Agradar a Deus (6): Irmãos que olham para o Pai. Unidade entre gerações distintas

O Papa Francisco fala frequentemente da necessidade de conseguir uma maior unidade entre as diferentes gerações. A parábola do filho pródigo, do irmão mais velho e do pai, contada por Jesus, pode ajudar-nos a aprofundar este tema.

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Naqueles últimos dias, Jesus tinha passado muito tempo entre aqueles que, aos olhos da sociedade, pareciam estar mais afastados de Deus. O evangelista Lucas diz-nos que «todos os publicanos e pecadores» (Lc 15, 1) vieram para ouvir o seu ensinamento. Este movimento de pessoas fez com que aqueles que presumiam ser os guardiães da Lei mosaica começassem a murmurar entre si. O mestre decide então narrar três parábolas destinadas a purificar a imagem de Deus, muitas vezes distorcida por uma mentalidade legalista que perde de vista o amor divino. A terceira destas histórias é a célebre sobre um pai e os seus dois filhos (cf. Lc 15, 11-32): o mais novo, que pede a sua herança para a esbanjar longe de casa, e o mais velho, que permanece em casa, mas não está verdadeiramente em sintonia com o coração do pai.

O esquecimento de ambos os filhos

Lendo a parábola, podemos supor que os dois irmãos tinham estado distraídos durante muito tempo, longe da gratuidade com que o seu pai os amava. O mais novo sonhava com lugares onde pensava que seria mais feliz. Este foi distraído pela sua cabeça – talvez menos preparada – e pela sua imaginação – talvez mais viva – até estar convencido de que podia comprar o amor: «Pai, dá-me a parte da herança que me pertence» (Lc 15, 12). O mais velho, por seu lado, tinha adormecido o seu coração porque aparentemente cumpria bem as suas responsabilidades; ele estava satisfeito, não dava desgostos ao seu pai. No entanto, a frieza tinha penetrado na sua alma através de alguma fenda. Talvez ele se tivesse enredado em planos que, embora parecessem muito próximos, não incluíam aquele que o amava tanto. No final, nenhum deles entendeu – mesmo que inconscientemente – que era possível alcançar a verdadeira felicidade estando com a família. Enquanto o mais novo a procurava longe, o mais velho ansiava por ela numa festa com os seus amigos. Nenhum deles imaginou que pudesse alcançar uma vida plena com o seu pai.

Embora, como S. João Paulo II salienta, todos nós tenhamos dentro de nós, ao mesmo tempo, algo de ambos os irmãos[1], talvez não seja por acaso que Jesus quis tornar explícita a idade de ambos os irmãos. Talvez o Senhor tenha escolhido o irmão mais velho para ilustrar atitudes mais frequentes entre as pessoas que têm procurado e tratado com Deus durante muito tempo. Este irmão tinha certamente conseguido cumprir as suas tarefas com perfeição. O seu pai não podia censurá-lo por nada, por isso ele estava à vontade, não devendo nada a ninguém. No entanto, não estava inteiramente satisfeito. O jovem, por outro lado, idealista e apaixonado, pode representar atitudes mais comuns nas fases iniciais da vida. Talvez fosse mais vulnerável à sedução de uma liberdade que se dirige a bens que em última análise não saciam. Fugir, sair e divertir-se pode ser apelativo, mas não se pode rejeitar indefinidamente a própria identidade: mais cedo ou mais tarde aparecem carências que só Deus é capaz de preencher. Ele também não era feliz.

Ambos os irmãos viviam desconfortavelmente na sua realidade. Nessa atmosfera era difícil que o amor crescesse, que a ternura criasse raízes, que ambos vissem como o pai estava orgulhoso das suas vidas e como contava com elas. Os seus sonhos estavam desfocados. Talvez não estivessem cegos pelo egoísmo, mas é possível que tivessem cedido a uma tentação subtil: preocuparem-se apenas com o que estava à mão, esquecendo-se de se deixarem amar por aquele que lhes tinha dado tudo. Talvez, sem se aperceberem, tivessem colocado uma barreira a esse amor. Enquanto o jovem imaginava o que podia fazer longe de casa, o mais velho contabilizava o que já tinha guardado. Ambos pensavam que tinham um tesouro, mas na realidade guardavam-no em sacos rotos. O mais velho esperava o prémio que achava merecer, enquantoque o mais novo não queria esperar e reclamava a herança. No fim de contas, ambos pediram a mesma coisa: a sua recompensa.

A alegria paterna por os ter perto

Ambos os irmãos, presos nas suas seguranças, eram incapazes de vislumbrar o que se passava a curta distância, no coração do seu pai. Talvez os dois, cada um à sua maneira, tivessem estabelecido as suas relações diárias com ele a apenas mais uma coisa a fazer. Talvez algo de semelhante nos possa acontecer. Temos tantas atividades todos os dias, a maioria delas boas, que podemos esgotar a nossa energia nisso. Mesmo os tempos em que queremos falar com Deus podem tornar-se apenas mais uma tarefa. O mais novo provavelmente tinha dificuldades com essa rotina, precisando de algo mais intenso e sensível. O mais velho, por outro lado, tinha-o incorporado regularmente na sua vida, mas não o aproveitou, por isso a crise estava a chegar e é desencadeada pelo regresso do mais novo. Esse é o momento em que todos mostram as suas cartas.

Então, enquanto o mais novo não ousa pedir nada mais do que regressar como um trabalhador, mesmo que fosse o último, ficamos a saber que o mais velho não se sentia bem pago. Mas o pai tem um golpe de mestre: enquanto recompensa o mais novo com uma festa como nunca antes, lembra ao mais velho que, de facto, é dono de tudo. O pai trata de reconciliar os seus filhos. Ele não se entristece com o pecado de um ou de outro por si mesmo, mas por causa do que eles sofrem: «Não choreis por mim, antes chorai pelos vossos filhos» (Lc 23, 28). O pai coloca-os cara a cara para que aprendam a amar-se com o amor com que os ama.

Quebrar a nossa redoma e ver como o Senhor se comove é regressar ao lar paterno; reconhecer que, mais que uma tarefa, a relação com o nosso Pai Deus é um dom. Nenhum deles tinha sido capaz de apreciar esta efusão de ternura até ambos terem visto o frio gelado e a solidão avassaladora. Um pequeno gesto foi suficiente para eles compreenderem como são amados: «Correu ao seu encontro, lançou-se ao seu pescoço e beijou-o» (Lc 15, 20); «Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu» (Lc 15, 31). O seu pai orgulha-se deles, apesar de não lhe terem dado qualquer motivo. Nas palavras de cada um que a parábola nos traz, vemos apenas o que eles fazem, sentem ou pensam. Nas palavras do pai, pelo contrário, vemos a alegria de os ter perto dele.

S. Josemaria estava bem ciente deste tipo de situação, tão comum, mas por vezes escondida; podemos estar um pouco atordoados como o filho mais novo, ou um pouco sonolentos como o filho mais velho. No entanto, o fundador do Opus Dei viu nesta relação diária com o pai o afeto mais terno: «Plano de vida: monotonia? Os mimos da mãe, monótonos? Aqueles que se amam não dizem sempre a mesma coisa um ao outro? -O que ama está no detalhe»[2]. Através destes encontros concentramo-nos na alegria de Deus em nos ter perto d'Ele.

Uma aliança desejada

«Não é emancipando-nos da casa do Pai que somos livres, mas abraçando a nossa condição de filhos»[3] e, portanto, de irmãos. Talvez o mais novo tenha saído à procura do seu irmão. Talvez o mais velho tenha cedido, entrado e acabou por abraçar o mais novo que seguramente não tinha deixado de amar. A felicidade não seria completa se a reconciliação com o seu pai não implicasse também o perdão das queixas, reais ou imaginárias, entre irmãos. O Papa Francisco confiou-nos um dos seus grandes desejos: «Ultimamente trago no meu coração um pensamento. Sinto que é isto que o Senhor quer que eu diga: que seja feita uma aliança entre jovens e anciãos»[4]. O irmão mais novo teve dificuldade em compreender o valor da perseverança do seu irmão: anos e anos de cumprimento da sua obrigação. O irmão mais velho não conseguia compreender a insensatez do mais novo. Era exatamente o oposto do seu pai, que não conseguia compreender a vida sem os seus filhos. Sentia a falta de ambos, cada um com a sua própria maneira de ser e de amar.

Se tivessem sido capazes de se olharem com os olhos paternos, ter-se-iam sentido contemplados de uma forma diferente, porque nesse olhar não há lugar para juízos ou reprovações. Talvez, com o tempo, as bolotas dos porcos se tornassem tema de piadas familiares. Talvez o pai organizasse pouco depois uma festa-surpresa para o seu filho mais velho e para os seus amigos, sem outra razão que não fosse mostrar o seu afeto por ele, e o mais novo até ajudaria a prepará-la. Nenhum deles consegue ser feliz até conhecer o seu pai e compreender o seu irmão. Aprendem a deixar-se amar, amando-se uns aos outros como são.

Enquanto o mais novo se tinha centrado em receber amor, o mais velho centrou-se em fazer a sua parte do trabalho. Nenhuma das atitudes tem valor por si só. Cumprir sem amor cansa e desgasta até que no final, a corda parte. Por outro lado, querer ser amado sem reciprocidade é impossível, e é também desta forma que a corda acaba por se partir. É por isso que o pai os ensina a viver juntos e a integrar fidelidade e amor. Eles podem aprender tanto um com o outro! Graças à sua relação com o pai, podem sentir como as coisas podem ser feitas por amor, livremente, porque lhes apetece. Ninguém como Cristo, o verdadeiro irmão mais velho de todos, conseguiu unir ambos os aspetos com tanta fidelidade e felicidade. «Na história da humanidade nunca houve um ato tão profundamente livre como a doação do Senhor na cruz»[5].

Os dois irmãos precisam um do outro. Separados, naufragam na amargura e o pai sofre. Juntos, fazem-no muito feliz. O jovem tem toda a força e ímpeto do seu desejo de receber carinho; experimenta o amor pela primeira vez. «Lembro-me – dizia S. Josemaria – que fiquei muito feliz quando soube que em português chamam os novos aos jovens. E é isso que eles são»[6]. O mais velho, por seu lado, travou muitas batalhas, e embora a princípio não se sinta feliz com isso, o seu coração não rejeitará o pedido do pai. O mais novo, no fundo, talvez agradeça que o irmão mais velho tenha suportado a sua parte e nunca tenha abandonado a casa. Concentrar-se no amor é a solução para ambos: olhar para o pai, receber o seu espírito, e amar aquele que ele ama com a liberdade que lhe é própria, porque lhes apetece. "O amor dos nossos irmãos e irmãs dá-nos a segurança de que necessitamos para continuar a lutar para amar mais o nosso Pai Deus»[7].

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A força para superar a mesquinhez do nosso coração pode obter-se no banquete em que aprendemos verdadeiramente a ser filhos: «Talvez por vezes nos tenhamos perguntado como podemos corresponder a tanto amor de Deus; talvez tenhamos desejado ver claramente definido um programa de vida cristã. A solução é fácil, e está ao alcance de todos os fiéis: participar amorosamente na Santa Missa, aprender na Missa como tratar Deus, porque neste Sacrifício está contido tudo o que o Senhor quer de nós»[8]. Em Cristo, o único Filho do Pai, ambos são capazes de se comportar como filhos e, portanto, como irmãos. Reunidos no banquete do cordeiro, calçam as suas novas sandálias para percorrer o mundo inteiro, vestem a túnica limpa que tem o cheiro da casa e põem o anel da fidelidade do seu pai. Então começa a festa em que nunca deixarão de cantar louvores a um pai que cuida deles e os compreende.

Talvez nos tenha impressionado que a mãe desta família não apareça. Não sabemos porquê, mas talvez possamos imaginar que a Virgem Maria, mãe de Deus e nossa mãe, nos ajuda sempre a manter os nossos olhos fixos no amor do Pai. Para regressar a casa, para nos concentrarmos no que é essencial, nada melhor do que deixarmo-nos levar no colo de uma mãe que nos sussurra ao ouvido: «Vê como Deus te ama».


[1] cf. S. João Paulo II, Reconciliatio et Paenitentia, n. 5-6.

[2] S. Josemaria, Guião para uma palestra, 22 de agosto de 1938. Citado em Camino. Edición crítico histórica, Rialp, Madrid, 2004, p. 288.

[3] Fernando Ocáriz, Carta Pastoral, 09/01/2018, n. 4.

[4] Francisco, Prólogo do livro La saggezza del tempo, Marsilio Editori, Veneza, 2018.

[5] Fernando Ocáriz, Carta Pastoral, 09/01/2018, n. 3.

[6] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 31.

[7] Fernando Ocáriz, Carta Pastoral, 01/11/2019, n. 17.

[8] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 88.

Diego Zalbidea