Para recordar a mãe de S. Josemaria

Na biografia de S. Josemaria*, pode encontrar-se esta descrição do dia 22 de abril, data do falecimento de Dolores Albás, mãe de S. Josemaria, carinhosamente tratada por Avó pelos membros do Opus Dei, desde os inícios.

Era uma mulher sã, trabalhadora e resistente. Muito poucas vezes foi à cama. Não se lhe conheciam outros achaques, para além do reumatismo, embora tenha ficado indubitavelmente abalada na sequência das dores da guerra. Saía muito pouco de casa; só para ir à missa e fazer uma ou outra compra. Excecionalmente, um dia de Primavera, por volta de 12 de abril, levaram-na ao Escorial. No dia seguinte, estava com fortes dores de cabeça, e foi-lhe diagnosticada uma ligeira afeção dos brônquios. Depois, teve febres altas e a doença seguiu o seu curso normal. Contudo, os médicos que cuidavam dela, Juan Jiménez Vargas e outro colega, não estavam excessivamente preocupados com o destino da paciente.

Por essa altura, o Padre Josemaria tinha sido convidado pelo Bispo Administrador Apostólico de Lérida, D. Manuel Moll, para dar um retiro aos sacerdotes da diocese. Ao ver aproximar-se a data da partida, consultou os médicos sobre o estado de saúde de sua mãe. Eles tranquilizaram-no. A evolução da doença indicava melhoras. De maneira que, a 20 de abril, o sacerdote despediu-se, pedindo-lhe que oferecesse os sofrimentos pelo trabalho que ia fazer naquele retiro. Quando o filho ia a sair do quarto, Dolores deixou escapar, da cama, um «Este filho!», dito a meia voz. Como se pressentisse a dimensão do sacrifício que lhe estava a ser-lhe pedido.

a 20 de abril, o sacerdote despediu-se, pedindo-lhe que oferecesse os sofrimentos pelo trabalho que ia fazer naquele retiro. Quando o filho ia a sair do quarto, Dolores deixou escapar, da cama, um «Este filho!»,

Apesar de Álvaro ter comunicado ao Padre, por telefonema para Saragoça, que a mãe continuava a melhorar, o Padre Josemaria tinha um vago pressentimento do sacrifício que também lhe seria pedido a ele. Logo que chegou ao seminário de Lérida, dirigiu-se ao sacrário com esta oração: Senhor, cuida de minha mãe, já que eu estou a tratar dos teus sacerdotes. Depois foi para o quarto e, ainda com o mesmo pressentimento triste, escreveu ao Vigário Geral de Madrid:

Acabo de chegar a Lérida, e remói-me a consciência por não te ter dito que vinha dar um retiro a sacerdotes. Não tive materialmente tempo de te ver. Só falei com Lahiguera. Deixei a minha mãe bastante doente em Madrid. Pede ao Senhor que, se for essa a sua Vontade, não ma leve ainda: parece-me que Ele e eu precisamos dela na terra.

Vinte e quatro horas depois, a doença agravou-se repentinamente, com todos os sintomas de uma pneumonia traumática. Levaram-lhe os últimos sacramentos e, na madrugada de 22 de abril, entrava em lenta e plácida agonia. A tal ponto que, «na manhã anterior à sua morte», conta Santiago Escrivá de Balaguer, «fui ao seu quarto despedir-me, antes de ir para a universidade, como fazia todos os dias.»

Agonizava no momento em que o Padre Josemaria preparava uma prática para os sacerdotes no seminário de Lérida, onde abordaria o papel desempenhado pela mãe do sacerdote na vida do seu filho, como ele próprio refere:

A meio do retiro, ao fim da manhã, dei-lhes uma prática: comentei o trabalho sobrenatural, o inigualável ofício que compete a uma mãe junto do seu filho sacerdote. Ao terminar, quis ficar recolhido um momento na capela. Quase imediatamente, o bispo administrador apostólico, que também estava a fazer o retiro, aproximou-se de mim com o rosto alterado, e disse-me: tem Álvaro ao telefone. Padre, a Avó morreu, ouvi Álvaro dizer.

Voltei para a capela, sem uma lágrima. Percebi imediatamente que o Senhor meu Deus tinha feito o que mais convinha. e chorei, como chora uma criança, rezando em voz alta- estava sozinho com Ele- aquela longa jaculatória que tantas vezes recomendo: fiat, adimpleatur, laudetur…iustissima atque amabilisssima voluntas Dei super omnia. Amen. Amen. Desde então, sempre pensei que o Senhor quis pedir-me este sacrifício, como prova exterior do meu amor aos sacerdotes diocesanos, e que minha mãe continua a interceder especialmente por este trabalho.

Voltei para a capela, sem uma lágrima. Percebi imediatamente que o Senhor meu Deus tinha feito o que mais convinha. e chorei, como chora uma criança, rezando em voz alta- estava sozinho com Ele

O governador civil de Lérida, Juan Antonio Cremades, conhecido dos tempos de Saragoça, colocou um automóvel à sua disposição. Porém, devido a uma série de percalços, só chegaram a Madrid às quatro da madrugada. O Padre Josemaria entrou no oratório da casa da Rua Diego de León, onde estavam a velar os restos mortais. Depois de um pranto contido e sereno diante do cadáver de sua mãe, pediu a Álvaro que o ajudasse a recitar um Te Deum.

Saiu do oratório e explicaram-lhe com algum pormenor como se dera o falecimento, enquanto ele protestava em voz baixa com o Senhor: Meu Deus, meu Deus, o que me fizeste? Vais-me tirando tudo; tiras-me tudo. Eu pensava que a minha mãe lhes fazia muita falta, a estas minhas filhas, mas deixas-me sem nada, sem nada! A seguir, preparou-se para celebrar a Missa de corpo presente, a que se seguiram outras, celebradas por sacerdotes amigos. O enterro foi à tarde. Presidiram ao séquito, ao lado do Padre Josemaria, o seu irmão Santiago e Frei José López Ortiz. Dona Dolores foi sepultada no cemitério madrileno de La Almudena. E o Fundador ficou com a firme convicção sobrenatural de que a morte de sua mãe estava ligada ao trabalho com os sacerdotes, conforme dá a entender nas cartas desses dias:

Agradeço com toda a minha alma os seus caridosos pêsames na sequência do falecimento de minha mãe. Foi um duro golpe para mim e, ao mesmo tempo, muito consolador; porque me ajudou sempre com carinho no meu trabalho sacerdotal, e já terá recebido a sua recompensa de Nosso Senhor.

Foi um duro golpe para mim e, ao mesmo tempo, muito consolador; porque me ajudou sempre com carinho no meu trabalho sacerdotal, e já terá recebido a sua recompensa de Nosso Senhor.

Repetia-se a lição de que, na sua vida, Deus o fazia ir sempre um passo à frente dos seus filhos. Não tinha estado presente aquando da morte de José Escrivá, nem agora, no momento da morte de sua mãe. Quanto mais meditava nestes dois acontecimentos, mais claro era o ensinamento de que também tinha que dar o exemplo nesse desprendimento. É que, no futuro, muitos dos seus filhos, enviados a expandir a Obra para terras distantes, estariam ausentes no momento da morte de seus pais.

Dois dias depois do enterro- refere José Luis Múzquiz - , dirigiu uma meditação no oratório onde tinham velado o cadáver. Olhando para o sacrário, como fazia com frequência, e aceitando plenamente a vontade de Deus, orava assim:

Senhor, fico contente por teres tido essa confiança comigo, porque, embora procuremos que os meus filhos estejam ao pé dos pais quando estes morrerem, nem sempre será possível, por necessidades do apostolado. E tu quiseste, Senhor, que também nisto eu fosse à frente.


*Excerto do vol. II de Josemaria Escrivá de Andrés Vázquez de Prada, Ed. Verbo, Lisboa 2003, p. 368-371 (adaptação de www.opusdei.pt).