Patriarca de Lisboa: "Viver o ministério sacerdotal, celibatário e total, é um legado indispensável"

Excerto da homilia do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, na homilia da cerimónia de ordenações do dia 29 de junho de 2019

Dirijo-me agora a vós, caríssimos ordinandos de presbítero, lembrando o que São Paulo VI escreveu há meio século na encíclica Sacerdotalis Caelibatus, cuja oportunidade permanece.

Na verdade, as objeções que aqui e ali se levantam ao exercício celibatário do sacerdócio na nossa Igreja Latina, já vêm todas elencadas e refutadas nesse notável documento, o mais completo e sistemático do magistério pontifício sobre o assunto.

Escreve o Papa Montini: «O sacerdócio cristão, que é novo, não pode compreender-se senão à luz da novidade de Cristo, Pontífice supremo e Sacerdote eterno, que instituiu o sacerdócio ministerial como participação real no seu sacerdócio único» (SC, 19).

o dom do celibato reforça a imagem de Cristo sacerdote, que assim mesmo viveu, como oferta de Deus Pai a todos, para todos oferecer consigo ao Pai

No vosso caso, o dom do celibato reforça a imagem de Cristo sacerdote, que assim mesmo viveu, como oferta de Deus Pai a todos, para todos oferecer consigo ao Pai. É esta particular coincidência que realça e ativa a novidade evangélica, prossegue São Paulo VI: «É o mistério da novidade de Cristo […] que torna desejável e digna a escolha da virgindade por parte dos que são chamados pelo Senhor a participar da sua função sacerdotal e a partilhar o seu próprio estilo de vida» (SC, 23).

No mesmo sentido escreveu recentemente o Papa Francisco, destacando entre as vocações cristãs, nomeadamente laicais e matrimoniais, não menos preciosas, a vocação à vida consagrada ou sacerdotal: «No encontro com o Senhor, alguém pode sentir o fascínio de uma chamada à vida consagrada ou ao sacerdócio ordenado. Trata-se de uma descoberta que entusiasma e, ao mesmo tempo, assusta, sentindo-se chamado a tornar-se “pescador de homens” no barco da Igreja através de uma oferta total de si mesmo e de um serviço fiel ao Evangelho e aos irmãos. […] E, todavia, não há alegria maior do que arriscar a vida pelo Senhor!» (Mensagem para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, 31 de janeiro de 2019).

Trata-se de uma descoberta que entusiasma e, ao mesmo tempo, assusta, sentindo-se chamado a tornar-se “pescador de homens” no barco da Igreja

Cristo valorizava o bem que outros faziam, mesmo não pertencentes ao seu grupo; e a Igreja não tem o monopólio da bondade, nem sequer o da religião, que são lote comum e propensão espontânea de toda a criatura humana. Mas atrai sempre para o último estádio das coisas - das que no tempo acontecem, não como fim em si mesmas, antes promessa além delas. Quando tal não sucede e as realidades temporais se absolutizam, tudo descai e definha, como tragicamente sucede.

Jesus Cristo inaugurou um mundo em que só Deus é Senhor, para que todos sejamos verdadeiramente filhos e solidariamente irmãos. Não constituiu uma família de sangue, para assinalar a família divina que há de ser a de todos.

Por isso mesmo, entre as várias vocações e carismas, surge a vida consagrada e celibatária, para que não se esbata, antes alimente, a tensão para o que seremos finalmente em Deus. Como anunciou: «Na ressurreição nem os homens terão mulheres nem as mulheres, maridos; mas serão como anjos no Céu» (Mt 22, 30). Bem vistas as coisas, a vida terrena, na variedade das suas formas, deve educar-nos para a visão de Deus, essa sim absoluta, bastante e eterna.

Viver o ministério sacerdotal como Cristo e Paulo o viveram, celibatário e total, é um legado indispensável da tradição viva que assim mesmo iniciaram.

Viver o ministério sacerdotal como Cristo e Paulo o viveram, celibatário e total, é um legado indispensável da tradição viva que assim mesmo iniciaram. Significa e alimenta em quem o vive a radicalidade evangélica de quem deixa o habitual para alcançar ainda mais. Todos deixaremos tudo, tarde ou cedo, quando a morte nos levar. Todos ganharemos tudo, se desde já o ganharmos em Cristo, na caridade que nunca acabará. Alguns e algumas, pelo sacerdócio celibatário e pela virgindade consagrada, realizam-no especialmente em si, para o lembrarem aos outros, como horizonte final e aberto. Diz-se que “o homem é a medida de todas as coisas”; mas, em Cristo, é Deus a medida da humanidade