Projetos de voluntariado em Portugal no Verão de 2019

Finalizado o Verão, recuperamos o relato de dois projetos de solidariedade promovidos por fiéis do Opus Dei em Portugal com alguns amigos: V365 em Lisboa e uma atividade de voluntariado no Centro de Deficientes Profundos João Paulo II, em Fátima

V365 – Uma nova visão do voluntariado

Em 2019, chegou o momento de um novo desafio: como ser voluntário durante todo o ano? (Daí, o nome do projeto: V365!)

Há vários anos que a Residência Universitária dos Álamos organiza Campos de Trabalho no verão para as universitárias que a frequentam. Muitas vezes em Cabo Verde, algumas nos Açores e um pouco por todo o país, grupos numerosos dedicam 15 dias a pôr ao serviço das comunidades locais os conhecimentos adquiridos durante o ano nas suas Faculdades. Mas em 2019, chegou o momento de um novo desafio: como ser voluntário durante todo o ano? (Daí, o nome do projeto: V365!)

Empenhados, mas não comprometidos – é assim que muitos caraterizam a geração Z: os jovens nascidos entre meados da década de 90 e 2010 são conhecidos pela sua preocupação social, ecológica e humanitária. Praticamente todos já estiveram envolvidos num projeto de voluntariado, até porque muitas vezes este é um requisito académico das instituições em que estudam. Mas que poderia fazer de um destes jovens um empreendedor social ou alguém seriamente comprometido com uma organização ou iniciativa social que precisa de voluntários? Para dar resposta a estas questões, surgiu o V365.

Banco Alimentar, Entrajuda, Emergência Social, Just a Change, Amigos Improváveis, Clínica de Cuidados Paliativos e Continuados S. João de Deus, BET 24 e Move.

Pensado para pessoas que têm desejos de melhorar a vida dos que estão à sua volta, o objetivo principal desta primeira edição do V365 foi capacitar em Lisboa uma dezena de jovens universitárias do norte do país para a promoção de iniciativas de apoio social com impacto nos seus lugares de residência. Durante uma semana em que viveram na Residência dos Álamos, as voluntárias tiveram contacto com oito instituições de solidariedade social colaborando de perto com uma destas organizações consoante o seu perfil e áreas de interesse. O projeto assentou em três pilares essenciais: sessões de formação, testemunhos e trabalho em jornada completa. Várias foram as instituições parceiras do projeto que colaboraram para a concretização destas três componentes: Banco Alimentar, Entrajuda, Emergência Social, Just a Change, Amigos Improváveis, Clínica de Cuidados Paliativos e Continuados S. João de Deus, BET 24 e Move.

De manhã cedo, partiam para os trabalhos confiados a cada uma e ao fim da tarde tinham sessões com dirigentes de alguma das organizações já experientes no terreno.

Um exemplo: Como é que na mesma família há três irmãos que fundam três associações de voluntariado? Esse foi o tema da conversa que o grupo pôde ter com a Maria Almeida e Brito, fundadora da Associação Amigos Improváveis. A Maria explicou “o Lourenço começou com o Just a Change; eu, como irmã que vinha a seguir e que vi a associação do meu irmão crescer e que as coisas estavam a resultar, desafiei umas amigas a criar os Amigos Improváveis (AI) depois de uma Missão País e a Ritinha fundou, ainda no secundário, o Tu Podes”. Desafios, oportunidades e dificuldades, a Maria descreveu em detalhe o desenvolvimento dos AI. No final ficou clara uma ideia pela voz de outra das pessoas da direção da associação AI, Maria Chambel Leitão: “de facto, a Maria tem esta vontade toda, teve esta ideia e os irmãos têm estas ideias incríveis, mas não é isto que cria um projeto. O que faz um projeto andar para a frente é uma equipa multidisciplinar. Todas as pessoas da direção dos AI são muito diferentes umas das outras, cada uma tem diferentes competências. Não temos que ser todosaquele que traz novas ideias, mas todos podemos ser empreendedores.”

“eu nunca tinha ido ao armazém do Banco Alimentar, só tinha participado em campanhas. Impressionou-me o clima geral de generosidade e de serviço"

Também Ana Margarida Marcos e João Freire de Andrade explicaram como nas várias etapas das suas vidas sempre estiveram envolvidos em atividades de voluntariado. O João, através do colégio São João de Brito nos Campinácios e no apoio ao estudo no Pragal e a Ana Margarida, no colégio Mira Rio e no clube Darca. Ficaram dois conselhos: “sacrifício e animar. Sacrifício olhando para a própria raiz da palavra: tornar sagrado. Num campo de férias é preciso descobrir o quê de mais sagrado em todas as coisas: desde a Missa até à limpeza diária. E animar no sentido de dar vida e, no caso das pessoas que têm fé, dar a vida sobrenatural. O voluntariado alimenta-nos de alguma maneira. Há atividades em que as pessoas se sentem melhor, uma Missão País, por exemplo. Estas atividades são como uma boa sobremesa. O voluntariado de longo prazo é como o prato principal de uma refeição, mais nutritivo e menos saboroso. Mas uma refeição tem de tudo e o mesmo acontece com o voluntariado”.

As palavras de algumas das voluntárias ajudam a perceber o significado destes dias:

Teresa Tato Lima (Porto, Filosofia) explicou: “eu nunca tinha ido ao armazém do Banco Alimentar, só tinha participado em campanhas. Impressionou-me o clima geral de generosidade e de serviço. Aqui entra-se em contacto com toda uma filosofia de vida que consiste em querer melhorar sempre um bocadinho o estado de coisas com que nos encontramos. A Dra. Isabel Jonet é uma pessoa extraordinária, e uma lutadora, é o motor da fábrica de bem que é o Banco Alimentar. Fez-nos uma visita guiada pelo armazém, mas não foi apenas com o objetivo de nos mostrar o armazém de bens doados, foi para cantar os parabéns ao senhor Peixoto. Quando algum colaborador faz anos, festeja-se sempre o aniversário e Isabel J. faz um discurso. Nesse dia, falou-nos da importância de celebrar a vida das pessoas e agradecer esse dom recebido pelo senhor Peixoto. No Banco Alimentar e na Entrajuda há um sentido de dignidade humana muito profundo em toda a atividade: quer a mais material quer a mais organizativa.”

“Nunca pensei que me pudesse divertir nem aprender tanto reabilitando uma casa

Lúcia Gomes (Braga, Engenharia Têxtil) descobriu o aspeto divertido de ajudar os outros. “Nunca pensei que me pudesse divertir nem aprender tanto reabilitando uma casa. O senhor Zé, encarregado da obra, era exigente connosco e ao princípio um tanto desconfiado “destas meninas”, mas depois percebeu que queríamos mesmo trabalhar a sério e começou a puxar por nós. A dona da casa que estávamos a reabilitar vinha todos os dias ver os trabalhos e falar connosco.Foi-nos perguntando de que é que nós gostávamos e, no último dia, organizámos um lanche com coca-colas, sumos, bolos, amendoins. Utilizámos como mesa o mesmo andaime que nos serviu para a obra, o senhor Zé ensinou-nos como é que se faz nas obras. Juntámo-nos os vários voluntários, rimo-nos, foi um momento de comunhão. Terminei todos os dias coberta de pó e muito cansada, mas cheia!”

“é comovente ver como atividades e tarefas tão normais como fazer a barba, ou cozinhar refeições simples, podem ser objeto de uma terapia de recuperação

Maria Lopes (Braga, Economia Social) esteve a ajudar na terapia ocupacional na clínica São João de Deus e considerou que “é comovente ver como atividades e tarefas tão normais como fazer a barba, ou cozinhar refeições simples, podem ser objeto de uma terapia de recuperação. Aprendemos a olhar de maneira diferente para tudo, com uma visão mais profunda.”

Na bagagem, levam a recordação do senhor Zé, que começou por ajudar no Banco Alimentar e isso deu-lhe a volta completa à vida;

No último dia, as participantes da atividade apresentaram possíveis projetos sociais num “Shark Tank”. O projeto vencedor consistia em criar um projeto gémeo do V365 na Universidade do Minho: formar universitários para a consciência cívica e para a importância de serem empreendedores ao confrontar-se com problemas sociais, a partir do quotidiano e não apenas em períodos de férias.Na bagagem, levam a recordação do senhor Zé, que começou por ajudar no Banco Alimentar e isso deu-lhe a volta completa à vida; a Ana recorda especialmente ter percebido quanto a solidão afeta as pessoas; a Maria viu a gratidão enorme das pessoas, às vezes só com manifestada com o olhar… E a experiência da fundadora da Emergência Social, que trocou uma carreira na área do Direito pela associação que fundou com o que viria a ser o seu marido, depois de se terem conhecido em Fátima a atender deficientes profundos! Hoje, na zona de Lisboa em que estão implantados, já não permitem que aconteça o que a fez voltar sempre, desde a primeira vez em que conheceu o bairro: que uma criança desmaiasse na escola, por não ter tomado o pequeno-almoço!

Em Fátima para ajudar deficientes profundos

Um grupo de universitárias da Residência das Laranjeiras começou o verão com uma semana de voluntariado no Centro de Deficientes Profundos João Paulo II, em Fátima.

O trabalho foi muito variado: desde fazer camas a dar de comer, passando pelo trabalho na lavandaria e, claro, pelas horas de animação durante a tarde, com conversas, passeios e música acompanhada por guitarra ou violino.

não há nada mais gratificante do que ouvir aquelas pessoas a rir e saber que pude tornar os seus dias mais alegres

Para algumas não foi a primeira vez. É o caso da Leonor Teixeira (estudante de pintura na Faculdade de Belas Artes, em Lisboa), que recorda que“não há nada mais gratificante do que ouvir aquelas pessoas a rir e saber que pude tornar os seus dias mais alegres.Fez-me agradecer a Deus tudo o que tenho e o que não tenho. Realço ainda o quão bonito era ver os utentes serem tratados com toda a dignidade que merecem e que muitas vezes não recebem. O carinho maternal com que são tratados fez-me ver que as maravilhas de Deus são infinitas e que Ele tem, na verdade, um plano para cada um de nós.”

"Fraquejei, fraquejei muito. Contudo, assim que pus mãos à obra e pude lidar directamente com aquelas pessoas (ao dar de comer, por exemplo) comecei a dar-lhes espaço para que interagissem comigo"

Já para a Aurora Miranda (estudante de música-ramo violino, no Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro) foi a primeira experiência de voluntariado neste Centro. Assim a descreve: Em Fátima, no centro de deficientes profundos S. João Paulo II vivi, pela primeira vez, uma experiência de voluntariado que implicou sair de mim, das minhas noções de bem-estar e de felicidade, dos meus confortos e regalias. O primeiro impacto foi bem mais forte do que esperava. Havia utentes dos quais nem me conseguia aproximar, ou pela aparência do corpo, pelas expressões deformadas do rosto, ou até pelo cheiro…Fraquejei, fraquejei muito. Contudo, assim que pus mãos à obra e pude lidar directamente com aquelas pessoas (ao dar de comer, por exemplo) comecei a dar-lhes espaço para que interagissem comigo, da maneira que cada qual conseguisse. Muitos não podiam falar, sobre outros ainda me questiono se me ouviam, se me viam, se sabiam que eu estava ali… mas foi mesmo esse desconforto inicial, do não ter resposta e do sentir-me sozinha que me permitiu conhecer vários tipos de silêncio, outros meios de comunicação além da fala e perceber como nessa aparente solidão estava, precisamente, uma oportunidade especial de estar com Jesus. Cada um daqueles meninos se foi revelando um menino Jesus e, quanto às senhoras que os cuidam, autênticas mães por profissão, estou em crer que é neste trabalho que se aproximam do céu. Em tempos tão adversos à dignidade humana elas, todos os dias, dizem “sim” à vida mesmo enfrentando as suas contrariedades. Elas sobem uma escada para o céu e, com elas, pude subir um degrau. Nunca terei como agradecer a todas estas pessoas.