Entrevista no EL PAÍS
(Autor: Enric González)
João Paulo II foi um Papa viajante, peregrino. Aparentemente, ocupou-se mais da missão evangelizadora do que da gestão do Vaticano.
Dá-se muita importância nos media às viagens do Papa, mais de cem; aos milhares de pessoas que encontrou, às dezenas de documentos doutrinais que promulgou. Mas há uma actividade enorme da que não se fala e que está na origem de tudo isso: a quantidade de horas que João Paulo II passou a rezar diante do Sacrário. Da minha experiência no trato pessoal com ele, impressiona-me o seu misticismo. É um homem que vive em contínua união com Deus. Não só é o Vigário de Cristo: quer encarnar Cristo nas palavras, nos ensinamentos, nos gestos, e para mim essa dimensão mística é a fonte de toda a sua energia apostólica e missionária.
Talvez para si a maior alegria destes 25 anos tenha sido a canonização de Josemaría Escrivá de Balaguer, com quem conviveu e trabalhou muitos anos.
Vivi 22 anos com ele, e desde o primeiro dia, desde que o conheci, vi nele um santo. Isto pode parecer demasiado categórico ou injustificado. Mas percebi nele uma série de manifestações de fé heróica e de contínua união com Deus. Olhe, no dia em que o conheci tinha falecido um rapaz jovem que vivia connosco na residência e ele entrou no quarto com toda a dor de um pai ao qual lhe tinha morrido um filho. O sofrimento reflectia-se na cara. Pôs-se de joelhos, beijou o rapaz na testa, rezamos um responso e, depois, ao sair do quarto, o seu rosto transformou-se, começou a sorrir. E disse: “Sorrio porque este vosso irmão ganhou a última batalha, consumiu a sua vida cumprindo a vontade de Deus”. Vi reflectidas nele duas dimensões, humana e divina, que me enamoraram da humanidade de Cristo:perfectus Deus e perfectus homo, perfeito Deus e perfeito homem. Vou-lhe dizer uma coisa: outro dia li num jornal uma frase, uma exclamação de jubilo que se lhe atribuía e que era absolutamente falsa: “Fizeram-nos ministros!”. Eu ouvi-lhe exactamente o contrário. Quando Alberto Ullastres foi nomeado ministro, em 1957 se não me engano, eu estava com Monsenhor Escrivá quando se soube a notícia. Sabe o que comentou? “Que tenham feito ministro este meu filho não me importa nada, o que me importa é que seja santo. Tenho filhos que são varredores de ruas e o varredor pode dar tanta glória a Deus como um ministro”.
Essa frase que cita foi publicada muitas vezes e recentemente em EL PAIS.
Eu não quero criticar nenhum jornal. Mas essa frase desgosta-me muito.
Contudo, costuma atribuir-se ao Opus Dei vontade de poder e de influência. Como se explica?
Darei duas razões. Uma, que os focos se acendem para iluminar as pessoas que ocupam lugares de destaque na sociedade, no mundo económico, universitário e político. Pelo contrário, não se acendem para essa multidão de membros do Opus Dei cuja actividade brilha menos: profissionais, artistas, operários, camponeses. A segunda razão é porque há quem não compreenda a liberdade política e a liberdade em questões temporais dos membros da Prelatura. A mim sempre me impressionou a diversidade de tendências políticas dentro do Opus Dei. Quando cheguei à Obra, tinha a personalidade bastante feita, tinha 20 anos, tinha dirigido uma revista universitária... Para lhe citar algo episódico, passei uma noite na Direcção Geral de Segurança porque me “pescaram” quando pintava com outros estudantes grandes cartazes na Castellana com a frase: “Viva a revolução agrária na Andaluzia”.
No Opus Dei há uma grande liberdade em tudo o que é opinável. Há um denominador comum de verdades no qual se formam muito bem todos os membros da Obra, o denominador comum em que tanto insiste João Paulo II: são as exigências da doutrina social da Igreja para defender a vida, o matrimónio, a liberdade de ensino, a autoridade paterna, a ética na economia, a igualdade de todos os homens... Aí todos têm que estar de acordo. Mas não só os membros do Opus Dei: absolutamente todos os católicos.
Entrevista em EL MUNDO
(Autor: Rubén Amón)
O Opus Dei cresceu extraordinariamente durante o Pontificado de João Paulo II. Quanto deve o Opus Dei ao Papa e quanto deve o Papa ao Opus Dei?
Sou consciente de que alguns falam do lobby do Opus Dei e da sua influência em João Paulo II. Pois bem, eu creio que o Papa simplesmente tem plena confiança numa série de instituições novas na Igreja. O Opus Dei é uma delas, mas não a única. João Paulo II, antes de ser Papa já tinha simpatia pela teologia do trabalho, que é a base dos ensinamentos de São Josemaría Escrivá. O Opus Dei, por seu lado, deve ao Papa fidelidade, obediência ao Magistério, e sei que os fiéis da Prelatura procuram ajudá-lo com a oração e a mortificação, da que hoje mal se fala: é preciso saber levar a cruz com garbo, como faz João Paulo II.
Em que situação (física) se encontra o Papa realmente?
As limitações físicas são tremendas, também as dificuldades para comunicar. Podem comparar-se com a situação de Jesus Cristo quando estava a empreender a via dolorosa. Ele não pensa em si próprio, pensa nos outros. Porque é servo dos servos de Deus. Ele tem que cumprir o seu serviço pastoral até ao último suspiro. Ora bem, quero que fique claro que o Papa possui umas condições mentais impecáveis. A inteligência é clara como sempre. E a memória permanece intacta. Além disso, ainda ficam essa força de vontade e essa tenacidade no trabalho pastoral.
Qual é o seu balanço deste quarto de século de Pontificado?
Fala-se de recordes, de marcas, de quilómetros. Mas há um fenómeno de que se fala pouco: o Papa bateu o recorde de horas a rezar diante do Sacrário. Estes 25 anos são a prova maior do enorme poder evangelizador que tem um místico.
Entrevista em ABC
(Autor: Juan Vicente Boo)
Que significado tem para si a nomeação de Cardeal?
A nomeação significa que se passa a formar parte do Senado do Papa, do corpo eleitor que o assiste no governo da Igreja universal. Eu recebi-a com muita paz e abandono na vontade de Deus.
No meu caso, dou-me perfeita conta de que não é um prémio a virtudes pessoais, mas uma prova do apreço do Papa por três coisas. Em primeiro lugar, pelo Direito Canónico, pois presido o dicastério que ajuda o Santo Padre em tudo o que se refere a leis da Igreja. Em segundo lugar representa uma demonstração de carinho por Espanha, que é a minha Pátria. E, em terceiro lugar, uma prova de estima pela instituição a que pertenço, o Opus Dei.
O Senhor é montanhista e poeta, como o Papa...
Não como ele. Ele é um verdadeiro poeta. O “Tríptico Romano” é excelente, é um poema difícil. Discute-se se a metafísica pode tornar-se poesia, e parece-me que demonstrou que sim (...).
Enquanto à montanha, entusiasmei-me durante os meus anos universitários em Madrid. Depois, em Itália, fui aos Alpes e durante longas missões na América Latina escalei alguns picos dos Andes. O montanhismo é um dos desportos no qual mais se pode rezar. Caminha-se contemplando a natureza durante horas, falando com Deus, agradecendo tantas coisas bonitas que se vêem, pedindo-lhe luzes para solucionar algum problema... A natureza ajuda a pensar na teologia da Criação: permite ver em toda essa beleza uma imagem pequena, parcial, mas real, da infinita beleza que é Deus.