Meditações: XIV domingo do Tempo Comum (Ciclo C)

Reflexão para meditar no XXIV domingo do Tempo Comum (Ciclo C). Os temas propostos são: entusiasmo e desânimo na missão apostólica; o consolo da memória; com olhos de eternidade.


NUMA OCASIÃO, o Senhor designou setenta e dois discípulos para que, de dois a dois, fossem diante dele a todas as cidades e preparassem a sua chegada (cf. Lc 10, 1‑2). Também hoje Cristo conta connosco para que muitas pessoas recebam a mensagem do Evangelho. Perante esta missão, podemos reagir de duas formas. Por um lado, é natural sentirmo‑nos entusiasmados com a possibilidade de partilhar com quem nos rodeia a chave da nossa felicidade. Não se trata apenas de transmitir conhecimentos ou práticas, mas sobretudo de comunicar um gozo que «enche o coração e a vida inteira»[1]. Esta é a alegria do encontro com Cristo. Só assim «somos resgatados da nossa consciência isolada e da autorreferencialidade. Chegamos a ser plenamente humanos, quando somos mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos conduza para além de nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser mais verdadeiro. Aqui está a fonte da ação evangelizadora. Porque, se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de o comunicar aos outros?»[2].

Por outro lado, a perspetiva de levar o Evangelho por todo o mundo pode provocar certo desânimo, pois não são poucas as dificuldades com que os discípulos se confrontam: incompreensões, grandes esforços sem resultados aparentes, falta de meios… Nestes momentos, podemos considerar-nos apenas instrumentos: o mais importante não é o que fazemos, mas que é Jesus quem age através de nós. Ao fim e ao cabo, não atuamos em nome próprio, mas em nome de Cristo. Como escreveu São Josemaria: «Superavas-te ante as dificuldades do apostolado, orando assim: “Senhor, Tu és o de sempre. Dá-me a fé daqueles varões que souberam corresponder à tua graça e que fizeram – no teu Nome – grandes milagres, verdadeiros prodígios…”. E concluías: “sei que os farás; mas também me consta que queres que te peçam, que queres que te procuremos, que batamos com força às portas do teu Coração”»[3].


A AVENTURA apostólica envolve riscos. Às vezes, há feridas. Mas isso não deve surpreender‑nos, pois, como escreve São Paulo na segunda leitura, «levo no meu corpo as marcas de Jesus» (Gl 6, 17). Tal como os escravos da antiguidade eram marcados para indicar a quem pertenciam, São Paulo declara‑se propriedade de Deus e marcado pela cruz. As contrariedades fazem parte do percurso de qualquer apóstolo. Ainda assim, por mais dificuldades que enfrentemos, agimos com a confiança de que somos filhos de Deus. Por isso, podemos dizer que temos as costas bem guardadas: o bem que recebemos e o mal que sofremos fazem parte do plano divino para o nosso crescimento. Por isso Isaías afirma: «Como a mãe consola o seu filho, assim Eu vos consolarei» (Is 66, 13). As crianças compreendem bem isto: uma queda de bicicleta vale o consolo amoroso de uma mãe.

Os discípulos experimentaram essa proteção nas primeiras missões: «Os setenta e dois discípulos voltaram cheios de alegria, dizendo: “Senhor, até os demónios se sujeitaram a nós, em teu nome!”» (Lc 10, 17). Eles estavam radiantes, esqueceram as privações, pois guardavam no coração recordações maravilhosas. Também nós, quando experimentamos a alegria de evangelizar, podemos conservar na memória tais episódios: a descoberta da vocação, a ajuda a alguém a encontrar Jesus, o sabor da fraternidade cristã, a presença de Deus em momentos difíceis… «Não esquecermos estes momentos: temos de voltar atrás e retomá-los, pois são momentos de inspiração. (…) A memória não é só um voltar atrás, mas é um voltar atrás para ir em frente. Memória e esperança caminham juntas. São complementares, completam-se. Lembra‑te de Jesus Cristo, o Senhor que veio, que me resgatou e que há de vir, o Senhor da memória, o Senhor da esperança. Hoje, cada um de nós pode refletir por alguns minutos para se questionar como está a própria memória, a memória dos momentos em que encontrou o Senhor»[4].


AO REGRESSAR da missão, os discípulos perceberam que eles próprios podiam ser continuadores de Jesus no mundo. Assim, além de garantirem a vida mais feliz possível na Terra, sentiam-se confiantes de que se preparavam para a felicidade eterna. «Não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem – diz-lhes o Senhor –; alegrai-vos, antes, por estarem os vossos nomes escritos no Céu» (Lc 10, 20). Ter uma visão mais elevada, reconhecer que a nossa missão se situa na eternidade, ajuda‑nos a relativizar sucessos ou fracassos. São Josemaria comentava: «Visão sobrenatural! Calma! Paz! Olha assim para as pessoas, para as coisas, para os acontecimentos…, com olhos de eternidade. Então, qualquer muro que te feche a passagem – mesmo que, humanamente falando, seja de respeito –, logo que levantes de verdade os olhos para o Céu, que pouca coisa é!»[5].

Esta realidade vê‑se nas vidas dos santos. Muitos viveram situações complicadas, mas souberam acolhê‑las com alegria, serenidade e até sentido de humor. E agora, no Céu, podemos supor que relativizam esses momentos: todas as dificuldades que atravessaram são pequenas comparadas com a bem‑aventurança de contemplar Deus face a face. De igual modo, nas contrariedades da missão apostólica, podemos pensar que Deus está a gravar o nosso nome no céu. Esses obstáculos desaparecerão, mas a felicidade do Paraíso será eterna. «Bebamos até à última gota o cálice da dor na pobre vida presente. – Que importa padecer dez, vinte, cinquenta anos… se depois vem o Céu para sempre, para sempre… para sempre? E sobretudo, melhor do que a razão apontada, “propter retributionem”, que importa padecer, se se padece para consolar, para dar gosto a Deus Nosso Senhor, com espírito de reparação, unido a Ele na sua Cruz… Numa palavra: se se padece por Amor?…»[6]. A Virgem Maria dar‑nos‑á a ajuda necessária para permanecermos junto do Seu Filho e alegrar-nos porque os nossos nomes estão escritos no Céu.


[1] Francisco, Evangelii Gaudium, n. 1.

[2] Ibid., n. 8.

[3] São Josemaria, Forja, n. 653.

[4] Francisco, Meditação matutina de 07/06/2018.

[5] São Josemaria, Forja, n. 996.

[6] São Josemaria, Caminho, n. 182.