”Os Reis Magos tiveram uma estrela; nós temos Maria”

Publica-se um fragmento de uma homilia intitulada “Na Epifania do Senhor” pronunciada em 1963 por S. Josemaria.

'Adoração dos Magos' de Roger Van der Weyden

A Epifania do Senhor (12:09) – em espanhol

Videntes autem stellam gavisi sunt gaudio magno valde (Mt II, 10), – diz o texto latino com admirável reiteração: ao descobrir novamente a estrela, exultaram com grande alegria. E porquê tanta alegria? Porque eles, que nunca duvidaram, recebem do Senhor a prova de que a estrela não tinha desaparecido; deixaram de a ver sensivelmente mas tinham-na conservado sempre na alma. Assim é a vocação cristã: se não se perde a fé, se se mantém a esperança em Jesus Cristo que estará connosco até à consumação dos séculos , a estrela reaparece. E, ao verificar uma vez mais a realidade da vocação, nasce em nós uma alegria maior, que aumenta a nossa fé, a nossa esperança, o nosso amor.

Ao entrarem na casa, viram o Menino com Maria, sua Mãe, e, pondo-se de joelhos, adoraram-no . Ajoelhemo-nos nós também diante de Jesus, do Deus escondido na humanidade; repitamos-lhe que não queremos voltar as costas ao seu chamamento divino, que nunca nos afastaremos dele; que arredaremos do nosso caminho tudo o que for um estorvo para a fidelidade; que desejamos sinceramente ser dóceis às suas inspirações. Tu, interiormente, e eu também – porque estou a fazer uma oração íntima, com um profundo clamor silencioso – dizemos agora ao Menino que ansiamos por ser tão cumpridores como os servos da parábola, para que também nos possa responder a nós: alegra-te servo bom e fiel (Mt XXV, 23) .

E, abrindo os seus tesouros, ofereceram-lhe presentes de ouro, incenso e mirra (Mt II, 11) . Detenhamo-nos um pouco para entender este passo do Santo Evangelho. Como é possível que nós, que nada somos e nada valemos, ofereçamos alguma coisa a Deus? Diz a Escritura: toda a dádiva e todo o dom perfeito vem do alto (Iac I, 17) . O homem não consegue descobrir plenamente a profundidade e a beleza dos dons do Senhor: se tu conhecesses o dom de Deus... (Jo IV, 10) – responde Jesus à mulher samaritana. Jesus Cristo ensinou-nos a esperar tudo do Pai, a procurar antes de mais o Reino de Deus e a sua justiça, porque tudo o resto se nos dará por acréscimo e Ele conhece bem as nossas necessidades (Cfr. Mt VI, 32-33).

Na economia da salvação, o nosso Pai cuida de cada alma com amor e delicadeza: cada um recebeu de Deus o seu próprio dom; uns de um modo, outros de outro (1 Cor VII, 7) . Portanto, podia parecer inútil cansarmo-nos, tentando apresentar ao Senhor algo de que Ele precise; dada a nossa situação de devedores que não têm com que saldar as dívidas (Cfr. Mt XVIII, 25), as nossas ofertas assemelhar-se-iam às da Antiga Lei, que Deus já não aceita: Tu não quiseste os sacrifícios, as oblações e os holocaustos pelo pecado, nem te são agradáveis as coisas que se oferecem segundo a Lei (Heb X, 8) .

Mas o Senhor sabe que o dar é próprio dos apaixonados e Ele próprio nos diz o que deseja de nós. Não lhe interessam riquezas, nem frutos, nem animais da terra, do mar ou do ar, porque tudo isso lhe pertence. Quer algo de íntimo, que havemos de lhe entregar com liberdade: dá-me, meu filho, o teu coração (Prv XXIII, 26) . Vedes? Se compartilha, não fica satisfeito: quer tudo para si. Repito: não pretende o que é nosso; quer-nos a nós mesmos. Daí - e só daí - advêm todas as outras ofertas que podemos fazer ao Senhor.

Demos-lhe, portanto, ouro: o ouro fino do espírito de desprendimento do dinheiro e dos bens materiais. Não esqueçamos que são coisas boas, que vêm de Deus. Mas o Senhor dispôs que as utilizemos sem deixar que o coração fique preso a elas, pelo contrário, tirando delas proveito para bem da humanidade.

Os bens da terra não são maus; pervertem-se quando o homem os toma como ídolos e se prostra diante deles; mas tornam-se nobres quando os tornamos instrumentos para o bem nalguma actividade cristã de justiça e de caridade. Não podemos correr atrás dos bens económicos, como quem procura um tesouro; o nosso tesouro está aqui, deitado num presépio; é Cristo e nele se há-de concentrar todo o nosso amor, porque onde está o teu tesouro, aí está também o teu coração (Mt VI, 21).

Oferecemos incenso: o desejo – que elevamos até ao Senhor – de levar uma vida recta, de que se desprenda o bonus odor Christi (2 Cor II, 15), o perfume de Cristo. Impregnar as nossas palavras e acções desse bonus odor é semear compreensão e amizade. Que a nossa vida acompanhe as vidas dos restantes homens, para que ninguém se encontre ou se sinta só. A caridade há-de ser também carinho, calor humano.

Assim no-lo ensina Jesus Cristo. A humanidade havia séculos que esperava a vinda do Salvador; os profetas tinham-no anunciado de mil maneiras; e – embora, por acção do pecado e da ignorância se tivesse perdido grande parte da Revelação de Deus aos homens – conservava-se até aos confins da Terra o desejo de Deus, a ânsia de redenção.

Chega a plenitude dos tempos e, para cumprir essa missão, não aparece um génio filosófico, como Sócrates ou Platão; não se instala na terra um conquistador poderoso, como Alexandre Magno. Nasce um Menino em Belém. É o Redentor do mundo; mas, antes de começar a falar, demonstra o seu amor com obras. Não é portador de nenhuma fórmula mágica, porque sabe que a salvação que nos traz há-de passar pelo coração do homem. As suas primeiras acções são risos e choros de criança, o sono inerme de um Deus humanado; para que fiquemos tomados de amor, para que saibamos acolhê-Lo nos nossos braços.

Uma vez mais consciencializamos que isto é que é o Cristianismo. Se o cristão não ama com obras, fracassa como cristão, o que significa fracassar também como pessoa. Não podes pensar nos outros homens como se fossem números, ou degraus para tu subires; como se fossem massa, para ser exaltada ou humilhada, adulada ou desprezada, conforme os casos. Tens de pensar nos outros - antes de mais, nos que estão ao teu lado - vendo neles o que na verdade são: filhos de Deus, com toda a dignidade que esse título maravilhoso lhes confere.

Com os filhos de Deus, temos de comportar-nos como filhos de Deus: o nosso amor há-de ser abnegado, diário, tecido de mil e um pormenores de compreensão, de sacrifício calado, de entrega silenciosa. Este é o bonus odor Christi que arrancava uma exclamação aos que conviviam com os primeiros cristãos: Vede como se amam!

Não estou a falar de um ideal distante. O cristão não é um Tartarin de Tarascon, empenhado em caçar leões onde não pode encontrá-los: nos corredores da sua própria casa. Falo, sim, da vida quotidiana e concreta: da santificação do trabalho, das relações familiares, da amizade. Se não somos cristãos nestas coisas , onde podemos sê-lo? O perfume do incenso deve-se ao carvão em brasa que queima sem ostentação uma grande quantidade de grãos. Também o bonus odor Christi se manifesta entre os homens, não como a chama espectacular de um incêndio passageiro, mas mediante a eficácia de todo um rescaldo de virtudes: justiça, lealdade, fidelidade, compreensão, generosidade, alegria.

E, com os Reis Magos, oferecemos também mirra, isto é, o sacrifício, que não deve faltar na vida cristã. A mirra traz à nossa lembrança a Paixão do Senhor: na cruz, dão-lhe a beber mirra misturada com vinho (Cfr. Mc XV, 23), e com mirra ungiram o seu corpo para a sepultura (Cfr. Ioh XIX, 39). Mas não penseis que meditar na necessidade de sacrifício e da mortificação significa dar uma nota de tristeza a esta festa que comemoramos alegremente no dia de hoje.

Mortificação não é pessimismo nem espírito azedo. A mortificação nada vale sem a caridade: por isso, havemos de procurar mortificações que, além de nos manterem livres em relação às coisas da terra, não mortifiquem os que vivem à nossa volta. O cristão não pode ser um verdugo nem um miserável; há-de ser um homem que sabe amar com obras, que prova o seu amor na pedra de toque da dor.

Mas – insisto – essa mortificação não consistirá habitualmente em grandes renúncias, cuja oportunidade não se nos depara com frequência. Há-de estar feita de pequenas vitórias: ter um sorriso para quem nos incomoda, negar ao corpo o capricho dos bens supérfluos, habituarmo-nos a ouvir os outros, fazer render o tempo que Deus põe à nossa disposição... e tantos outros pormenores, aparentemente insignificantes – contrariedades, dificuldades, dissabores – que surgem ao longo do dia sem os procurarmos.

Termino repetindo umas palavras do Evangelho de hoje : ao entrarem em casa, viram o Menino com Maria, sua Mãe . Nossa Senhora não se separa do seu Filho. Os Reis Magos não são recebidos por um rei sentado no trono, mas por um Menino nos braços da Mãe. Peçamos, pois, à Mãe de Deus, que é nossa Mãe, que nos prepare o caminho que conduz à plenitude do amor: Cor Mariæ dulcissimum, iter para tutum ! O seu suave coração conhece o caminho mais seguro para encontrarmos Cristo.

Os Reis Magos tiveram uma estrela; nós temos Maria, Stella Maris, Stella Orientis . No dia de hoje, dizemos-lhe: Santa Maria, Estrela do mar, Estrela da manhã, ajuda os teus filhos. O nosso cuidado pelas almas não deve conhecer fronteiras, porque ninguém está excluído do amor de Cristo. Os Reis Magos foram os primeiros dos gentios; mas, depois de consumada a Redenção, já não há judeu nem grego, não há servo nem livre, não há homem nem mulher - não existe descriminação de espécie alguma - porque todos vós sois um só em Jesus Cristo (Gal III, 28).

Nós cristãos, não podemos ser exclusivistas, nem separar ou catalogar as almas; virão muitos do Oriente e do Ocidente (Mt VIII, 11); todos cabem no coração de Cristo. Voltamos a contemplá-lo no presépio; os seus braços são de menino mas são os mesmos que se abrirão na Cruz, atraindo todos os homens (Cfr. Jo XII, 32).

E o nosso pensamento vai também para esse homem justo, Nosso Pai e Senhor, S. José, que, como habitualmente, passa despercebido na cena da Epifania. Pressinto-o recolhido em contemplação, protegendo com amor o Filho de Deus, que, ao fazer-se homem, foi confiado à sua atenção paternal. Com a maravilhosa delicadeza de quem não vive para si, o Santo Patriarca entrega-se com um espírito de sacrifício tão silencioso como eficaz.

Falámos hoje da vida de oração e do afã de apostolado. Queremos porventura melhor mestre nesta matéria do que S. José? Se quereis que vos dê um conselho, dir-vos-ei – com palavras que venho a repetir incansavelmente desde há muitos anos: Ite ad Joseph, recorrei a S. José; ele vos mostrará caminhos concretos e meios humanos e divinos para chegar a Jesus. E em breve ousareis, tal como ele, segurar nos braços, beijar, vestir e cuidar (Da oração a São José preparatória da Santa Missa no Missal Romano: O felicem virum, beatum Ioseph, cui datum est, Deum, quem multi reges voluerunt videre et non viderunt, audire et non audierunt; non solum videre et audire, sed portare, deosculari, vestire et custodire! ) deste Menino Deus que nasceu para nós. Em sinal de veneração, os Magos ofereceram a Jesus ouro, incenso e mirra; José deu-lhe plenamente o coração jovem, cheio de amor.

Texto extraído da homilia “Na Epifania do Senhor” pronunciada em 24–XII–1963 por S.Josemaria Escrivá de Balaguer e publicada em “Cristo que passa”.