Evangelho (Jo 6, 50-58)
Naquele tempo, disse Jesus à multidão:
«Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei de dar é minha carne, que Eu darei pela vida do mundo».
Os judeus discutiam entre si:
«Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?».
E Jesus disse-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia. A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele. Assim como o Pai, que vive, Me enviou e Eu vivo pelo Pai, também aquele que Me come viverá por Mim. Este é o pão que desceu do Céu; não é como o dos vossos pais, que o comeram e morreram: quem comer deste pão viverá eternamente».
Comentário ao Evangelho
As palavras de Jesus que o Evangelho da Missa de hoje nos recorda abrem-nos ao mistério da vida divina. A primeira leitura oferece-nos uma chave de compreensão através do livro dos Provérbios: é a própria Sabedoria que, depois de ter construído a sua casa, prepara um banquete, mistura o vinho, põe a mesa e convida todos a comer e a beber para entrar nos caminhos da prudência e da vida (cf. Pr 9, 1-6). Trata-se de uma introdução a um mistério que fala e que se oferece como alimento. Um mistério, o amor divino, que se explica a si mesmo e se oferece como alimento e bebida que nos transforma, dando-nos a própria vida divina.
Desde o momento em que chegámos a este mundo, não parámos de aprender. Somos educados pelos pais, somos instruídos em instituições de ensino, aprendemos com os amigos, adquirimos experiência de vida. Tudo isto é, de uma forma ou de outra, sabedoria. Mas só uma Sabedoria é capaz de chegar ao mais profundo do coração humano, só uma Sabedoria pode dar-nos algo para ser, e não simplesmente algo para ter: o próprio Cristo, que se fez alimento para que pudéssemos ser divinizados e participar da profundidade do seu amor. Esta Sabedoria instrui-nos a partir de dentro, é uma Mestra que nos enriquece de forma humilde e escondida. Mas, poderíamos dizer, é totalmente verdadeira, porque só ela atinge o sacrário mais íntimo da pessoa.
O Salmo da Missa de hoje recorda-nos a promessa divina: «Vinde, filhos, escutai-me, vou ensinar-vos o temor do Senhor. Qual é o homem que ama a vida, que deseja longos dias de felicidade? Guarda do mal a tua língua e da mentira os teus lábios. Evita o mal e faz o bem, procura a paz e segue os seus passos» (Sl 34, 12-15). A Eucaristia não nos instrui apenas como recordação do mistério pascal, mas fala-nos a partir do coração. Além disso, permite-nos falar a Deus também através da nossa existência, do nosso trabalho quotidiano, das nossas relações. E isto precisamente porque, enquanto doação do Corpo e do Sangue, abre a nossa carne e o nosso espírito à compreensão e ao reconhecimento da realidade profunda das coisas, da missão de cuidar e governar toda a criação, para a tornar lugar de encontro com Deus e morada de Deus com os homens.
Não podemos percorrer o caminho para o qual o Senhor nos convidou quando nos criou se não conhecermos a meta e os caminhos que nos levam até lá e os caminhos que nos desviam. Newman salienta que, através do seu pecado, Adão e Eva tiveram conhecimento do bem e do mal, mas que adquiriram esse conhecimento mergulhando no mal. Só Deus conhece o mal sem mergulhar nele, sem cair nas suas garras. Cristo, Sabedoria de Deus, instrui-nos sobre os caminhos divinos e também sobre as astúcias do mal, sem que precisemos de mergulhar nele. Pede-nos apenas que O comamos, que O aceitemos como fonte de vida, que O desejemos, que dialoguemos com Ele num diálogo de coração para coração[1].
Diz São Paulo aos efésios: «Vede bem como procedeis. Não vivais como insensatos, mas como pessoas inteligentes. Aproveitai bem o tempo, porque os dias que correm são maus. Por isso não sejais irrefletidos, mas procurai compreender qual é a vontade do Senhor» (Ef 5, 15-20). Quem nos permite estar vigilantes? Quem nos ajuda a não nos deixarmos enganar por tantas ofertas falsas? Quem nos dá a força para não deixarmos de olhar para a meta para a qual nos dirigimos? A Eucaristia é vida porque nos dá vida, como alimento que é, e porque, como lei interior, lei de caridade, nos ajuda a aspirar à Vida cada dia com mais intensidade e firmeza. Além disso, a Eucaristia não só edifica interiormente cada um de nós, mas edifica toda a humanidade, une os homens, faz a Igreja, o Corpo de Cristo.
[1] cf. São John Henry Newman, Sermões paroquiais, “A ignorância do mal”.