"A maioria dos jovens não se dá conta que Deus tem um desígnio sobre eles"

Nicolás Álvarez de las Asturias (Madrid, 1972) é sacerdote diocesano de Madrid e professor catedrático da Universidade de S. Dámaso.

1. Por que razão convocou o Papa este Sínodo de Bispos?

Para que os Bispos o ajudem na reflexão sobre uma questão em que considera que se deve incidir mais: os jovens, a fé e o discernimento vocacional. Trata-se de um encontro habitual, que se celebra de dois em dois anos. Desde o tempo de João Paulo II, passaram pelos Sínodos temas como a família, os leigos, os sacerdotes, a pregação da Palavra de Deus e a celebração da Eucaristia. Que a Igreja aposta nos jovens está muito claro, basta ver as Jornadas Mundiais da Juventude. São a geração do futuro e, pelo menos na Europa, a impressão geral é que a Igreja é cada vez mais para pessoas idosas.

2. Francisco definiu-o como um momento para que os mais velhos e a Hierarquia da Igreja ouçam a juventude, quais são as etapas para o conseguir?

O primeiro questionário foi divulgado em maio do ano passado e, desde então, foram feitos outros na Santa Sé e nalgumas Conferências Episcopais. Além disso, várias dioceses foram pondo em andamento iniciativas para reunir os jovens, para que falem dos temas que lhes interessam e apresentem as suas próprias conclusões em Roma. Por exemplo, na nossa diocese de Madrid, o Cardeal Osoro convocou um Parlamento para Jovens. E assim se elaborou um documento de trabalho, o “Instrumentum Laboris”, com que os Padres Sinodais chegarão ao Sínodo.

3. E quando chegar a altura, como será o processo de trabalho?

Durante os 20 dias que dura a assembleia haverá uma apresentação inicial e depois os bispos e os outros participantes vão expor as suas ideias tanto nas sessões plenárias como nas reuniões por grupos. No final, são entregues ao Papa as conclusões, com as quais pode elaborar um documento ou utilizá-las como entender mais oportuno. Porém, como tudo na Igreja, o mais importante para que as conclusões finais falem ao mundo é o trabalho pessoal de cada católico que tenha o gosto de apresentar a sua fé e de se confrontar com pessoas não crentes.

4. Há uma crise de vocações na Igreja?

Depende dos lugares. Na Europa há porque, proporcionalmente, há menos vocações do que antes. E entendendo “crise de vocações” em sentido amplo: tanto pelo número de jovens cristãos que vivem o seu casamento com sentido vocacional, como por aqueles que descobrem que Deus os pode chamar para outro caminho.

5. Porque pensa que isto acontece?

É provável que tenha a ver, em parte, com o ambiente. A cultura dominante apresenta o compromisso definitivo como algo estranho, sobretudo se é um compromisso com Deus. Também tem influência que cada vez mais jovens se tenham afastado da fé ou, simplesmente, vivam com outros valores. E além disso, a formação dos cristãos - tanto a recebida na família como a que os vai amadurecendo na sua fé - é mais difícil do que antes.

6. A vocação pode falar a esses jovens que talvez tenham vivido afastados de Deus durante muito tempo?

Todas as pessoas têm vocação, só é preciso ser capaz de se questionar sobre a própria vida e ter uma relação com Deus. Vir de situações difíceis, quer seja pela família ou porque se tenha um passado mais complicado, evidentemente condiciona, mas nunca determina. No caminho de discernimento, essas pessoas terão de percorrer uma série de etapas, outras não: sarar o próprio coração, fortalecer a personalidade… mas não é uma dificuldade invencível.

7. É verdade que os jovens hoje têm medo de enfrentar a pergunta que quer Deus de mim?

Uns sim e outros não. Depende muito de se terem encontrado realmente com Jesus Cristo ou não, como diz o Papa. Mas o problema é que a maioria nem considera que Deus tem um desígnio sobre eles. Entre outros motivos, porque também não pretendem comprometer-se com nada nem com ninguém. Sem a necessidade de um discernimento vocacional, o que há é um conceito de vida sempre em mudança e tudo o que se refere a uma decisão definitiva, pura e simplesmente assusta.

8. Há muitas pessoas – até cristãs - que pensam que convidar os jovens a descobrir a sua vocação é um modo de pressão, que acha? A vocação descobre-se sozinho ou acompanhado?

A vocação tem de ser vista por cada um. Para isso, talvez se precise da ajuda de alguém que ensine a escutar a voz de Deus. Quando já se tiver escutado a sua voz, então a “pressão” é feita pelo Senhor.

9. Como se deve falar hoje de vocação?

Como um diálogo com Deus. A vocação entende-se como um caminho em que Deus e o homem colaboram, escrevem juntos uma história, baseada na preocupação pelos outros.

10. Que papel desempenha o ambiente - os amigos, a família - no discernimento vocacional?

Podem desempenhar vários papéis. O Papa Francisco repete muitas vezes que o cristianismo se transmite por atração e este é um primeiro papel que podem desempenhar; se há pessoas que descobriram um caminho vocacional e o vivem com alegria, despertam, sem dúvida, inquietação nos seus amigos. O mesmo se passa com a família. Se os pais vivem o seu casamento com consciência vocacional e educam os filhos cristãmente, abrem-nos à questão de que fazer com a sua vida.

Ambos podem ajudar também em termos de conselhos, onde o papel de uns e outros é diferente. Normalmente os conselhos dos pais situam-se em termos de prudência, de serenidade, e fazem bem em colocá-los assim. Pelo contrário, os amigos costumam entender que faz parte da sua amizade apoiar até ao fim a decisão do amigo.