Palavras de S. Josemaria para as famílias que estão em casa

S. Josemaria Escrivá dedicou boa parte da sua pregação à família. Neste período de quarentena em que a maioria das famílias está em casa, sugerimos algumas reflexões propostas pelo Fundador do Opus Dei, extraídas do livro “Entrevistas a S. Josemaria”.

Relação entre Pais e Filhos

“O problema é antigo, ainda que talvez agora se apresente com mais frequência ou de forma mais aguda, por causa da rápida evolução que caracteriza a sociedade atual. É perfeitamente compreensível e natural que jovens e adultos vejam as coisas de maneira diferente. Sempre foi assim. Surpreendente seria que um adolescente pensasse da mesma maneira que um adulto. Todos sentimos impulsos de rebeldia para com os mais velhos quando começamos a formar o nosso critério com autonomia; e todos também, com o passar dos anos, compreendemos que os nossos pais tinham razão em muitas coisas que eram fruto da sua experiência e do seu amor por nós. Por isso, compete em primeiro lugar aos pais — que já passaram por essa situação — facilitar a entendimento: com flexibilidade, com espírito jovem, evitando possíveis conflitos com amor inteligente.

Sempre aconselho os pais a que procurem tornar-se amigos dos filhos. Pode-se harmonizar perfeitamente a autoridade paterna, requerida pela própria educação, com um sentimento de amizade, que exige colocar-se de alguma maneira ao nível dos filhos. Os jovens — mesmo os que parecem mais rebeldes — desejam sempre essa aproximação, essa fraternidade com os pais. O segredo costuma estar na confiança: saibam os pais educar num clima de familiaridade; não deem nunca a impressão de que desconfiam; deem liberdade e ensinem a administrá-la com responsabilidade pessoal. É preferível que se deixem enganar uma vez ou outra: a confiança que se deposita nos filhos faz com que eles se envergonhem de ter abusado e se corrijam; em contrapartida, se não têm liberdade, se veem que não confiam neles, sentir-se-ão sempre com vontade de enganar.

Essa amizade de que falo, esse saber colocar-se ao nível dos filhos ajudando-os a falar confiadamente dos seus pequenos problemas, torna possível algo que me parece muito importante: que sejam os pais quem dê a conhecer aos filhos a origem da vida: de um modo gradual, adaptado à sua idade e à sua capacidade de compreender, antecipando-se um pouco à sua natural curiosidade. É necessário evitar que os filhos olhem com malícia esta matéria, que aprendam uma coisa que em si é nobre e santa através de uma má confidência de um amigo ou de uma amiga. Aliás, isto costuma ser um passo importante para firmar a amizade entre pais e filhos, impedindo uma separação exatamente no despertar da vida moral.

Por outro lado, os pais têm também que procurar manter o coração jovem, para lhes ser mais fácil acolher com simpatia as aspirações nobres e inclusive as extravagâncias dos filhos. A vida muda e há muitas coisas novas que talvez não nos agradem — é mesmo possível que não sejam objetivamente melhores que outras de antes —, mas que não são más: são simplesmente outros modos de viver. Em não poucas ocasiões os conflitos aparecem porque se dá importância a ninharias que se superam com compreensão e senso de humor”.

(Entrevistas a S. Josemaria, n. 100)


A parte que cabe aos filhos

“Mas nem tudo depende dos pais. Os filhos também têm que fazer alguma coisa da sua parte. A juventude sempre teve uma grande capacidade de entusiasmo por todas as coisas grandes, pelos ideais elevados, por tudo o que é autêntico. Convém ajudá-los a compreender a beleza despretensiosa — por vezes calada e sempre revestida de naturalidade — que há na vida de seus pais. Que reparem, sem que isso lhes cause tristeza, no sacrifício que fizeram por eles, na sua abnegação — muitas vezes heroica — para manterem a família. Aprendam também a não dramatizar, a não representar o papel de incompreendidos. Não esqueçam que estarão sempre em dívida com os seus pais e que o modo de corresponderem — já que não podem pagar o que devem — deve ser o respeito, o carinho grato, filial.

Sejamos sinceros: o normal é que a família seja unida. Há atritos, diferenças... Mas isso são coisas banais que, até certo ponto, contribuem também para dar sabor aos nossos dias. São insignificâncias que o tempo supera sempre. Depois, só fica o estável, que é o amor, um amor verdadeiro — feito de sacrifício — e nunca fingido, que os leva a preocupar-se uns com os outros, a adivinhar um pequeno problema e a solução mais delicada. E, porque tudo isto é normal, a maior parte das pessoas entendeu-me muito bem quando me ouviu chamar dulcíssimo preceito — já o venho repetindo desde a década de 20 — ao quarto mandamento do Decálogo”.

(Entrevistas a S. Josemaria, n. 101).

Práticas de piedade em família

“Considero que é precisamente este o melhor caminho para dar aos filhos uma autêntica formação cristã. A Sagrada Escritura fala-nos dessas famílias dos primeiros cristãos — a Igreja doméstica, diz São Paulo (1 Cor. 16, 19) — , às quais a luz do Evangelho dava novo impulso e nova vida.
Em todos os ambientes cristãos se conhecem por experiência os bons resultados dessa natural iniciação na vida de piedade, feita em família. A criança aprende a colocar o Senhor na linha dos primeiros afetos fundamentais, aprende a tratar a Deus como Pai e a Virgem Maria como Mãe, aprende a rezar seguindo o exemplo dos pais. Quando se compreende isto, vê-se a enorme tarefa apostólica que os pais podem realizar e como têm obrigação de ser sinceramente piedosos, para poderem transmitir — mais do que ensinar — essa piedade aos filhos.

E os meios? Há práticas de piedade — poucas, breves e habituais — que sempre se viveram nas famílias cristãs, e entendo que são maravilhosas: a benção da mesa, a oração antes e depois das refeições, a recitação do Terço em conjunto — apesar de não faltar, nestes tempos, quem ataque essa solidíssima devoção mariana — as orações pessoais ao levantar e ao deitar, tratar-se-á de costumes diversos conforme os lugares; mas penso que sempre se deve fomentar algum ato de piedade, realizado conjuntamente pelos membros da família, de forma simples e natural, sem beatices.

Dessa maneira conseguiremos que Deus não seja considerado um estranho, a quem se vai ver uma vez por semana na Igreja, ao domingo. Que Deus seja visto e tratado como é na realidade, também no seio da família, porque, como disse o Senhor, onde estiverem reunidos em meu nome, dois ou três, eu estou no meio deles (Mt 18, 20).

Digo com gratidão e com orgulho de filho, que continuo a rezar — de manhã e à noite, e em voz alta — as orações que aprendi quando era criança, dos lábios de minha mãe. Essas orações levam-me a Deus, fazem-me sentir o carinho com que me ensinaram a dar os meus primeiros passos de cristão; e, oferecendo ao Senhor o dia que começa ou dando-Lhe graças pelo que acaba, peço a Deus que aumente na glória a felicidade dos que especialmente amo, e depois nos mantenha unidos para sempre no Céu”.

(Entrevistas a S. Josemaria, n. 103).