja como símbolo e participação daquele amor com que Cristo amou a sua Esposa e se entregou por Ela” (Lúmen gentium, 41)

A alegria amorosa com que os nossos pais nos acolheram e acompanharam nos primeiros passos neste mundo é como que um sinal e prolongamento sacramental do amor benevolente de Deus de quem procedemos. A experiência de ser acolhidos e amados por Deus e pelos nossos paisé a base firme que favorece sempre o crescimento e desenvolvimento autêntico do homem, que tanto nos ajuda a amadurecer no caminho para a verdade e o amor e a sair de nós próprios para entrar em comunhão com os outros e com Deus.

Para avançar neste caminho de maturidade humana, a Igreja ensina-nos a respeitar e a promover a maravilhosa realidade do matrimónio indissolúvel entre um homem e uma mulher, que é, além disso, a origem da família. Por isso, reconhecer e ajudar esta instituição é um dos maiores serviços que se podem prestar hoje em dia ao bem comum e ao verdadeiro desenvolvimento dos homens e das sociedades, assim como a melhor garantia para assegurar a dignidade, a igualdade e a verdadeira liberdade da pessoa humana.

Neste sentido, quero destacar a importância e o papel positivo que a favor do matrimónio e da família realizam as diferentes associações familiares eclesiais. Por isso, “desejo convidar todos os cristãos a colaborar, cordial e valentemente com todos os homens de boa vontade, que vivem a sua responsabilidade ao serviço da família” (Familiaris consortio, 86), para que unindo as suas forças e com a legítima pluralidade de iniciativas, contribuam para a promoção do verdadeiro bem da família na sociedade actual.

Voltemos, por um momento à primeira leitura da Missa, do livro de Ester. A Igreja orante viu nesta humilde rainha, que intercede com todo o seu ser pelo povo que sofre, uma prefiguração de Maria, que o seu Filho nos deu como Mãe; uma prefiguração da Mãe, que protege, com o seu amor, a família de Deus que peregrina neste mundo. Maria é a imagem exemplar de todas as mães, da sua missão como guardiãs da vida, da sua missão de ensinar a arte de viver, a arte de amar.

A família cristã – pai, mãe e filhos – está chamada, pois, a cumprir os objectivos assinalados não como algo imposto de fora, mas como um dom da graça do sacramento do matrimónio infundida nos esposos. Se estes permanecem abertos ao Espírito e pedirem a Sua ajuda, Ele não deixará de lhes comunicar o amor de Deus Pai manifestado e encarnado em Cristo. A presença do Espírito ajudará os esposos a não perder de vista a fonte e medida do seu amor e entrega e a colaborar com Ele para o reflectir e encarnar em todas as dimensões da sua vida. O Espírito suscitará assim neles o anelo do encontro definitivo com Cristo na casa do Seu Pai e nosso Pai. Esta é a mensagem de esperança que a partir de Valência quero lançar a todas as famílias do mundo. Ámen.

Recitação do Angelus na Cidade das Artes e das Ciências de Valência (9 de Julho de 2006)

Antes de terminar esta celebração dirigimo-nos à Virgem Maria, como tantas famílias a invocam na intimidade de sua casa, para que as assista com a sua solicitude materna. Com a intercessão de Maria, abri os vossos lares e os vossos corações a Cristo para que Ele seja a vossa força e a vossa alegria e vos ajude a viver unidos e a proclamar ao mundo a força invencível do verdadeiro amor.

Neste momento, quero dar graças a todos os que tornaram possível o bom desenrolar deste Encontro. De modo particular desejo agradecer o trabalho sacrificado e eficaz dos numerosos voluntários de tantas nacionalidades pela sua abnegada colaboração em todos os actos. Um agradecimento especial às numerosas pessoas e comunidades religiosas, sobretudo de clausura, que com a sua oração perseverante acompanharam todas as celebrações.

Agora tenho a alegria de anunciar que o próximo Encontro Mundial das Famílias se celebrará no ano de 2009 na Cidade do México. À amada Igreja que peregrina na nobre nação mexicana e na pessoa do Senhor Cardeal Norberto Rivera Carrera, Arcebispo daquela cidade, expresso desde já a minha gratidão pela sua disponibilidade.

(Anúncio do próximo encontro em francês, inglês, alemão, italiano, português e polaco)

Abraço do coração todas as famílias aqui presentes e as que se uniram a esta celebração através da rádio, da televisão ou de outros meios de comunicação social. Encomendo-as todas à Sagrada Família de Nazaré para que as proteja e, seguindo o seu exemplo calado, ajudem os seus filhos a crescer em sabedoria, em idade e em graça diante de Deus e diante dos homens (cf. Lc 2,52).

Cerimónia de despedida no Aeroporto de Manises (Valência) – Discurso (9de Julho de 2006)

Majestades, senhor Presidente do Governo e distintas Autoridades, Senhores Cardeais e Irmãos no episcopado,

Queridos irmãos e irmãs

1. Ao concluir a minha grata estadia em Valência por motivo do V Encontro Mundial das Famílias, agradeço vivamente a Suas Majestades os Reis de Espanha, às Autoridades da Nação da Generalitat de Valência e da Câmara Municipal, bem como ao Senhor Arcebispo e a todos vós, a amável hospitalidade que me dispensastes e as mostras de afecto em todos os momentos da minha visita a esta florescente terra levantina.

2. Confio em que, com a ajuda do Altíssimo e a maternal protecção da Virgem Maria, este Encontro continue a ressoar como canto gozoso do amor, da vida e da fé partilhada nas famílias, ajudando o mundo de hoje a compreender que a aliança matrimonial, através da qual o varão e a mulher estabelecem um vínculo permanente, é um grande bem para toda a humanidade.

3. Muito obrigado pela vossa presença aqui. Viestes de todos os continentes do mundo, com não poucos sacrifícios que enfrentastes e oferecestes ao Senhor. Levo-vos no meu coração. Os meus sentimentos unem-se à minha oração para que o Todo Poderoso vos abençoe hoje e sempre.

Telegrama de agradecimento do Papa ao Rei de Espanha (9 de Julho de 2006)

A SUA MAJESTADE JUAN CARLOS I REI DE ESPANHA

PALÁCIO DA ZARZUELA

MADRID

TERMINADA A MINHA GRATA PERMANÊNCIA EM ESPANHA PARA ASSISTIR AO SIGNIFICATIVO ENCONTRO MUNDIAL DAS FAMÍLIAS EM VALÊNCIA, DESEJO MANIFESTAR O MEU MAIS PROFUNDO RECONHECIMENTO A SUAS MAJESTADES BEM COM ÀS AUTORIDADES E A TODO O QUERIDO POVO ESPANHOL PELA CARINHOSA HOSPITALIDADE QUE ME DISPENSARAM E POR TANTAS DEMONSTRAÇÕES DE PROXIMIDADE E AFECTO QUE ME EXPRESSARAM EM TODOS OS MOMENTOS (.) CONFIO EM QUE COM A AJUDA DO TODOPODEROSO ESSA NOBRE NAÇÃO PROSSIGA PELOS CAMINHOS DA PROSPERIDADE E DA PAZ EM CONSONÂNCIA COM AS SUAS MAIS NOBRES TRADIÇÕES E RAIZES CRISTÃS QUE CARACTERIZARAM OS SEUS FILHOS DURANTE SÉCULOS (.) COM ESTA ESPERANÇA LHES CONCEDO A BENÇÃO APOSTÓLICA

BENEDICTUS PP. XVI