Testemunho do Pe. Miguel Cabral no livro “Nós, os Padres”

O livro “Nós, os Padres – 11 padres confessam-se” da Aletheia Editores será apresentado publicamente em Lisboa no próximo dia 27 de Junho, pelas 18h, no Grémio Literário, sendo a apresentação feita por Laurinda Alves, Margarida Neto e Aline Gallesh-Hall de Beuvink. O Pe. Miguel Cabral, sacerdote da Prelatura do Opus Dei, é um dos onze padres. Reproduzimos aqui alguns excertos do seu testemunho.

o prefácio ao livro, o Bispo de Lamego, D. António Couto, destaca que é “interessante e surpreendente, (…) verificar que palpita nestes onze retratos, não apenas uma vida igual a tantas outras, mas também uma alegria nova, um amor novo, um grande abraço à vida. Sim, não são retratos de plástico, anódinos e asséticos.”

Além do testemunho do Pe. Miguel Cabral, o livro inclui depoimentos de outros dez sacerdotes: João Vergamota – Patriarcado de Lisboa; Andreas Lind – Companhia de Jesus; Marco Leotta – Caminho Neocatecumenal; Bernardo Maria Magalhães – Diocese de Lamego; Pedro Miranda – Diocese de Coimbra; Miguel Neto – Diocese do Algarve; Ricardo Figueiredo – Patriarcado de Lisboa; Gonçalo Diniz – Ordem dos Pregadores; Carlos Candeias – Missionário Claretiano. António Vaz Pinto – Companhia de Jesus; e encerra com um texto final do Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada.

Publicamos um excerto de 6 das 27 perguntas colocadas ao Pe. Miguel Cabral, que se podem encontrar no livro Nós, os Padresnas páginas 58-81.

Os meus anos médicos não foram anos desperdiçados. Pelo contrário, a minha experiência profissional é uma enorme mais-valia

Porquê padre? Quando nasceu a sua vocação sacerdotal?

Sou padre do Opus Dei porque Deus quis. Fui ordenado com 39 anos e até muito tarde não tinha pensado realmente em tal coisa. (…) Quando acabei o curso de Medicina em Lisboa aceitei o desafio que o Opus Dei me fez de ir viver para Coimbra. (…) Trabalhei no Hospital Universitário e no Instituto de Oncologia. Quando estava a terminar a especialidade (2004) em oncologia médica, o Prelado do Opus Dei sondou‑me se eu estava disponível para me preparar para ser padre e fazer os estudos correspondentes. De facto, eu tinha‑lhe feito saber que estava aberto a essa hipótese, caso fosse a vontade de Deus (…).
Os meus anos médicos não foram anos desperdiçados. Pelo contrário, a minha experiência profissional é uma enorme mais-valia. Fiquei a conhecer bem, em primeira pessoa, os desafios dum cristão na vida profissional e acho que assim posso cumprir melhor a minha missão de ajudar, como padre, as pessoas que desejam encontrar Deus e evangelizar nas circunstâncias e rotinas quotidianas.

Ser padre é uma promoção ou uma provação? Uma bênção ou uma maldição? Uma renúncia ou uma afirmação?

Ser padre é uma provocação! Ser padre é ser Cristo presente no mundo, mas segundo a missão especial de mediador sacerdotal entre Deus e os homens. (…) É um desafio ser padre numa sociedade secularizada. Num tempo em que tantas pessoas não acreditam ou não conhecem Deus, ser padre, e até ser cristão, significa ir contracorrente. Não é um assunto que me assuste. Sempre gostei de desafios e até acho divertido. (…)

Nestes anos, são muitas as vezes que senti que era um instrumento que Deus estava a usar para atrair as pessoas a Si, para as fazer mais felizes.

Quando me preparava para ser sacerdote um dos formadores dizia que eu teria muitas alegrias como padre. E é verdade! Nestes anos, são muitas as vezes que senti que era um instrumento que Deus estava a usar para atrair as pessoas a Si, para as fazer mais felizes.

"Ser padre é ser Cristo presente no mundo, mas segundo a missão especial de mediador sacerdotal entre Deus e os homens”.

Como reagiu a sua família à decisão de ser padre? E os amigos? Deixou amigas especiais ou namorada?

Os meus pais e irmãos ficaram muito contentes quando lhes comuniquei que ia estudar teologia e que poderia vir a ser padre. Mas, como expliquei antes, já era do Opus Dei desde os 20 anos. Nessa altura, sim, foi a primeira grande surpresa. Ainda há pouco tempo um primo me dizia que chorou quando eu disse à família que queria pertencer ao Opus Dei. Pensou que eu ia desaparecer de circulação, que ia deixar os amigos, que nos íamos ver pouco, etc. Um disparate, como ele próprio agora reconhece. (…)

É claro que algumas coisas mudaram na minha vida… Estudava muito nas épocas de exames, mas sempre arranjei tempo para muitas outras coisas. Sempre gostei de futebol e era avançado na equipa de onze da Faculdade de Medicina. Ainda marquei alguns golos! Também gostava muito de programas de todo o tipo e de sair à noite com um numeroso grupo de amigos e amigas. (…)

O Pe. Miguel com alguns dos sobrinhos em Lisboa

Deus falou mais alto, daquela maneira que Ele sabe e não é fácil descrever.

A certa altura comecei a inquietar­me com a hipótese de Deus me estar a pedir mais do que aquilo que até então eu queria dar. Tentei esquivar‑me durante algum tempo mas uma noite li, como de costume, o Evangelho e calhou o episódio do jovem rico, que naquele momento me tocou de forma nova e forte. No dia seguinte, ao olhar para uma imagem de Nossa Senhora da Conceição a «pressão» foi quase irresistível. Eu não queria. Do ponto de vista humano, eu tinha tudo e nem me passava pela cabeça renunciar a constituir família e construir a vida por minha conta. Mas Deus falou mais alto, daquela maneira que Ele sabe e não é fácil descrever. (…)

“Eu tinha tudo e nem me passava pela cabeça renunciar a constituir família e construir a vida por minha conta”

Não acha que ter horas fixas do dia para oração lhe retira a liberdade?

Se não rezar, se não procurar estar unido a Deus, o meu trabalho não poderá dar lá grande fruto.

Sou livre sempre que me dedico a Deus e aos outros. As horas de oração não têm necessariamente que ser fixas. O que é preciso é rezar e dar prioridade a Deus, com flexibilidade para ajustar a oração de cada dia às outras obrigações. Se não rezar, se não procurar estar unido a Deus, o meu trabalho não poderá dar lá grande fruto. Tenho um irmão engenheiro de pontes e gosto de olhar para o trabalho dele e pensar que ser padre é, de certa forma, ser ponte entre o céu e a terra: tenho que ser instrumento para elevar a Deus as coisas dos homens e trazer do Céu as graças de que necessitam. Como o meu trabalho é sobrenatural, os meios para o realizar têm que ser sobrenaturais.

Confessa‑se com regularidade?

Para alguns podia parecer um exagero que um padre se confesse semanalmente, mas posso dizer que nunca me faltaram pecados de que me acusar!

Todas as semanas. Para alguns podia parecer um exagero que um padre se confesse semanalmente, mas posso dizer que nunca me faltaram pecados de que me acusar! Tenho bem gravadas estas palavras: «ser santo para santificar». Sei que é uma tarefa para toda a vida, que me devo esforçar sempre, e estou convencido que só será possível com o empurrão que Deus dá, sobretudo nos sacramentos.

“«Ser santo para santificar». Sei que é uma tarefa para toda a vida, e estou convencido que só será possível com o empurrão que Deus dá, sobretudo nos sacramentos.”

Como encara o celibato apostólico?

Ser celibatário não é ter um coração pequeno, mas um coração grande para amar a Deus e, em Deus, todas as pessoas.

Como um enorme dom de Deus, (…) uma opção divina que me diz: «És todo para Mim». Não deixa de ser um privilégio. Ser celibatário não é ter um coração pequeno, mas um coração grande para amar a Deus e, em Deus, todas as pessoas. Não pode ser compreendido e vivido apenas por razões pragmáticas, por uma questão de maior disponibilidade. (…)

Perfil biográfico do Pe. Miguel de Castro Caldas Cabral

Nasceu em Lisboa a 8 de Junho de 1971.

Licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina de Lisboa (1995), com título de especialista em Oncologia Médica (2004). Exerceu Medicina nos Hospitais da Universidade de Coimbra e Centro Regional de Oncologia de Coimbra.

Licenciado em Teologia Moral pela «Universidade Pontifícia da Santa Cruz», em Roma (2009). A sua ordenação sacerdotal ocorreu a 8 de Maio de 2010. Fez a sua tese de doutoramento em Bioética: «O aborto provocado em gravidezes de risco médico: dilemas éticos no cancro e gravidez» (2012).

Actualmente, vive em Lisboa e é capelão do Colégio Mira Rio e do Darca Clube. Confessa habitualmente no Oratório S. Josemaria. Assistente espiritual da Associação dos Médicos Católicos Portugueses.


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