Obra de S. Rafael (II)

Meios e instrumentos de que o Opus Dei se serve na formação dos jovens.

1. Meios e instrumentos

«A atividade principal do Opus Dei consiste em dar aos seus membros, e às pessoas que o desejarem, os meios espirituais necessários para viverem como bons cristãos no meio do mundo. Transmite-lhes a doutrina de Cristo e os ensinamentos da Igreja; proporciona-lhes um espírito que leva a trabalhar bem por amor a Deus e ao serviço de todas as pessoas. Em síntese, a comportarem-se como cristãos: convivendo com toda a gente, respeitando a legítima liberdade de todos e contribuindo para que este nosso mundo seja mais justo»[1].

A transmissão da fé é antes de mais o anúncio de Jesus Cristo para levar à fé n’Ele[2]. A vida cristã consiste fundamentalmente em ir para Jesus e viver com Ele: procurá-l'O, encontrá-l'O e amá-l'O continuamente[3]. Para nos podermos identificar com os sentimentos que enchiam o seu coração de Redentor[4], precisamos de conhecer cada vez melhor a sua vida e os seus ensinamentos. Como explicava Bento XVI, a mensagem cristã não é «apenas “informativa”, mas “performativa”. Isto significa que o Evangelho não é somente uma comunicação de coisas que se podem saber, mas antes uma comunicação que abrange factos e muda a vida»[5].

Para conseguir esta finalidade “performativa”, o trabalho de S. Rafael conta com uma grande variedade de meios e atividades. Alguns correspondem aos que S. Josemaria chamava “meios tradicionais”, que caracterizam de modo especial o apostolado que os fiéis do Opus Dei realizam com a gente nova, e que nunca são dispensados – mesmo que existam dificuldades –, porque têm uma eficácia comprovada em benefício das pessoas. Além disso, podem-se organizar outras atividades, de cariz diverso – culturais, desportivas, etc. –, com uma orientação educativa e apostólica.

“Os percursos da santidade são pessoais e exigem uma pedagogia da santidade verdadeira e própria, capaz de se adaptar ao ritmo de cada pessoa”

«Os percursos da santidade são pessoais e exigem uma pedagogia da santidade verdadeira e própria, capaz de se adaptar ao ritmo de cada pessoa»[6]. A tarefa de proporcionar esta “pedagogia da santidade” torna-se mais necessária em tempos de confusão doutrinal, porque a muitos jovens falta, inclusivamente, a preparação cristã mais elementar[7]. Os meios de formação da obra de S. Rafael constituem um processo educativo, uma escola de vida cristã, que se dirige à pessoa na sua totalidade: inteligência, coração e vontade. Não se trata simplesmente de transmitir umas ideias, mas de ajudar a gente nova a fazer, de maneira livre e ativa, vida da sua vida a mensagem de Cristo.

2. Cursos de formação, meditações, recoleções e retiros

No início de 1933, S. Josemaria deu o primeiro dos que mais tarde se viriam a chamar “círculos de S. Rafael”. Os círculos ou aulas de S. Rafael são o eixo em torno do qual se organizam os restantes meios tradicionais. Incluem o curso preparatório e os cursos profissionais.

As aulas são breves, têm um tom familiar e apostólico, e o enfoque é prático: ajudar a descobrir a beleza de viver coerentemente a fé nas circunstâncias correntes de cada pessoa

O curso preparatório é um ciclo de sessões sobre a vida cristã. O temário baseia-se no Evangelho e no Catecismo da Igreja Católica, e contém explicações sobre os sacramentos, a oração, as virtudes cardeais e teologais, o sentido da filiação divina, o encontro com Deus no estudo, no trabalho e nas relações sociais, etc. As aulas são breves, têm um tom familiar e apostólico, e o enfoque é prático: ajudar a descobrir a beleza de viver coerentemente a fé nas circunstâncias correntes de cada pessoa. Como complemento às sessões, quem dirige o curso fala periodicamente com os participantes que o desejarem, para resolver possíveis dúvidas e orientar e animar a sua vida cristã e o seu apostolado.

A participação no curso preparatório requer um mínimo de conhecimento da doutrina católica. Se necessário, antes podem ser dadas sessões sobre a fé – ou inclusive sobre virtudes humanas –, para que os interessados adquiram as noções prévias fundamentais da vida cristã.

Ao terminar o curso preparatório, os que desejarem podem-se incorporar nos cursos profissionais. Estes têm como objetivo proporcionar um conhecimento teórico-prático profundo da fé e da moral católica, que sirva para refletir e viver livre e responsavelmente a própria identidade cristã. Dão resposta à necessidade, tão essencial para o cristão, de raciocinar a partir da fé, a partir de Cristo: «Todo aquele que crê, pensa; pensa crendo e crê pensando […]. Porque se aquilo que se crê não se pensa, a fé é nula»[8]. Efetivamente, «o intelecto deve ir em busca do que ama: quanto mais ama, mais deseja conhecer. Quem vive para a verdade, tende para uma forma de conhecimento que se inflama num amor cada vez maior por aquilo que conhece»[9].

O temário destes cursos é variado: abrange desde questões éticas e antropológicas fundamentais (sobre o matrimónio, a educação, o respeito pela vida, etc.) até temas doutrinais da atualidade, que muitas vezes têm origem na publicação de um dado documento do Magistério da Igreja. Habitualmente, durante a primeira etapa explicam-se matérias de interesse geral, adaptadas às circunstâncias dos participantes. Depois, num segundo ciclo do curso, podem-se tratar temas especializados de deontologia profissional, por exemplo, agrupando os participantes de acordo com as profissões ou interesses afins. O Catecismo da Igreja Católica constitui um material de referência para a preparação destes ciclos.

Nos cursos profissionais, juntamente com a parte especulativa animam-se os participantes a aproveitar os conhecimentos que recebem, para alimentar e fortalecer a sua vida cristã e o apostolado com os seus parentes, amigos e colegas. Como assinalava S. João Paulo II, a responsabilidade que pressupõe possuir a fé «implica também amá-la e procurar obter a sua mais exata compreensão, de maneira a torná-la mais próxima de nós mesmos e dos outros, com toda a sua força salvífica, simultaneamente com o seu esplendor e com a sua profundidade e simplicidade»[10].

Além dos cursos de formação, em cada centro de S. Rafael organiza-se pelo menos uma meditação semanal pregada pelo sacerdote: um tempo de oração a partir dum texto do Evangelho, da liturgia do dia, etc. A oração é uma exigência da vida cristã: «O contacto vivo com Cristo é a ajuda decisiva para continuar no caminho reto […]. Quem reza não desperdiça o seu tempo, ainda que tudo faça pensar numa situação de emergência e pareça impelir unicamente para a ação»[11]. Por isso, a pedagogia da arte da oração será sempre uma prioridade educativa na obra de S. Rafael.

Se possível, a meditação costuma ser aos sábados, dia tradicionalmente dedicado a Nossa Senhora, como manifestação de amor à Mãe de Deus. Regra geral, a meditação é seguida da Exposição e Bênção com o Santíssimo Sacramento e do canto da Salve-Rainha ou de outra antífona mariana, de acordo com o tempo litúrgico. É uma expressão mais do lugar central que a Eucaristia ocupa na Igreja.

Mensalmente há uma recoleção ou retiro espiritual e, ao longo do ano, organizam-se retiros com vários dias de duração.

Mensalmente há uma recoleção ou retiro espiritual e, ao longo do ano, organizam-se retiros com vários dias de duração. São duas práticas recomendadas pela Igreja para alimentar a vida espiritual e alcançar a graça da conversão do coração[12]. Além disso, a experiência mostra que constituem também uma ocasião propícia para aproximar os parentes e amigos do trabalho de S. Rafael.

3. Catequese e visitas aos pobres de Nossa Senhora

A catequese e as visitas aos pobres de Nossa Senhora são também meios tradicionais do trabalho de S. Rafael

A catequese e as visitas aos pobres de Nossa Senhora são também meios tradicionais do trabalho de S. Rafael. Mostram-se muito adequados, tanto para preparar os que depois se vão integrar nos círculos, como para complementar a formação dos que já assistem a esses círculos.

A catequese é uma obra de misericórdia espiritual – ensinar quem não sabe[13] –, que tem uma grande importância na missão da Igreja. Como dizia o Cardeal Newman, «qualquer rapaz bem instruído no catecismo é, sem que ele se aperceba, um autêntico missionário»[14]. Dentro da obra de S. Rafael preparam-se muitos catequistas, dispostos a colaborar em paróquias, escolas, etc. As aulas de catequese são um traço muito caraterístico do espírito do Opus Dei. De facto, S. Josemaria referia-se ao trabalho que o Opus Dei desenvolve em serviço da Igreja como «uma grande catequese»[15].

Com as visitas aos pobres, os jovens exercitam-se na caridade, aprendem a sentir-se solidários com as necessidades dos outros, e descobrem de modo muito prático que o amor a Deus e o amor ao próximo são inseparáveis[16]. Quando é possível, estas visitas organizam-se em festas da Santíssima Virgem, pois um dos fins é precisamente honrar Nossa Senhora nos seus pobres. No Opus Dei, desde o começo, seguiu-se sempre este caminho de pôr os jovens em contacto com as pessoas mais necessitadas da sociedade, para lhes levar alívio e consolo. S. Josemaria dizia que «a fortaleza humana da Obra foram os doentes dos hospitais de Madrid: os mais miseráveis; os que viviam em suas casas, tendo perdido até mesmo a última esperança humana; os mais ignorantes daqueles bairros de lata»[17].

Além de ser um meio para amadurecer humana e cristãmente, corresponde a uma necessidade em todos os países. Até mesmo onde existe maior desenvolvimento económico, há gente necessitada ou pessoas doentes ou sozinhas, sem ninguém que as atenda: «Cada dia vamo-nos tornando mais conscientes de quanto se sofre no mundo devido a tantas formas de miséria material ou espiritual, apesar dos grandes progressos no domínio científico e técnico. Por isso, este nosso tempo requer uma nova disponibilidade para socorrer o próximo necessitado»[18].

4. Convívios e outras atividades auxiliares do trabalho de S. Rafael. Residências

Além dos meios tradicionais, o trabalho de S. Rafael expande-se e desenvolve-se também através de múltiplas atividades complementares, que se organizam nos centros – conferências, sessões de trabalho, etc. –, que contribuem diretamente para melhorar a capacitação humana, cultural, profissional e religiosa dos jovens.

Todas estas iniciativas têm como traço comum um profundo sentido da solidariedade cristã e um conteúdo educativo

Em cada país impulsionam-se as que melhor se adaptam às circunstâncias concretas, com criatividade: atividades de música, de jornalismo, de línguas, de literatura, de debate; ciclos de técnicas de estudo, de orientação profissional ou, simplesmente, tertúlias e encontros culturais. A estas juntam-se as atividades de carácter social: programas de apoio ao desenvolvimento, atenção a pessoas com deficiência, etc. Todas estas iniciativas têm como traço comum um profundo sentido da solidariedade cristã e um conteúdo educativo, juntamente com o facto de serem trabalhos laicais e seculares, realizados num ambiente de família, com mentalidade profissional e vontade de servir a sociedade civil.

Os convívios são encontros que se podem organizar por motivos muito variados: um seminário sobre algum tema de atualidade, um curso de orientação profissional, uns dias de estudo mais intenso, um campeonato desportivo, um campo de trabalho, uma excursão, etc. Visam proporcionar uma experiência de amizade, de desenvolvimento humano e de crescimento intelectual, num contexto de vida cristã. Regra geral organizam-se durante os fins de semana ou em períodos de férias.

As residências e as academias universitárias são centros de excelência académica e cultural, abertos a pessoas de todas as condições sociais, destinados a preparar universitários que se destaquem profissionalmente e incorporem ideais de serviço, de amor à verdade e de liberdade[19].Caracterizam-se pelo seu tom familiar e por um ambiente de estudo, de alegria, otimismo e compreensão, em que os residentes se tratam com naturalidade, delicadeza e amizade. A convivência leva-os a praticar as virtudes humanas, a ser pessoas de mentalidade positiva e universal, que não discriminam, a formar o caráter e a fortalecer a personalidade. As residências têm uma clara identidade cristã, mas estão abertas também aos não católicos, que são recebidos com afeto e estima; e, quando o desejam, são convidados a participar na formação religiosa que se proporciona.

5. Continuidade no trabalho de S. Rafael. Apostolado epistolar

Ao terminar a aula, fui à capela com aqueles rapazes, peguei no Senhor sacramentado na custódia, elevei-O, abençoei aqueles três…, e via trezentos, trezentos mil, trinta milhões, três mil milhões…

«Ao terminar a aula, fui à capela com aqueles rapazes, peguei no Senhor sacramentado na custódia, elevei-O, abençoei aqueles três…, e via trezentos, trezentos mil, trinta milhões, três mil milhões…, brancos, negros, amarelos, de todas as cores, de todas as combinações que o amor humano pode fazer. E fiquei aquém, porque é uma realidade, passado quase meio século. Fiquei aquém, porque o Senhor foi muito mais generoso»[20].

Dentro do vasto e variado panorama de santidade que deixaram na Igreja tantas testemunhas da fé em Cristo, os fiéis do Opus Dei meditam especialmente na vida de S. Josemaria que, durante longos anos, desenvolveu um intenso trabalho pastoral com os jovens. Movidos pelo seu exemplo, todos na Prelatura sentem paixão pelo apostolado e, em particular, um grande amor pelo trabalho de S. Rafael. «O zelo é uma loucura divina de apóstolo, que te desejo, e que tem estes sintomas: fome de intimidade com o Mestre; preocupação constante pelas almas; perseverança, que nada faz desfalecer»[21].

Como fruto deste espírito, os meios de formação da obra de S. Rafael preparam-se o melhor possível, mesmo que assista apenas uma pessoa: com profissionalismo, com entusiasmo, com profundidade doutrinal e também com sentido pedagógico, para mostrar em todo o seu atrativo a beleza da fé. O Evangelho é simultaneamente velho e novo e, por isso, a tarefa de aproximar as pessoas de Jesus Cristo através dos meios de formação é também algo sempre novo, cheio de vida.

O trabalho apostólico desenvolve-se com ordem e continuidade e não se interrompe em nenhuma época do ano. Durante os períodos de férias adapta-se às circunstâncias dos jovens

O trabalho apostólico desenvolve-se com ordem e continuidade e não se interrompe em nenhuma época do ano. Durante os períodos de férias adapta-se às circunstâncias dos jovens, para que continuem a crescer em maturidade humana e sobrenatural e em sentido apostólico. Continua-se também em contacto com os que vão para outros lugares. S. Josemaria viveu e recomendou a prática generosa do chamado «apostolado epistolar»[22], uma demonstração de verdadeira amizade e caridade cristã, e estímulo para fortalecer a fé.


Bibliografia básica

  • Catecismo da Igreja Católica , n. 1-25; 422-429; 1783-1785; 2214-2233.
  • João Paulo II, Christifideles laici , n. 57-64.
  • S. Josemaria, Caminho, n. 360-386.
  • S. Josemaria, Entrevistas a S. Josemaria, n. 73-86.
  • S. Josemaria, Forja , n. 450; 712; 840-842; 846; 892.
  • A. Vázquez de Prada, Josemaria Escrivá , Vol. I; J. González–Simancas y Lacasa – J. Revuelta Somalo, San Josemaría entre los enfermos de Madrid (1927-1931), “Studia et Documenta”, 2 (2008) 147-203.
  • J. C. Martín de la Hoz – J. Revuelta Somalo, Un estudiante en la Residencia DYA. Cartas de Emiliano Amann a su familia (1935-1936), “Studia et Documenta”, 2 (2008) 299-358.

[1] S. Josemaria, Entrevistas a S. Josemaria, n. 27.

[2] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 425.

[3] cf. S. Josemaria, Caminho, n. 382.

[4] cf. Flp 2, 7.

[5] Bento XVI, Spe salvi , n. 2.

[6] S. João Paulo II, Novo Millennio Ineunte, n. 31.

[7] «Na génese e difusão do ateísmo, «os crentes podem ter tido parte não pequena, na medida em que, pela negligência na educação da sua fé, ou por exposições falaciosas da doutrina, ou ainda pelas deficiências da sua vida religiosa, moral e social, se pode dizer que mais esconderam do que revelaram o autêntico rosto de Deus e da religião» (Catecismo da Igreja Católica, n. 2125).

[8] Sto. Agostinho, De praedestinatione sanctorum, 2, 5: PL 44, 963.

[9] S. João Paulo II, Fides et ratio, n. 42.

[10] S. João Paulo II, Redemptor hominis, n. 19.

[11] Bento XVI, Deus caritas est, n. 36.

[12] por exemplo, cf. Concílio Vaticano II, Apostolicam Actuositatem , n. 32; Catecismo da Igreja Católica , n. 1435 e 1438.

[13] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2447.

[14] John Henry Newman, Sermão na inauguração do Seminário de S. Bernardo, 3-X-1873.

[15] cf. Carta 15/08/1964, n. 1, em Andrés Vázquez de Prada, Josemaria Escrivá , Vol. III.

[16] cf. 1Jo 4, 20-21.

[17] S. Josemaria, Meditação, 19/03/1975, em A. Vázquez de Prada, Josemaria Escrivá, Vol. I. Cf. J. González–Simancas y Lacasa – J. Revuelta Somalo, San Josemaría entre los enfermos de Madrid (1927-1931), “Studia et Documenta”, 2 (2008) 147-203.

[18] Bento XVI, Deus caritas est, n. 30.

[19] S. Josemaria, Entrevistas a S. Josemaria, n. 84.

[20] S. Josemaria (cf. AGP, P04 1975, p. 278), em Andrés Vázquez de Prada, Josemaria Escrivá, Vol. I.

[21] S. Josemaria, Caminho, n. 932.

[22] cf. S. Josemaria, Caminho, n. 976-977.

M. Díez