Paulo (Braga) : Harry Potter, uma dor de dentes e a pedra filosofal

Filho de imigrantes no Canadá, perseguia o sonho de ser dentista. O caminho não foi fácil: Vila do Conde, Braga, Algarve e Londres. Como “Harry Potter”, também descobriu a sua “pedra filosofal”.

Os meus pais são de Negreiros (Barcelos). Nos anos 80’ decidiram emigrar para o Canadá acompanhados pelo meu irmão e a minha irmã. Foram para Simcoe, no sul do Ontário, onde acabei por nascer em 1991. A minha família tinha dificuldades económicas e tínhamos todos que trabalhar no campo com horários exigentes e uma vida difícil. O meu pai trabalhava na construção e chegava cansado a casa. Eu sonhava com ter uma vida mais digna, com mais condições.

Estudei, tinha os meus amigos e aproveitava as férias para trabalhar ao lado dos meus pais no campo nas colheitas de tabaco, amoras e morangos. Gostava de Country Music. Li a saga do “Harry Potter” sem parar. Em “Harry Potter e a pedra filosofal”, marcou-me a aventura de descobrir algo escondido nas profundezas de um castelo, aquela pedra capaz de transformar metal em ouro puro e produzir o elixir da vida eterna.

“Onde está a minha pedra filosofal?” “Que planos tens para mim? ”. Tinha quinze anos e comecei a tratar Deus por Tu, descaradamente…

Lembro-me de andar descalço no campo, respirando o ar quente e húmido do verão e perguntar a Deus: “Onde está a minha pedra filosofal?” “Que planos tens para mim? ”. Tinha quinze anos e comecei a tratar Deus por Tu, descaradamente…

Uma dor de dentes e um “chumbo num exame”

Foi uma noite terrível e não aguentava mais. Tinha 16 anos assaltou-me uma grande dor de dentes. Fui ao dentista e comecei um tratamento semestral com um jovem recém-licenciado em medicina dentária. Marcou-me a sua amabilidade e profissionalismo e pensei: “Quero ser isto, quero ser dentista para tirar as dores às pessoas”.

Terminei o ensino secundário no Canadá na Holy Trinity Catholic School. Estive três anos na equipa de futebol da escola e namorei a líder de claque durante uma boa parte do liceu. Aos fins de semana ia sair com amigos e beber umas cervejas. Os meus pais não falavam inglês e quando havia reuniões de pais na escola eles precisavam de um tradutor.

Aos fins de semana ia sair com amigos e beber umas cervejas. Os meus pais não falavam inglês e quando havia reuniões de pais na escola eles precisavam de um tradutor

O sonho de ser dentista ia ganhando forma. Queria estudar fora do Canadá e procurei ver onde poderia fazer os exames em Portugal. Instalei-me em Gandra (Paredes) e fiz os exames nacionais de Biologia e Geologia. Reprovei na primeira fase. Fui aprovado na segunda e entrei em Ciências da Saúde na CESPU no Porto.

Era uma pessoa de fé e procurava rezar especialmente nas vésperas dos exames. Ia à Missa ao Domingo no Santuário da Beata Alexandrina de Balazar, um templo dedicado especialmente à devoção à Sagrada Eucaristia.

S. Josemaria e um murro no estômago

Num domingo recordo que cheguei uns minutos antes da Missa. Sentei-me e vi que um senhor se colocou ao meu lado. Tirou do bolso um pequeno livro, que tinha o título "Caminho". No Canadá é habitual as pessoas trazerem os seus missais para a celebração. Mas este livro era diferente. No final, esta pessoa deu-me a conhecer o livro, explicou-me brevemente quem era o autor e o que era o Opus Dei.

O Sr. Manuel, assim se chamava este amigo, abriu-me um panorama novo aos meus 26 anos. Com naturalidade, comecei a frequentar as atividades de formação do Opus Dei em Braga abertas a todos e a ler os escritos de S. Josemaria que estão acessíveis na internet.

Num encontro com Manuel, um amigo improvável que me fez descobrir S. Josemaria

Senti-me sempre muito bem recebido e parecia que aquilo que ouvia estava dirigido só para mim. A santificação na vida diária, o encontro com Deus no meu trabalho e o serviço à sociedade: procurar aliviar o sofrimento a tanta gente.

Neste centro do Opus Dei fiz verdadeiros amigos com quem partilhava os momentos de oração semanal nas meditações ou as longas caminhadas no Gerês. Um dia fiz voluntariado no Centro Social de Cibões no Gerês: fazer as camas, limpar os quartos, animar os menos jovens. Percebi que não me podia queixar das dificuldades. Que tinha que ser mais humilde: há pessoas que sofrem no silêncio e são um “murro no estômago” para a nossa autossuficiência.

"Fiz voluntariado no Lar de Cibões (Gerês). Percebi que tinha que ser mais humilde: há pessoas que sofrem no silêncio e são um “murro no estômago” para a nossa autossuficiência"

Um dia ajudaram-me a fazer bem a confissão, com uns momentos de exame de consciência. Confessei-me pouco depois, uma confissão mais a sério. Até transpirei. No final, fui à capela rezar a penitência. Olhei para o sacrário a chorar e disse-Lhe: “Obrigado Jesus porque me perdoas sempre!”.

Roma, Algarve, Londres

O meu curso ia avançando. Em 2019, um amigo convidou-me para ir ao UNIV, um congresso universitário que reúne em Roma 3.000 jovens durante a Semana Santa. Havia pessoas de todo o mundo, de diferentes nacionalidades e culturas. Não era só gente de “calças chino, casaco azul e gravatas a condizer”. Depois dos encontros com o Santo Padre e com o Prelado do Opus Dei, pensei que o Opus Dei poderia ser o meu caminho: estas pessoas, esta alegria tem tudo a ver comigo. E pedi a admissão no Opus Dei como supranumerário.

Com Dr. John (o meu mentor) e Jack no consultório

Entretanto, conheci a Annalisa que veio a ser a minha namorada e mais recentemente a minha noiva. Vamos casar no dia 10 de dezembro em Balazar e espero que Deus nos abençoe com uma família feliz. Sei que o casamento é mais um passo neste projeto de Deus para mim e fico muito contente por se concretizar no Ano dedicado à família convocado pelo Papa Francisco.

Terminei o curso no final de 2019 e logo depois começou a pandemia. Os estágios estavam cancelados e tinha um grande desejo de pôr em prática tudo o que aprendi durante a universidade. Também aqui tive muita sorte, ou a mão da Beata Alexandrina, ou de S. Josemaria. Não sei. Por mero acaso, apresentaram-me um médico que viria a ser o meu mentor com quem trabalhei em várias clínicas. Mais tarde mudei-me para o Algarve, onde trabalhei nos últimos dois anos.

Além de médico, procuro ser uma voz amiga. Outro dia apareceu uma senhora com um cancro. Sugeri-lhe que fosse a Fátima e sei que isso a confortou. Outras vezes, tento ser o mais honesto possível: propor tratamentos mais económicos com resultados semelhantes, sugerir rotinas de higiene oral para que as pessoas venham menos vezes ao dentista.

"Procuro conhecer e ajudar os meus pacientes e ser mais do que um dentista"

Agora estou de partida para Londres onde continuarei a minha carreira profissional. Sinto-me muito “pequeno” depois de escrever estas linhas. Deus é mais forte que todas as adversidades. Nunca pensei que aquelas perguntas que me fazia descalço no meio do campo me conduziriam a tantas aventuras e a encontrar a minha “pedra filosofal”.