Os fiéis leigos face à nova evangelização

A nova evangelização é tarefa de todos, leigos ou ministros sagrados, tal como a missão da Igreja. Cada um cumpre-a de acordo com a sua própria função na Igreja e acompanhando sempre a sua palavra com o testemunho de uma coerente vida cristã.

A nova evangelização, impulsionada por João Paulo II e por Bento XVI, remete-nos para a própria missão da Igreja, que se pode sintetizar precisamente na traditio Evangelii, a transmissão do Evangelho. “Evangelho” entendido, não só como conteúdo noético, mas no sentido global paulino de “força de Deus para a salvação de todos os crentes” (Ro 1, 16). A nova evangelização de países e ambientes já antigamente evangelizados mas, em grande medida, secularizados, coloca peculiares exigências, necessariamente inseridas na permanente missão salvífica da Igreja. Simultaneamente, a realidade complexa em que vivemos requer novidade de enfoques pastorais e apostólicos em geral, adequados aos desafios da modernidade e da pós-modernidade.

A participação dos leigos na evangelização

Uma das dimensões do sacerdócio real dos fiéis, a que se refere São Pedro (cfr. 1 Pe 2, 4-10), é a função profética: “...para que anuncieis o poder d’Aquele que vos chamou das trevas à Sua luz admirável” (ibid.). Este anunciar é transmitir o Evangelho. Que os leigos participem na missão da Igreja não significa, primária nem principalmente, que tenham que colaborar nas funções dos ministros sagrados, embora isso seja possível e, em determinadas ocasiões, oportuno; além disso, os ministros não abarcam toda a missão; também eles participam nela. Sobre uns e outros recai o peso e a honra da missão completa da Igreja: a traditio Evangelii. Mas cada um a realiza parcialmente, de acordo com a sua própria função eclesial.

Flickr: Opus Dei (Sala de prensa)

O que é específico da participação dos leigos na evangelização foi assim expresso pelo Concílio Vaticano II, na Lumen gentium, 35: “Cristo, grande Profeta, que com o testemunho da Sua vida e a força da Sua palavra, proclamou o Reino do Pai, está a cumprir o Seu ofício profético até à mais plena manifestação da glória, não só através da Hierarquia que ensina em Seu nome e com o Seu poder, mas também através dos leigos, a quem em consequência, constitui em testemunhas e os adorna com o sentido da fé e com a graça da palavra, para que a força do Evangelho brilhe na vida quotidiana, familiar e social”. A capacidade e a responsabilidade evangelizadora – o munus propheticum – dos fiéis leigos não deriva de uma delegação dada pela Hierarquia, mas diretamente de Jesus Cristo, mediante o Baptismo e a Confirmação.
O sentido da fé – sensus fidei – que a Lumen gentium coloca como origem imediata do exercício da função profética dos fiéis leigos, é a capacidade que a fé teologal e os dons do Espírito Santo conferem ao crente para assentir às verdades reveladas, para discernir com facilidade o que é conforme ou desconforme com essa revelação, para captar as suas implicações mais profundas, não mediante reflexão teológica mas espontaneamente, por uma espécie de conaturalidade, e para aplicar a fé à vida. A radicação da função profética dos leigos no sensus fidei, põe também em relevo que esta não é uma participação na missão magisterial, própria da Hierarquia eclesiástica, mas participação direta da virtus profética de Jesus Cristo, ao mesmo tempo que o seu exercício se realiza “sob a guia do sagrado Magistério” (Lumen gentium, 12).

A NOVA EVANGELIZAÇÃO É TAREFA DE TODOS, LEIGOS OU MINISTROS SAGRADOS, COMO A PRÓPRIA MISSÃO DA IGREJA. CADA UM CUMPRE-A DE ACORDO COM A SUA PRÓPRIA FUNÇÃO NA IGREJA E ACOMPANHANDO SEMPRE A SUA PALAVRA COM O TESTEMUNHO DE UMA COERENTE VIDA CRISTÃ.

A “graça da palavra”, a que também se refere a Lumen gentium, não se refere apenas, nem principalmente, à “graça” de uma palavra simpática ou humanamente convincente, mas sobretudo à assistência do Espírito Santo que, sem conferir uma autoridade oficial à palavra evangelizadora dos leigos, a constitui em veículo da Palavra de Deus e, como tal, não só transmissora de noções, mas força eficaz em ordem à fé que salva.
A dependência essencial que a tarefa evangelizadora tem da fé e da assistência do Espírito Santo, remete-nos ao serviço imprescindível que só os ministros da Igreja podem e devem prestar aos leigos, mediante a pregação da Palavra de Deus com a autoridade de Cristo, nas suas diversas formas e a celebração dos sacramentos. A Igreja é, com efeito, um povo sacerdotal organicamente estruturado, que realiza a sua missão no mundo com distinção de funções, que são por sua vez interdependentes.

Na vida quotidiana, familiar e social

É neste contexto de vida corrente – como lemos nas já citadas palavras da Lumen gentium – onde os fiéis leigos exercitam a sua própria função evangelizadora. Isto é necessariamente assim, porque – na expressão de quem, como afirmou João Paulo II, foi precursor do Vaticano II na sua doutrina sobre o laicado – “a específica participação do leigo na missão da Igreja consiste precisamente em santificar ab intra – de maneira imediata e direta – as realidades seculares, a ordem temporal, o mundo” (S. Josemaría Escrivá de Balaguer, Temas Actuais do Cristianismo, 9).

É no contexto da vida corrente onde os fiéis leigos exercitam a sua função evangelizadora própria.

A função profética dos leigos, como a dos pastores, é participação do munus propheticum Christi e Cristo é Revelador e Revelação de Deus, não só com as Suas palavras mas também com todas as Suas obras.

Por isso, e não apenas por uma razão de eficácia humana, a evangelização deve levar-se a cabo com o testemunho da vida e com a palavra, e a que os leigos exercem tem as suas caraterísticas próprias – e uma especial eficácia – no facto de se realizar no interior das realidades seculares.
Na vida corrente, com os suas múltiplas relações familiares, profissionais e sociais, os fiéis leigos podem unir de formas muito diversas o testemunho da sua vida e a palavra que anuncia o Evangelho, contribuindo – cada um na medida das suas possibilidades – para informar com o espírito de Cristo as instituições sociais, profissionais, os meios de comunicação, etc. Especialmente importante é a transmissão do Evangelho pessoa a pessoa, no diálogo de amizade sincera, como o fermento na massa: “agindo como agiria um fermento” (Apostolicam actuositatem, 2).

Este modo de transmitir o Evangelho reveste uma particular eficácia, também pelo facto de responder a uma realidade antropológica importante: o diálogo interpessoal, no qual se procura transmitir a outro o bem recebido. Este diálogo apostólico surge com naturalidade quando existe amizade sincera. Não se trata de uma instrumentalização da amizade, mas de fazer participar os amigos do grande bem da fé em Cristo. Como recordou Bento XVI na homilia do início solene do seu pontificado, “nada há de mais formoso do que ter sido atingidos, surpreendidos, pelo Evangelho, por Cristo. Nada mais belo do que conhecê-l’O e comunicar aos outros a amizade com Ele” (24 de abril de 2005).

A transmissão do Evangelho exige sempre – mais ainda, se for o caso, no diálogo de pessoa a pessoa – o respeito pela intimidade e liberdade de todos; respeito que é uma exigência da justiça e da caridade. O contrário, pretender impor as próprias convicções com qualquer tipo de engano ou de violência é, evidentemente, oposto ao espírito do Evangelho. Este tipo de proselitismo – que não respeita a liberdade – é de todo inaceitável; no entanto, o proselitismo, no seu sentido original próprio, é não só uma coisa boa mas uma exigência necessária da missão evangelizadora que Jesus Cristo confiou aos Seus discípulos. De facto, no âmbito cristão, a palavra proselitismo significou e significa frequentemente a atividade missionária. Inclusivamente em contextos civis – jurídicos e políticos – o proselitismo é reconhecido positivamente como um componente intrínseco da liberdade religiosa.

Diante dos desafios de sociedades descristianizadas

A nova evangelização em países de antiga tradição cristã encontra-se perante graves, complexos e variados desafios. O mais radical é a difusão do ateísmo nas suas diversas expressões teóricas e a indiferença religiosa, que estão a afetar a fé de não poucos batizados, produzindo neles, no mínimo, uma perda do sentido que a existência de Deus deveria ter nas suas vidas. Para o enfrentar, os modos podem ser muito diversos, mas em qualquer caso é fundamental que cada um entenda e ensine que o Evangelho não é apenas, nem primariamente um conjunto de verdades e de normas morais; não é um simples sistema de pensamento e de conduta. O Evangelho é, antes e sobretudo, o próprio Jesus Cristo (cfr. 1 Co 1, 24).
A existência de Deus pode conhecer-se, ainda que com dificuldade, apenas com a razão humana e na nova evangelização convirá enfrentar algumas vezes, de um modo ou de outro, a grande questão filosófica da existência de Deus. No entanto, o importante será dar a conhecer Jesus Cristo morto e ressuscitado, mostrando – ao nível que, em cada caso, seja possível e adequado – a verdade histórica da Sua Ressurreição, que é a “demonstração” mais decisiva da existência de Deus. Não é aqui o caso de pretender enumerar tantos outros desafios, teóricos e práticos, que se apresentam à nova evangelização (logicamente, não só aos leigos mas a toda a Igreja). Um desafio mais, bastante radical, é a mentalidade relativista nas suas múltiplas expressões. Nas tarefas de evangelização convirá sempre começar a partir de aspetos partilhados sobre os quais se possa instaurar um diálogo sincero. É o caso, por exemplo, da difundida consciência sobre os direitos humanos. Não é difícil fazer ver que, sem reconhecer valores absolutos – e em última instância Deus – não tem sequer sentido o conceito de direitos humanos; o próprio Direito, na sua totalidade, não deixaria de ser – segundo a conhecida afirmação de Karl Marx – “um aparelho decorativo do poder”.

Para enfrentar estes e outros desafios, necessita-se uma sólida formação doutrinal; mas não é suficiente. A evangelização, o apostolado pessoal em geral, requer que a palavra e o diálogo vão unidos ao testemunho de uma coerente vida cristã. Para isso, são necessárias, com o fundamento do Batismo e da força da Confirmação, uma vida sacramental intensa (Eucaristia, Penitência) e a oração, indispensáveis para a identificação pessoal com Jesus Cristo, que desperte nos leigos a sua própria responsabilidade apostólica: para que sejam conscientes de que – como escreveu recentemente Bento XVI – “Caritas Christi urget nos (2 Co 5, 14); o amor de Cristo que enche os nossos corações e nos impulsiona a evangelizar. Hoje como ontem, Ele envia-nos pelos caminhos do mundo para proclamar o Seu Evangelho a todos os povos da terra (cfr. Mt 28, 19)” (Porta fidei, 7).
Por Mons. Fernando Ocáriz. Vigário Geral do Opus Dei. Vice Grande Chanceler da Pontifícia Universidade da Santa Cruz. Consultor da Congregação do Clero e do Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização.

Mons. Fernando Ocáriz

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