Trabalhar bem, trabalhar por amor (13): Prestígio profissional

O prestígio de um cristão no próprio trabalho pode ser um meio para atrair muitas pessoas à fé. Publicamos um artigo sobre este valor do trabalho.

«A vocação cristã é também, por sua própria natureza, vocação ao apostolado»[1]. Como aos primeiros discípulos, Cristo chamou-nos para que O sigamos e Lhe levemos outras almas: “Segui-me, e Eu farei de vós pescadores de homens[2].

Aplicando esta comparação que o Senhor usa, S. Josemaria ensina que o prestígio profissional tem uma função nos desígnios de Deus, para os que foram chamados a santificar os outros com o seu trabalho: é um importante meio de apostolado, anzol de pescador de homens [3].

Por isso sugere a quem se aproxima da formação que o Opus Dei oferece que procure o prestígio na sua profissão: Tu também tens uma vocação profissional, que te "espicaça". Sim, esse "aguilhão" é o anzol de pescar homens. Retifica, portanto, a intenção, e não deixes de adquirir todo o prestígio profissional possível, ao serviço de Deus e das almas. O Senhor conta também com “isso”[4].

Prestigio e humildade

Deus criou todas as coisas para manifestar e comunicar a Sua glória[5], e ao fazer do nosso trabalho uma participação do Seu poder criador, quis que ele refletisse a Sua glória diante dos outros. Assim brilhe também a vossa luz diante das pessoas, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos céus [6].

A santificação do trabalho profissional exige que o realizemos com perfeição, por amor a Deus, e que essa perfeição por amor seja luz que atraia para Deus as pessoas que nos rodeiam.

Não deveríamos buscar a nossa glória, mas a glória de Deus, como reza o salmo: Non nobis, Domine, non nobis, sed nomini tuo da gloriam[7]: Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao Teu nome dá glória. Quantas ocasiões temos nós para repetir estas palavras! "Deo omnis gloria". Para Deus toda a glória (...). A nossa vanglória seria isso precisamente: glória vã. Seria um roubo sacrílego. O “eu” não deve aparecer em parte nenhuma.[8]

Em muitas ocasiões será preciso retificar a intenção. Mas não podemos ficar encolhidos, deixando de procurar o prestígio profissional por temor à vanglória, ou por medo de não sermos humildes, porque é uma qualidade exigida pela missão apostólica própria dos leigos.

O Magistério da Igreja lembra-nos que «não só devem respeitar as leis próprias de cada área profissional, como devem procurar alcançar nelas uma real competência»[9]. «Os fiéis leigos deverão executar o seu trabalho com competência profissional, com honestidade humana, espírito cristão, como um meio para a própria santificação»[10].

Foto: Corrinne Yu (Creative Commons)

Vale a pena meditarmos nestas palavras de S. Josemaria: Sendo o trabalho o eixo da nossa santidade, deveremos obter um bom prestígio profissional e, cada um no seu lugar e condição social, será rodeado pela dignidade e pelo bom nome correspondentes aos seus méritos, ganhos em concorrência honesta com os seus colegas, com os seus companheiros de trabalho ou de profissão.

A nossa humildade não consiste em parecermos tímidos, acanhados ou sem audácia, nesse nobre campo dos afazeres humanos. Com espírito sobrenatural, com desejo de servir – com espírito cristão de serviço – temos que procurar estar entre os primeiros, no grupo dos nossos pares.

Alguns, com mentalidade pouco laical, consideram a humildade como falta de aprumo, como indecisão que impede de atuar, como abdicação de direitos – às vezes dos direitos da verdade e da justiça –para não contrariar ninguém e ser amáveis com todos. Por isso, haverá pessoas que não compreenderão a nossa prática de humildade profunda – verdadeira – e até a poderão apelidar de orgulho. O conceito cristão desta virtude deformou-se muito, talvez por tentar aplicar moldes de natureza conventual ao seu exercício no meio da rua, os quais não podem servir aos cristãos que têm de viver, por vocação, nas encruzilhadas do mundo [11].

Por amor a Deus e às almas

O prestígio profissional de um cristão não consiste necessariamente no êxito. É verdade que o triunfo humano é como uma luz que atrai as pessoas. Mas se, ao aproximarem-se da pessoa que triunfa, não encontram o cristão, o homem de coração humilde e enamorado de Deus, mas encontram um presunçoso cheio de si mesmo, então acontece o que um ponto de Caminho descreve: De longe, atrais: tens luz. De perto, repeles: falta-te calor. Que pena! [12].

O prestígio que serve para levar almas a Deus é o das virtudes cristãs animadas pela caridade: o prestígio da pessoa trabalhadora, competente na sua tarefa, justa, alegre, nobre e leal, honrada, amável, sincera, prestável…, virtudes que podem ser vividas tanto no sucesso como no fracasso humano. É o prestígio de quem cultiva essas qualidades todos os dias, por amor a Deus e aos outros.

S. Josemaria escreveu que o trabalho nasce do amor, manifesta o amor, orienta-se para o amor[13]. O mesmo se deve dizer do prestígio no trabalho: nasce do amor, porque esta deve ser a razão que nos leva a procurá-lo, não a vaidade ou o egocentrismo, manifesta o amor, porque num cristão com prestígio profissional, o espírito de serviço deve ser concreto, e orienta-se para o amor, porque o prestígio não se pode transformar na finalidade do trabalho, mas deve ser um meio para aproximar almas de Deus, concreta e diariamente.

Um prestígio profissional sem fruto apostólico é um prestígio estéril, uma luz que não ilumina. O prestígio deve ser um anzol de pescador, e será que se pode dizer que alguém é pescador se não pesca? Não é uma joia para ser contemplada e guardada, como um avarento guarda e aprecia os seus tesouros, mas para a colocar ao serviço de Deus, sem medos.

Foto de Eden, Janine e Jim (Creative Commons)

Não devemos ignorar os riscos. Os cristãos podem atrair as pessoas pelo seu prestígio profissional, mas quando falarem com elas sobre Deus, talvez se afastem e, posteriormente, deixem até de os apreciar como antes. Inclusive, como é sabido, há ambientes – clubes, grupos, sociedades influentes... – que abrem as suas portas a profissionais com prestígio, oferecendo vantagens (relações e apoios mútuos) com a condição de não manifestarem a sua fé, aceitando implicitamente uma visão da vida em que a religião deve ficar limitada à esfera privada. Pretendem justificar essa atitude como sendo de respeito à liberdade, mas na realidade excluem a existência da verdade em matéria religiosa, e desse modo a verdade e a liberdade morrem juntas nesses ambientes, ao negarem o vínculo ensinado por Jesus Cristo Senhor: conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres[14]. Nestes clubes particularmente laicistas, onde é proibido – esta é a palavra que reflete a realidade – falar de Deus e, em última análise, fazer apostolado, não se vê como pode um cristão estar presente, obrigado que é a deixar a sua fé à porta, como se deixa o chapéu.

A conclusão não pode ser isolar-se, mas empreender uma tarefa apostólica mais audaz, com a força e a alegria dos filhos de Deus que receberam este mundo em herança, para o possuir e o configurar. Faz falta uma atividade baseada no apostolado pessoal de amizade e confidência, que chegue também a criar ambientes abertos e livres – alheios a esse fanatismo indiferentista, e sem necessidade de etiquetas confessionais – onde seja possível dialogar e colaborar com todas as pessoas de boa vontade que querem construir uma sociedade de acordo com a dignidade transcendente da pessoa humana. Não é tarefa fácil, mas é imprescindível. O cristão deve conquistar prestígio profissional e saber aproveitá-lo para inspirar a sociedade com o espírito cristão.

Em todos os trabalhos

Durante os anos de vida em Nazaré, Jesus ia crescendo em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens [15]. O Evangelho diz também que era conhecido como artesão[16]. É só unir esses dois dados para perceber o prestígio que o Senhor tinha no seu trabalho.

Na sua tarefa diária de carpinteiro, sem realizar prodígios extraordinários, os seus concidadãos viam-no crescer não só em idade, mas também em sabedoria e graça. Quantos detalhes contêm estas palavras! No modo de atender as pessoas, de receber os encargos e de os realizar com competência profissional, de praticar a justiça juntamente com a caridade, de servir aos outros, de trabalhar com ordem e intensidade, de descansar e de procurar que os outros descansassem..., na Sua serenidade, na Sua paz, na Sua alegria e em todas as Suas tarefas, percebia-se algo que atraía, que levava a procurar a Sua companhia, a confiar n’Ele e a seguir o Seu exemplo: o exemplo de um homem que parecia tão humano e tão divino, que transmitia amor a Deus e amor aos homens, que os fazia sentir-se no céu e ao mesmo tempo na terra, animando-os a serem melhores. Que diferente seria o mundo, pensariam muitos deles, se procurássemos ser como Jesus no nosso trabalho! Que diferente a vida, na cidade ou no campo!

O crescimento de Jesus em idade, sabedoria e graça, a progressiva manifestação da plenitude da vida divina de que a sua natureza humana estava repleta desde a Encarnação, ocorria num trabalho tão corrente como o de carpinteiro. Diante de Deus, nenhuma ocupação é em si mesma grande ou pequena. Tudo adquire o valor do Amor com que se realiza [17]. O prestígio profissional é, em última análise, manifestação do amor com que o trabalho é realizado. É uma qualidade da pessoa, não da tarefa que realiza. Não consiste em dedicar-se a uma profissão prestigiosa aos olhos humanos, mas em exercer de modo prestigioso qualquer profissão, brilhante ou não.

Para os homens sim, alguns trabalhos podem ser mais brilhantes que outros, como aqueles que envolvem o exercício da autoridade na sociedade, ou os que têm mais influência na cultura, ou maior projeção nos meios de comunicação, no desporto, etc. Precisamente por isso – porque são mais considerados e influenciam muito na sociedade – é mais necessário que as pessoas que os exercem tenham um prestígio não só técnico mas também moral: um prestígio profissional cristão. É de vital importância que os filhos de Deus realizem com prestígio essas atividades, das quais depende, em boa parte, o nível da nossa sociedade.

Geralmente são os intelectuais quem as realizam, e por isso temos de procurar que, em todas as atividades intelectuais, haja pessoas retas, de autêntica consciência cristã, de vida coerente, que empreguem as armas da ciência ao serviço da humanidade e da Igreja[18]. S. Josemaria tem isso muito presente quando, ao explicar o trabalho apostólico do Opus Dei, escreve que o próprio Jesus nos escolheu para que, no meio do mundo – onde nos colocou e do qual não nos quis afastar –, cada um de nós procure a santificação no seu estado e, ensinando com o testemunho da vida e da palavra que a chamada à santidade é universal, promova entre pessoas de todas as condições sociais, e especialmente entre os intelectuais, a perfeição cristã no próprio âmago da vida civil. [19]


[1] Conc. Vaticano II, Decr. Apostolicam actuositatem, nº 2.

[2] Mc 1,17.

[3] S. Josemaria, Caminho, nº 372.

[4] S. Josemaria, Sulco, nº 491.

[5] Cfr. Conc. Vaticano I, Const. dogm. Dei Filius, Canon 5.

[6] Mt 5,16.

[7] Sl 115 (113 b), 1.

[8] S. Josemaria, Caminho, nº 780.

[9] Conc. Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, nº 43.

[10] S. João Paulo II, Exhort. apost. Christifideles laici, 30-12-1988, nº 43.

[11] S. Josemaria, Carta 6-5-1945, nn. 30-31, em E. Burkhart, J. López, Vida cotidiana y santidad en la enseñanza de San Josemaría, II, Rialp, Madrid 2011, p. 394.

[12] S. Josemaria, Caminho, nº 459.

[13] S. Josemaria, Cristo que passa, nº 48.

[14] Jo, 8, 32.

[15] Lc 2, 52.

[16] Mc 6, 3.

[17] S. Josemaria, Sulco, nº 487.

[18] S. Josemaria, Forja, nº 636.

[19] S. Josemaria, Carta 14-2-1944, nº 1, em A. Vázquez de Prada, O Fundador do Opus Dei, I, Ed. Verbo, Lisboa 2002.

J. López D.