Sacerdotes numerários ou agregados: Para que os outros “brilhem”

Sacerdotes incardinados na Prelatura do Opus Dei: uma missão de serviço dedicada a promover a santidade e o apostolado dos outros membros da Obra e de todos os que participam nas atividades do Opus Dei.

A aventura dos doze Apóstolos tinha começado quando viram que converteu a água em vinho durante um casamento. Mais tarde, viram-no perdoar aos pecadores e impor as mãos aos doentes. Colaboraram ativamente para dar alimento à multidão e escutaram o discurso do Pão da Vida. A misericórdia por todas as pessoas foi uma lição diária para aquele grupo que Jesus tinha escolhido dentre os seus seguidores, homens e mulheres que o acompanhavam entusiasmados.

Passados três anos, os Apóstolos chegaram a Jerusalém para a Páscoa. Traziam consigo a preciosa experiência de todo esse tempo de convivência próxima com o Senhor, mas a sua fé era ainda imatura: faltava-lhes a lição da cruz e a contemplação do Ressuscitado. Naqueles dias, no Cenáculo, Jesus instituiria a Eucaristia diante dos seus olhos. E ali mesmo, naquela sala, os consagraria sacerdotes, para que perpetuassem o seu sacrifício de amor através dos séculos.

«Fazei isto em memória de Mim» (Lc 22, 19): estas palavras, que ficaram gravadas a fogo nos seus corações, chegaram com toda a força até nós. Desde aquele momento, e obedecendo a este mandato, os sacerdotes repetem-nas com admiração e gratidão na celebração eucarística. Jesus deixa o mais santo – o Seu corpo e o Seu sangue – nas mãos de homens comuns, e envia-os para atar e desatar na terra, desempenhando a sua função sacerdotal em favor dos homens (cf. Mt 16, 19). Por vontade de Cristo, este sacerdócio ministerial é uma realidade essencial: sem ele, não haveria Igreja.

Sacerdotes com o carisma do dia 2 de outubro[1]

Dêmos agora um salto no tempo, de Jerusalém do século I até Madrid do século XX. O Opus Dei encontra-se nos seus primeiros passos, e São Josemaria compartilha esse carisma nascente com alguns sacerdotes diocesanos seus amigos, a quem pede colaboração para as tarefas que está a pôr em pé. Contudo, a maioria daqueles bons sacerdotes não chegará a fazer sua a luz que Deus entregou a São Josemaria, e com o tempo, ir-se-ão desvinculando das suas atividades[2]. É então que o fundador compreende que os sacerdotes de que esta família necessita com uma dedicação plena terão que provir de entre os leigos que se iam incorporando e vivendo aquela vocação. Cedo começa a perguntar a alguns deles se estão livremente dispostos a formular, no seu caso, o chamamento de Deus ao sacerdócio, para servir de um modo novo a família que acaba de nascer. Passados anos, em 1943, São Josemaria receberá uma luz que irá resolver a maneira de os incardinar na Obra; e, a partir de 1944, começarão a receber a ordenação sacerdotal fiéis numerários em grupos mais ou menos numerosos. Umas décadas mais tarde, após a morte de São Josemaria, estando o Beato Álvaro à frente do Opus Dei, receberão também a ordenação pela primeira vez alguns agregados.

São Josemaria vai escrever três cartas para os seus filhos sacerdotes, em que esmiúça os traços específicos do sacerdócio destes numerários e agregados na Obra[3]. Quando começou a escrever a terceira destas cartas, em 1956, tinham passado treze anos desde a ordenação dos três primeiros – Álvaro del Portillo, José Luis Múzquiz e José María Hernández Garnica –, e tinham já sido ordenados sacerdotes mais de 150 numerários. Nestes documentos, encontramos resposta às questões mais importantes: qual é a sua identidade específica, qual a sua missão pastoral e, por último, que estilo de vida têm, dada a sua vocação no Opus Dei.

Muda tudo e não muda nada

Desde muito antes de discernir o seu possível chamamento ao sacerdócio, os numerários e agregados tinham abraçado já o dom do celibato ao acolher a sua vocação. Até à sua ordenação, a chamada divina levara-os a imitar a vida oculta de Cristo: anos de intenso trabalho e evangelização. Cristãos comuns, como todos na Obra, procuram viver com verdadeira alma sacerdotal: oferecem a Deus toda a sua existência como oferenda viva, santa, agradável (cf. Rm 12, 1), comunicando a vida de Cristo a tantos amigos e conhecidos. Que significa, então, o sacerdócio para estes homens celibatários que, durante anos, procuraram viver como apóstolos nos seus locais de trabalho?

Por um lado, muda tudo, porque a transformação operada pelo sacramento é radical. A ordenação sacerdotal dá um novo sentido às suas vidas, torna-os ministros dos mistérios de Deus (cf. 1Cor 4, 1); reveste-os de um novo modo de ser e de situar-se no mundo, encarnando o único sacerdócio de Cristo (cf. Heb 5, 1). São ordenados, com palavras de São Josemaria, «para serem, nem mais nem menos, sacerdotes-sacerdotes, sacerdotes cem por cento»[4]. No entanto, ao mesmo tempo que muda tudo, em nada muda o essencial da sua vocação à Obra. Quando muito, a entrega a Cristo e o seu compromisso com a Igreja reafirmam-se. Por isso, os numerários e agregados que são chamados ao sacerdócio na Obra não sofrem «uma crise de identidade; a sua vocação ao Opus Dei permanece inalterada e íntegra»[5].

Desde a sua época de seminarista, São Josemaria compreendeu a identidade do sacerdote como um serviço. «Só queremos servir»[6]: foi esta a experiência da sua própria vida. Em 1930, poucos anos depois de ter sido ordenado sacerdote, uma pessoa perguntou-lhe por detalhes da sua futura carreira sacerdotal. São Josemaria escreveu para si próprio esta anotação: «O sacerdócio – disse-lhe – não é uma carreira, é um apostolado! – É assim que o sinto. E quis escrevê-lo nestas notas, para que, com a ajuda do Senhor, nunca me esqueça da diferença»[7]. Na carta anteriormente mencionada, datada de 1956, São Josemaria destacava este anseio desde a primeira linha: «Fostes ordenados, meus filhos sacerdotes, para servir. Deixai-me começar por recordar que a vossa missão sacerdotal é uma missão de serviço. Conheço-vos, e sei que esta palavra – servir – resume os vossos anseios, toda a vossa vida. E é o vosso orgulho e o meu consolo»[8]. O horizonte vital do sacerdote é, ao fim e ao cabo, repetir o que Jesus fez na Última Ceia: ajoelhar-se aos pés dos seus amigos.

Ajoelhar-se para ajudar os leigos na sua vocação

Pedro Casciaro recorda como um dia São Josemaria o convidou a pensar durante algum tempo para discernir o chamamento ao sacerdócio. Quando decidiu que efetivamente esse caminho podia ser para ele, conta como, ajoelhado ao seu lado no oratório da casa onde estavam, o fundador do Opus Dei apontou para o tapete vermelho colocado aos pés do altar e lhe disse: «O sacerdote tem que ser como esse tapete; sobre ele é consagrado o Corpo do Senhor; está no altar, sim, mas está para servir; mais ainda, está para que os outros pisem num chão macio, e bem vês, não se queixa, não protesta... Compreendes qual é o serviço do sacerdote? Hás de ver que no futuro, na tua vida, vais refletir sobre isto»[9].

No caso do sacerdote numerário ou agregado, o conteúdo fundamental deste serviço consiste em pôr-se à disposição das suas irmãs e irmãos – ajoelhar-se! – para os ajudar a levar a cabo a sua missão. O novo lugar que o sacerdote ocupa na Obra concretiza-se como um serviço à santidade e ao apostolado dos outros e, por isso, também como salvaguarda da unidade que os torna possíveis. Quem repara num tapete? Quem evita usá-lo quando a sua razão de ser é precisamente que os outros se sintam cómodos e fiquem abrigados do frio do chão? Como um bom tapete que está estendido com discrição, o sacerdote da Obra permanece com gosto em segundo plano, porque sabe que, deixando brilhar os seus irmãos leigos, é mais eficaz: é assim que cumpre a sua missão. Como aconselhava o prelado do Opus Dei aos seus filhos sacerdotes: «que o protagonismo e o brilho da vossa vida sejam os de Jesus Cristo, e que brilhem, se for o caso, as vossas irmãs e os vossos irmãos»[10].

Este desejo de serviço traduz-se em muitos pormenores. É normal na Obra que o sacerdote não se deixe servir pelo facto de ser sacerdote, mas que seja mais um entre os seus irmãos leigos[11]. Mais ainda, sente-se com «mais obrigação que os outros»[12] de servir com alegria, e esta atitude evita qualquer possível rasto de clericalismo no estilo de vida das pessoas do Opus Dei.

Quatro tarefas de uma missão

Voltemos agora à ceia do Cenáculo para reparar no comportamento de Jesus: contemplemos como exerce o único sacerdócio, de que todos os outros sacerdotes participam. O Mestre ajoelha-se e pega numa bacia para lavar os pés dos seus amigos caminhantes. Molha-os com água, esfrega para lhes tirar o pó, e seca-os com a toalha que cingiu à sua cintura. Faz tudo isso com calma, como se não houvesse nada mais importante a fazer nesse momento; ou melhor: porque não há nada mais importante. Da mesma maneira, o sacerdote ajoelha-se porque quer ajudar os seus irmãos a serem santos. Mas, como faz concretamente para cuidar deles? Que tarefa sacerdotal tem que realizar? Qual é a sua missão específica? «Juntamente com o que é próprio do seu ministério sacerdotal na Igreja, que tem o seu centro na Eucaristia, os sacerdotes da Prelatura dedicam-se principalmente ao serviço ministerial dos outros fiéis [da Obra] e ao atendimento sacerdotal das suas atividades apostólicas»[13]. Foi esta a missão que receberam da Igreja: vivificar, com o seu sacerdócio, esta pequena família dentro do povo de Deus. Isso significa, por um lado, que a sua configuração com Cristo sacerdote passa por viver pessoalmente o carisma, para o transmitir com a maior fidelidade possível: serve mais eficazmente aquele sacerdote que melhor quiser encarnar o espírito do Opus Dei. Além disso, o seu sacerdócio está principalmente ao serviço da santidade dos membros da Obra, na sua maioria leigos, dos sócios da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz e daqueles que participarem nas suas atividades apostólicas.

Como é lógico, a dedicação habitual a estas tarefas não limita o exercício do seu sacerdócio, embora sem dúvida o oriente, porque é a razão de ser do seu ministério. Qualquer outro trabalho sacerdotal, por importante que pareça, é secundário, visto que está subordinado à missão para a qual recebeu a ordenação. «Concretamente – acrescenta o Prelado do Opus Dei, especificando ainda mais esta tarefa –, pela peculiar missão pastoral da Prelatura, dedicam-se sobretudo à celebração dos sacramentos da Eucaristia e da Penitência, à pregação da Palavra de Deus, à direção espiritual, e a uma ampla tarefa de formação doutrinal»[14]. Vejamos um pouco mais pormenorizadamente estas quatro tarefas da sua missão.

Em primeiro lugar, os sacerdotes numerários ou agregados vivificam a Obra através da celebração dos sacramentos, especialmente da Eucaristia e da Penitência: os sacramentos do dia a dia, os que acompanham a vida quotidiana do cristão. A celebração diária da santa Missa constitui a tarefa fundamental do sacerdote: é a fonte de que brota toda a força de Deus. Como escreveu São João Paulo II, «a Igreja vive da Eucaristia. Esta verdade não exprime apenas uma experiência diária de fé, mas contém em síntese o próprio núcleo do [seu] mistério»[15]. E quando um sacerdote vive realmente da Eucaristia, nota-se na sua vida e à sua volta, em frutos de santidade e de impulso apostólico.

Os sacerdotes da Obra dedicam também muitas horas ao sacramento da Penitência. São Josemaria desejava que ouvir confissões fosse para os seus filhos «paixão dominante e exercício grato»[16]. Com a prática piedosa da confissão aprendemos «a ter mais dor e, portanto, mais amor»[17]. O sacerdote tem todas essas vezes oportunidade de ser o bom samaritano para os seus irmãos e para os que se aproximam do seu ministério: limpar as suas feridas, aliviá-los com palavras impregnadas de esperança, e arcar com os gastos da sua convalescença. A receção frequente dos sacramentos é a força principal de quem quer levar a santidade a todos os recantos do mundo e a todos os momentos marcantes da vida. Quando o sacerdote centra a sua vida em facilitar o acesso aos sacramentos, toma consciência de cada vez, novamente, do primado da graça: da ação do próprio Jesus no seu trabalho. «Ocultar-me e desaparecer é o que me é próprio, que só Jesus brilhe»[18]: assim resumia São Josemaria o seu trabalho sacerdotal.

Em segundo lugar, o sacerdote é ministro da Palavra, e tem como «primeiro dever, anunciar a todos o Evangelho de Deus»[19]. No Opus Dei, o sacerdote vivifica e abrasa os seus irmãos também com a pregação, que tem por objetivo facilitar, de diversos modos, o encontro pessoal de cada um com Jesus[20]. São Paulo exprimia-o com grande clareza: «Não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor» (2Cor 4, 5). Para mover o coração das pessoas, a pregação deve estar cheia de vida, fazer pensar, tocar o coração, dar esperança. Especialmente, a oração em voz alta é uma peculiaridade – não exclusiva, sem dúvida – do ministério sacerdotal no Opus Dei, dirigida a fomentar a relação pessoal de cada um com Deus. Para rezar e para ajudar a rezar, para mostrar as pontes que existem entre fé e vida, para chegar com dom de línguas às necessidades e circunstâncias dos outros, o sacerdote necessita de dedicar tempo ao estudo, de modo a poder melhorar tanto o estilo como o fundo das suas palavras. Como a finalidade da pregação é sempre e só sobrenatural, o sacerdote necessita de uma relação assídua com o Espírito Santo, que acompanha intimamente os corações dos homens, e põe nas suas mãos o fruto deste ministério da Palavra.

Em terceiro lugar, o sacerdote acompanha as almas. Como assegurava São Josemaria, com a direção ou acompanhamento espiritual «se começou e se fez a Obra; e, principalmente com esse trabalho, se lhe há de dar continuidade»[21]. Esta tarefa é, portanto, imprescindível para o seu desenvolvimento, faz parte do núcleo íntimo do carisma, e corresponde tanto aos leigos como aos sacerdotes. O sacerdote acompanha muita gente, todo o tipo de pessoas, sem excluir ninguém, mas de maneira especial cuida dos seus irmãos e irmãs do Opus Dei. Trata-se de um «trabalho belíssimo, sacrificado, sem brilho, mas muito grato a Deus e muito fecundo»[22], porque tem, além disso, um grande efeito multiplicador. Protegendo sempre a liberdade de cada um, a sua função «é abrir horizontes, ajudar à formação do critério, mostrar os obstáculos, indicar os meios adequados para os vencer, corrigir as deformações ou desvios da caminhada, animar sempre: sem perder nunca o ponto de mira sobrenatural, que é uma afirmação otimista, porque cada cristão pode dizer que tudo pode com a ajuda divina (cf. Fl 4, 13)»[23]. O sacerdote, a partir da sua incumbência de aconselhar no campo espiritual, procura que todas as pessoas possam encontrar nele a proximidade, compaixão e ternura do próprio Jesus, a quem representa[24].

Por último, a quarta tarefa com que o sacerdote pode trazer vida na Obra é a de uma dedicação entusiasta à formação doutrinal, à transmissão da fé. No nosso contexto cultural, é imprescindível dedicar muitas energias a este aspeto da tarefa sacerdotal. Em cada vez mais casos, se trata de um primeiro anúncio que muitas vezes requer, por sua vez, uma reformulação pessoal de muitos temas. «A doutrina é sempre a mesma, mas os caminhos para que os homens a assimilem e se enamorem, diferentes»[25]. Esta missão realiza-se, portanto, através de meios que se adaptam às necessidades de cada momento: meditações, aulas, conferências, seminários, publicações, intervenção nos meios de comunicação ou nas redes sociais, etc. O sacerdote necessita de uma formação intelectual consistente, que enriqueça a sua vida espiritual, e que lhe permita compartilhar com os seus irmãos um profundo conhecimento da fé. Esta formação não pretende transmitir só uns conhecimentos, mas dar a cada um e a cada uma as ferramentas necessárias para elaborarem uma síntese pessoal da sua fé e, assim, serem capazes de iluminar a todos e de aprender também de todos.

Naturalmente, nem todos os sacerdotes serão especialistas em cada uma destas tarefas, nem se sentirão atraídos por todas elas com a mesma intensidade. Em cada lugar, procura-se com prudência encontrar as tarefas que se adequam da melhor maneira a cada um, tendo também em conta as necessidades da Obra. Claro que há muitas mais coisas boas a fazer, mas estes quatro trabalhos, distribuídos de acordo com as características pessoais de cada um, são o núcleo do seu ministério: neles, o sacerdote numerário ou agregado faz-se santo e torna santos os seus irmãos. Esta é a sua maneira concreta de lavar os pés aos seus. «É preciso sermos como a talagarça, que não se vê – dizia São Josemaria –, para que os outros brilhem com o bordado do ouro e das sedas finas das suas virtudes, sabendo pôr-nos a um canto, a fim de que os vossos irmãos brilhem com o seu trabalho profissional santificado, no seu estado e no mundo»[26]. Tudo isto exige do sacerdote uma forte consciência da sua missão e uma íntima união com Cristo, especialmente quando outros trabalhos possam parecer talvez mais urgentes, eficazes ou atrativos. Empenhar-se nesta tarefa supõe uma renovada fidelidade à luz do dia 2 de outubro, da qual faz parte também, como outra faceta dessa mesma fidelidade, a adaptação às necessidades espirituais e culturais do momento.

Um estilo próprio formado por secularidade, unidade e liberdade

A identidade e a missão sacerdotal encarnam na vida de cada um com tonalidades e modos próprios, mas dando lugar a uma forma pastoral concreta. Sem dúvida, «o facto de os sacerdotes da Prelatura viverem, como os outros, o espírito da Obra implica um estilo sacerdotal determinado»[27]: um estilo com traços que podemos descobrir no sacerdócio de São Josemaria, extraindo tudo o que há nele de perene e de universal. Embora só exista um único sacerdote, Jesus Cristo, e seja único o sacerdócio de que participam todos os sacerdotes da Igreja em todo o tempo, também é certo que encontramos na Igreja diversos estilos sacerdotais, de acordo com a vocação e a missão peculiar de cada um. À hora de delinear o estilo de um sacerdote do Opus Dei, podemos voltar de novo à imagem do tapete. Ao pensar nisso, de facto, há muitos tipos de tapete, e escolher um pode chegar a ser uma tarefa complicada, pela enorme diversidade de tecidos e de materiais diversos com que estão confecionados, pelos tamanhos e formas diferentes, etc. Que tipo de tapete é o sacerdote numerário ou agregado?

Neste caso, o estilo é marcado por vários fatores: a vida de família, em que participam ativamente; a dedicação aos seus irmãos, às suas irmãs e às tarefas apostólicas do Opus Dei; a espiritualidade concreta que impregna a sua intimidade com Deus e com as outras pessoas, e outros aspetos da sua missão que dão um selo peculiar ao seu sacerdócio. Este selo não deve ser entendido como um molde, como um princípio de uniformidade, porque cada um conserva o seu carácter e a sua personalidade. Trata-se, antes, de um estilo que brota com simplicidade do carisma que se faz vida e que, por isso mesmo, serve esse carisma.

Contudo, talvez a nota prioritária deste estilo próprio seja a secularidade que os sacerdotes viveram antes da sua ordenação, e que não perdem pelo seu sacerdócio. Esta secularidade leva consigo um modo de pensar e de compreender a realidade, que São Josemaria designava por mentalidade laical. Trata-se de um traço fundamental do ministério sacerdotal de numerários e agregados, entre outros motivos, porque as atividades apostólicas que estão chamados a servir são seculares: dirigidas por leigos, e a eles orientadas. O sacerdote numerário ou agregado está ao serviço de quem dirige essas tarefas; é um apoio para eles e elas, sem pretender ocupar um espaço de governo que não é próprio desta mentalidade laical. Precisamente pelo seu amor ao sacerdócio e por esta secularidade tão característica, São Josemaria aconselhava os sacerdotes a não se meterem «nunca no que é temporal. São os leigos, cada um de acordo com a sua consciência, que se ocupam dos assuntos da terra»[28]. Desta maneira, os sacerdotes podem prevenir melhor o risco do clericalismo, e fomentar a liberdade pessoal dos leigos.

O estilo próprio do sacerdote numerário ou agregado está também fortemente marcado pela missão de ser instrumento de unidade no lugar em que vive, especialmente nos centros de la Obra e nalgumas instâncias do seu governo. O coração do sacerdote aprende de Jesus a servir com gosto todas as pessoas, velando para que se aproximem do Senhor sem se apegarem àquele que é só seu instrumento, e cuidando «com todas as suas forças para que nunca se formem grupos ou capelinhas»[29] à sua volta. Os sacerdotes não fazem um trabalho personalista: são conscientes de que estão a realizar o trabalho de Cristo no mundo, através do Opus Dei. As almas estão nas suas mãos, mas não são deles: são de Deus.

Ao mesmo tempo, já que o seu coração é grande, à medida do de Cristo, escrevia São Josemaria que, cada sacerdote seu filho «não pode conformar-se com cumprir os encargos apostólicos que lhe tiverem dado. Deve ter iniciativa (…)»[30]. Isto vigora ainda com mais motivo em lugares com poucos cristãos ou onde as atividades do Opus Dei exijam uma dedicação de tempo menos absorvente. «Não é próprio nosso estarmos de braços cruzados, à espera de que as almas cheguem»[31], porque também foi o modo de fazer de Jesus: no Evangelho vemos como o Senhor vai à procura das almas. Não espera que O venham ver; dirige-se para onde estão as pessoas: as praças das aldeias, a margem do lago, o Templo.

Ao atuar «com iniciativa, para realizar um abundante trabalho sacerdotal»[32], o sacerdote numerário ou agregado tem em conta, como é lógico, que a sua primeira preocupação está ligada a impulsionar a vida interior e o apostolado de todos os membros da Obra. Para conseguir isto, além de estar sempre ao serviço da Prelatura do Opus Dei, obedecendo ao prelado e aos seus vigários como todo o sacerdote ao seu ordinário, conta com o apoio e conselho dos diretores a respeito dessas atividades. Por outro lado, «na medida do possível, colaboram também em atividades das dioceses»[33]. É algo natural, porque o sacerdote do Opus Dei sabe-se secular, igual aos seus irmãos diocesanos, tanto por mentalidade como por formação. Por este motivo, uni-lo-ão laços de amizade com outros sacerdotes e colaborará com eles, sempre que as suas próprias ocupações lho permitam, oferecendo-se para confessar ou ajudar nas diversas atividades que se realizarem nas paróquias. Em última análise, é grande a transcendência apostólica do sacerdote que está no sítio a que foi chamado e que, ao mesmo tempo, não tem medo de se lançar a novos desafios apostólicos, complicando a sua vida por amor ao Senhor.

* * *

«Muitas coisas grandes dependem do sacerdote: temos Deus, trazemos Deus, damos Deus»[34]. Esta é missão gigante que o Senhor confiou naquela noite no Cenáculo aos primeiros sacerdotes da sua Igreja. Antes de o fazer, no entanto, quis gravar nos seus corações a única atitude que torna possível o serviço sacerdotal: pôr-se de cócoras, ajoelhar-se, como o último, a lavar os pés dos outros. É essa a principal escola para viver um sacerdócio santo, chamado a vivificar a Igreja a partir do carisma que Deus quis para o Opus Dei. Nesta missão nenhum sacerdote está só, porque Maria, «Mãe dos sacerdotes»[35], os escuta quando A procuram, necessitados do Seu auxílio.


[1] Neste artigo, examina-se a vocação dos numerários e agregados que são ordenados sacerdotes. Não é o caso daqueles outros sacerdotes, também «com o carisma do dia 2 de outubro», que, no entanto, estão incardinados numa igreja particular e se mantêm sempre ao serviço dela.

[2] cf. J. L. González – J. Aurell, “Josemaría Escrivá en los años treinta: los sacerdotes amigos”, Studia et Documenta, vol. 3, 2009, p. 41-106.

[3] Trata-se das cartas número 10, 25 e 26, datadas de 02/02/1945, 28/03/1955 e 08/08/1956, respetivamente, e finalmente enviadas em 1966, 1964 e 1966, por essa mesma ordem.

[4] São Josemaria, «Sacerdote para la eternidad», em Amar a la Iglesia, n. 35. (N.T.: Há tradução portuguesa em Amar a Igreja e numa versão em folheto, de ed. DIEL, com o título Sacerdote para a eternidade, mas sem numeração).

[5] Peter Berglar,Opus Dei. Vida y obra del fundador Josemaría Escrivá de Balaguer, Rialp, Madrid, 1987, p. 216.

[6] São Josemaria,Carta 10, n. 17.

[7] São Josemaria,Apuntes íntimos, n. 127; cf. Andrés Vázquez de Prada, El fundador del Opus Dei, vol. 1, Rialp, Madrid, 1997, p. 117 (edição portuguesa: Josemaria Escrivá, Ed. Verbo, Lisboa 2002).

[8] São Josemaria, Carta 26, n. 1. Uns anos depois, o Concílio Vaticano II sublinharia esta compreensão do sacerdócio: pela ordenação e pela missão que receberam «os presbíteros são promovidos ao serviço de Cristo mestre, sacerdote e rei, de cujo ministério participam» (Presbyterorum Ordinis, n. 1).

[9] Pedro Casciaro, Soñad y os quedaréis cortos, Rialp, 4ª edición, Madrid, 1994, p. 69 (edição em português do Brasil: Sonhai e ficareis aquém, Quadrante).

[10] Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 28/10/2020, n. 21.

[11] cf. Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 28/10/2020, n. 21.

[12] São Josemaria, Carta 26, n. 7.

[13] Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 28/10/2020, n. 20; cf. Código de Direito Canónico, c. 295 in fine.

[14] Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 28/10/2020, n. 20.

[15] São João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, n. 1.

[16] São Josemaria, Carta 26, n. 30.

[17] São Josemaria, A solas con Dios, n. 259.

[18] São Josemaria, Carta 28/01/1975, citado em E. Burkhart, J. López, Vida cotidiana y santidad en la enseñanza de San Josemaría, vol. 2, Rialp, Madrid 2011, p. 301.

[19] cf. Concilio Vaticano II, Presbyterorum Ordinis, n. 4.

[20] A pregação pode assumir diferentes formas: uma aula doutrinal, uma prática, uma homilia, uma meditação, etc. São géneros diferentes, com diferentes finalidades que levam consigo focagens e métodos diferentes. Por outro lado, os leigos também glosam a Palavra de Deus na vida do Opus Dei, mas em situações em que não se requer o ministério sacerdotal, tais como no círculo breve, no comentário do Evangelho, nas palestras de formação, etc.

[21] São Josemaria, Carta 26, n. 35.

[22] Ibid., n. 35.

[23] Ibid., n. 37.

[24] cf. Francisco, Discurso num simpósio sobre o sacerdócio, 17/02/2022.

[25] São Josemaria, Carta 26, n. 38.

[26] Ibid., n. 8.

[27] Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 28/10/2020, n. 20.

[28] São Josemaria, Carta 26, n. 51.

[29] Ibid., Carta 10, n. 32.

[30] Ibid. Carta 26, n. 35.

[31] Ibid.

[32] Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 28/10/2020, n. 21.

[33] Ibid.

[34] São Josemaria, Carta 26, n. 17.

[35] Francisco, Homilia, 29/03/2018.

José Manuel Antuña, Andrés Cárdenas, Gerard Jiménez