O Beato Josemaría Escrivá deu à Igreja e ao Mundo aquilo de que – como ele disse – o Mundo mais precisa. Foi santo. O Mundo precisa de Santos. Ele foi-o de modo exemplar, num século que tantos santos teve, muitos graças ao seu exemplo. Devemos a João Paulo II o reconhecimento dessa graça que o Espírito Santo concedeu ao nosso tempo. As palavras contam, mas de nada valem sem o testemunho da vida. Poucos são tão exímios como o Diabo a citar a Palavra de Deus contra o seu Espírito. A prova real – certifica-o agora o Papa – é a da vida.
A presença do Beato Escrivá no nosso tempo gerou dons que ainda nem sequer adivinhamos. Jesus garantiu: “Estarei convosco até ao fim dos tempos”. Além dessa presença, que os cristãos cremos ser constante, é um mistério da História que, em cada tempo de crise, o Espírito inspira criadores de movimento e de mudança, como Santo Agostinho e S. Bento; S. Francisco de Assis, S. António de Lisboa e S. Domingos de Gusmão; S. Inácio de Loiola ou S. Francisco Xavier... tantos mais! Uns com os outros, nunca uns contra os outros. O dom de Monsenhor Escrivá foi o da plenitude cristã da condição dos leigos, evangelizadores de primeira linha neste Mundo secularizado.
Pio XI, ao criar uma Acção Católica que associasse os leigos ao apostolado da Hierarquia, o Concílio Vaticano II (na Lumen Gentium e na Apostolicam Actuositatem) ensinaram que, no Mundo secular, plural e hoje global em que vivemos, os leigos são protagonistas essenciais da evangelização, da santidade e da animação do Mundo para o desenvolvimento e a felicidade de todos os homens (que os cristãos concebemos, no mais alto nível de comunhão pessoal e solidária com Deus, o Homem e o Universo, como Salvação). Outros ministérios são necessários (do sacerdócio à vida religiosa), mas voltámos à condição radical do momento em que Cristo fundou a Igreja. “Todos os fiéis, e mais precisamente os leigos, encontram-se na linha mais avançada da Igreja (...), devem ter uma consciência cada vez mais clara de (...) serem a Igreja”, escreveu Pio XII, recordado num luminoso livro de D. António dos Reis Rodrigues.
Ao fundar o Opus Dei em 1928, o Beato Josemaría teve cedo a inspiração desta Igreja-Povo de Deus (é isso o equivalente à democracia na Igreja, que é comunidade de serviço e não de poder). O Mundo de hoje só se evangeliza pela santificação livre e plural no trabalho, na família, na escola, na empresa, na política... Em suma, na partilha plena da vida com todos os homens e estruturas da comunidade e não no isolamento de uma sociedade fechada; na liberdade e não na submissão clericalista. Uma Igreja laical (popular) num Mundo popular.
Eis meros exemplos do que devemos ao autor do Caminho. Conservador? Ao contrário. Um caso eminente de santidade pessoal e nisso está o dom máximo de qualquer cristão ao Mundo. Uma doutrina clara de emancipação do Povo de Deus que, com os pastores, forma a Igreja – não é súbdito dela, nem dela. A fundação de um dos primeiros e mais perfeitos movimentos da cristandade laical – na necessária pluralidade dos dons e das vocações, presente às claras na Empresa, na Universidade, entre ricos e pobres, intelectuais ou operários, em tudo quanto é Mundo e Futuro da nossa sociedade plural. Muito daquilo de que será feito o Futuro e começa a ser já a Igreja reformada pelo Concílio e por João Paulo II. Um sulco forte, um largo caminho a percorrer para todos.
Falo como homem cristão, crente e pecador; não como membro do Opus Dei, que não sou nem fui. E reparo que dizê-lo não é natural; impõe-no apenas a perseguição e a calúnia. Precisaria de dizer que não sou maçon para apreciar a suprema beleza criada por Mozart? Que não sou comunista se reconhecer o que Oscar Niemeyer representa na arquitectura do século XX? Claro que não: nisto afinal está a suprema homenagem de um mundo de contra-valores. Di-lo a última das Bem-aventuranças (Mateus 5, 11-12): “Felizes sereis quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós. Exultai e alegrai-vos”. Também por isso, obrigado, Monsenhor Escrivá.