O prelado: «O estudo profundo, alimento de muitas pessoas»

Discurso e homilia de Mons. Fernando Ocáriz na inauguração do ano académico 2019-2020 da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, centro académico de que é Magno Chanceler.

Lição inaugural do prof. Alberto Gil (em italiano)

Discurso do Magno Chanceler da Pontifícia Universidade da Santa Cruz.

Os Estatutos desta Universidade estabelecem que "por meio da pesquisa, do estudo e do ensino das Ciências Eclesiásticas (...) a Universidade pretende servir a Igreja em plena e fiel união com o seu Magistério, cooperando assim com o Romano Pontífice na preocupação por todas as Igrejas [1]. Nestes dias, em que se está a celebrar um sínodo que tem a ver com a missão, é lógico considerar que todo o sistema universitário está intimamente ligado à missão evangelizadora da Igreja, chamada a expandir-se não apenas em toda a geografia , mas no fundo de cada homem e no coração de toda a cultura [2].

Colaborar neste compromisso de servir a Igreja é a própria raiz da atividade docente e de todo o trabalho realizado pelos diferentes departamentos da Universidade. A finalidade educativa da Universidade é realizar, através da sua dupla missão de investigação e ensino, um projeto intelectual e formativo à luz da Revelação Cristã, com o objetivo de tornar as pessoas capazes de transmitir eficazmente a fé no atual contexto cultural e social.

"O SÍNODO TEM A VER COM A MISSÃO DA IGREJA, À QUAL O SISTEMA UNIVERSITÁRIO ESTÁ INTIMAMENTE LIGADO"

A Universidade Pontifícia da Santa Cruz aceitou a indicação do Papa - já expressa na Constituição Apostólica Veritatis gaudium - de promover uma renovação dos estudos eclesiásticos, como a Igreja exige hoje. Para atingir esse objetivo, são necessários alguns critérios básicos que o documento sublinha. Em primeiro lugar, o convite para fortalecer o diálogo entre as diferentes disciplinas: tanto entre as que são propriamente eclesiásticas quanto entre estas e as demais disciplinas do conhecimento humano. O documento refere-se a uma interdisciplinaridade entendida num sentido forte, isto é, como uma verdadeira iluminação e fecundação de todo o conhecimento, através da luz que emana da Revelação Divina [3].

Este é um contributo importante que as faculdades eclesiásticas podem oferecer ao mundo universitário, à sociedade e à cultura em geral [4]. Hoje, perante a crescente fragmentação do conhecimento, vemos como o pensamento pós-moderno renunciou a "grandes narrativas" ou "visões totalitárias". Falta uma visão sábia em todas as disciplinas, bem como na busca de soluções para os problemas que afligem a humanidade. Nesse contexto, um decreto recentemente assinado pelo Presidente da República Italiana, relativo ao reconhecimento pelo Estado dos títulos emitidos pelas instituições de ensino superior erigidas ou aprovadas pela Santa Sé [5], parece abrir caminho a um relacionamento mais frutífero entre as instituições pontifícias romanas de nível superior e as outras universidades italianas, a fim de oferecer ainda mais oportunidades de estudo aos leigos que desejem seguir um curso de formação nas faculdades pontifícias.

Tudo isto pode ter efeitos muito positivos nas relações entre universidade e sociedade, entre o mundo dos estudos e a investigação e o mundo do trabalho e da produção. É a terceira missão, além da investigação e da docência, característica de toda universidade. É um desafio que a Universidade da Santa Cruz assume ao serviço da missão evangelizadora da Igreja, especialmente a mensagem central do Opus Dei: a busca da plenitude da vida cristã nas realidades seculares e na vida quotidiana. Uma oportunidade, pois, de intensificar o diálogo frutífero com a cultura contemporânea. Os professores das diferentes Faculdades já lançaram várias iniciativas deste tipo há algum tempo. Entre eles estão alguns centros, como o Centro de Estudos Jurídicos sobre a Família; o Centro de Mercado, Cultura e Ética (MCE), que visa desenvolver os fundamentos culturais e morais necessários ao funcionamento dos mercados, respeitando a dignidade da pessoa humana, à luz da razão e da fé. Outros projetos são a Escola Superior de Educação Interdisciplinar (SISRI), cujo objetivo é aumentar a cultura humanista e filosófico-teológica de jovens licenciados, e a iniciativa Ciência, Teologia e Pesquisa Ontológica (STOQ), que, em colaboração com outras universidades romanas , tenta desenvolver o diálogo entre ciência e fé, por meio de programas de estudo e investigação. Existem outros grupos de investigação, como Family and Media, o Working Group on Relational Ontology Research e vários outros.

O contributo da Universidade como um todo não depende apenas do corpo docente: é o resultado do trabalho sinfónico de todos os que a compõem. Em particular, juntamente com os vários aspetos da educação formal, a impressão educativa do que se denomina currículo oculto é considerada cada vez mais relevante. Ou seja, essa comunicação informal, aparentemente invisível, difícil de concetualizar, que pertence a toda a comunidade universitária. Essa ação pedagógica, composta por palavras, gestos e atitudes, cria um ambiente familiar rico em encontros humanos e atua como fonte de ensino-aprendizagem que entra em sinergia com a dimensão académica. Não é raro que os alunos enfatizem que, juntamente com a beleza e a profundidade da experiência intelectual recebida, se envolveram poderosamente na formação humana e espiritual através da amizade e da unidade da vida apostólica compartilhada pela comunidade académica. O tom familiar e o alto nível académico fazem parte do precioso legado que recebemos de S. Josemaria, continuado pelos dois primeiros Magno Chanceleres desta Universidade, o Beato Álvaro del Portillo e o Bispo Javier Echevarría.

Agradecemos a Deus pelo trabalho realizado até agora e continuamos a pedir a ajuda ao Espírito Santo para continuar a nossa missão universitária. Confio à intercessão maternal de Maria o ano académico 2019-2020, que agora declaro aberto. Homilía del prelado del Opus Dei.


Homilia do prelado do Opus Dei

A primeira leitura que ouvimos apresenta-nos a grande festa judaica do Pentecostes: naqueles dias, muitos israelitas peregrinavam a Jerusalém. Tinham passado quase dois meses desde a crucificação. Foi a primeira vez que os discípulos de Jesus passaram essa festa sem o Mestre. A cidade estava cheia de estrangeiros, pessoas desconhecidas, que vieram "de todas as nações debaixo do céu" (At 2: 5), mesmo de Roma. Após a narração da vinda do Espírito Santo, os Atos dos Apóstolos fazem referência a um facto que diz respeito a todos nós, também aos que aqui estão reunidos: todos ouviram os discípulos falarem sobre as "grandes obras de Deus" (At 2,11).

Hoje começa um novo ano académico - o trigésimo quinto - desta universidade pontifícia. Poder-se-ia dizer que, como as pessoas que se reuniram então em Jerusalém, viemos de todas as nações debaixo do céu. Poder-se-ia dizer também que o nosso desejo, como o dos discípulos reunidos, é falar das grandes obras de Deus. Por isso, celebramos a missa votiva do Espírito Santo; porque, como Jesus nos diz no Evangelho que acabamos de proclamar, é o Paráclito que "nos ensinará todas as coisas" (Jo 14,26) para que, por sua vez, possamos transmiti-las a outras pessoas.

Lembro-me de algumas das palavras de São Paulo quando, prisioneiro nesta cidade de Roma, escreveu a Timóteo: "Quanto de mim ouviste (…) transmite-o a pessoas de confiança, que sejam capazes de o ensinar também a outros."(2 Tim 2.2). O Senhor dirige as mesmas palavras a todos os que estamos reunidos nesta celebração eucarística. Hoje, o Senhor nos chama - a todos e cada um de nós - a fazer parte desse grupo de fiéis encarregados de transmitir a fé, com profundo conhecimento, cada um no seu próprio ambiente: nos seminários, paróquias, congregações religiosas ou nas muitas ocupações correntes do mundo.

S. Tomás de Aquino, padroeiro da nossa Faculdade de Teologia, sublinhou o valor apostólico daqueles que se dedicam ao estudo e ensino da "perfeição de Deus"; Embora possa parecer um trabalho muito afastado da pastoral, a realidade é que os que formam os formadores desempenham um papel muito importante na proclamação do Evangelho a muitos outros (cf. Quodlibet I, q. 7 a. 2 co). Na verdade, há muito mais pessoas nas salas de aula do que se pode ver à primeira vista. O estudo aprofundado converter-se-á, mais tarde, no alimento de muitas pessoas, que talvez nem cheguemos a conhecer.

Para realizar este apostolado de anunciar as "grandes obras de Deus", é indispensável, como recordava o Papa Francisco, "ajoelhar-se diante do altar da reflexão" (Videomensagem 1-3 /IX/2015). Não basta recitar uma breve oração antes de começar a estudar, é necessário fundir as duas realidades no coração: "pensar rezando e rezar pensando" (Ibid.).

Quando isolamos a reflexão intelectual sem a integrar numa relação de amor com Deus e com a vida dos outros, corremos o risco de que se converta num discurso que, em palavras de S. Paulo, "incha", mas não "constrói" (cf. 1 Co 8, 2). Portanto, ao recomendar aos cristãos que tenham "doutrina teológica", S. Josemaria nunca deixou de uni-la à necessidade de uma "piedade de crianças" - não menos importante - (cf. Cristo que passa, n. 10) . Peçamos ao Senhor que nos conceda uma alma contemplativa, porque só então podemos descobrir a verdadeira profundidade e beleza da Sua doutrina.

O estudo da Teologia, Filosofia, Direito Canónico ou Comunicação Institucional não pode permanecer desligado dos problemas e questões da vida concreta das pessoas ao nosso redor. Pelo contrário: o estudo deve ser um serviço à Igreja. Bento XVI, referindo-se à teologia de São Tomás de Aquino, sublinhou que fazia o seu trabalho "no encontro com as verdadeiras questões do seu tempo" (Audiência, 23-VI-2010).

Nunca nos separemos das pessoas, por inércia ou por conveniência. As aspirações e preocupações do nosso mundo também devem entrar no estudo, na investigação e na oração. Jesus Cristo assim fez: ouviu as perguntas espontâneas dos que iam ao Seu encontro (cf. Mt 19, 27; Mc 12, 18; e outros), foi às casas de muitas pessoas (cf. Lc 19, 5 e outros), participou nas suas alegrias (cf. Jo 2, 2 e outros) e nas suas tristezas (cf. Lc 8, 42 e outros).

Peçamos, pois, ao Espírito Santo que nos recorde, como lemos hoje no Evangelho, tudo o que Nosso Senhor disse, e que nos anime a seguir o Seu exemplo.

Costuma-se dizer que os santos são os verdadeiros teólogos, em virtude do conhecimento de Deus alcançado pelo amor. A vida e os escritos de S. Josemaria constituem uma fonte muito rica de reflexão académica. Encorajo-vos a conhecer a sua figura durante os vossos anos de estudo nesta universidade, que ele próprio promoveu: descobrireis, como em outros santos da Igreja, uma harmonia entre a vida de oração, o estudo profundo e a vibração apostólica.

Como os discípulos que, cheios do Espírito Santo, proclamaram a mensagem de Cristo em todas as línguas, também pedimos ao Paráclito que nos ilumine neste novo ano de estudo para conhecer melhor Jesus. E neste compromisso, não podemos deixar de dirigir-nos também a Nossa Senhora, nossa Mãe: é Ela quem, cheia do Espírito Santo, melhor conhece o Seu Filho.

Assim seja.


[1] Statuti, 3 &1

[2] Cf. Const. Ap. Veritatis gaudium, 27 dezembro 2017, nn. 1-2.

[3] Cf.Ibidem, n. 4 c).

[4]Cf. Ibidem, n. 5.

[5] Decreto do Presidente da República de 27 maio 2019, publicado na Gazzetta Ufficiale n. 160 de 10 julho 2019.