O amor ao Papa na vida e na doutrina de S. Josemaria

Texto da entrada “Romano Pontífice” do “Diccionario de San Josemaria Escrivá de Balaguer” (Burgos 2013, 2ª edição, Editorial Monte Carmelo) da autoria de Pablo Blanco

S. Josemaria viveu e pregou com força a unidade com o Santo Padre como uma característica essencial da vida cristã. Por conseguinte, primeiro faremos algumas breves notas sobre o seu amor pelo Papa, e depois exporemos as linhas básicas da sua doutrina.


1. Amor ao Santo Padre na vida de S. Josemaria

Num dos seus primeiros textos, em 1930, escreveu: «Obedecer ao Papa, mesmo no que é mínimo, é amá-lo. E amar o Santo Padre é amar Cristo e a sua Mãe, a nossa Mãe Santíssima, Maria. E é só a isso que aspiramos: porque os amamos, queremos que omnes cum Petro ad lesum per Mariam» (Apuntes íntimos, 110. AVP. III, p. 97, nt. 1). A comunhão com o sucessor de Pedro encontra-se numa linha de continuidade que nos leva a Jesus Cristo e à Trindade, através da Igreja. «Jesus é o Modelo: imitemo-lo! Imitemo-lo, servindo a Santa Igreja e todas as almas. Christum regnare volumus" "Deo omnis gloria“Omnes cum Petro ad lesum per Mariam", com estas três frases os três fins da Obra ficam suficientemente indicados: reino efectivo de Cristo, toda a glória de Deus, almas» (ibid., n. 171: AVP, I, p. 306). E na Instrução de 19 de março de 1934: «Cristo. Maria. O Papa. Não acabámos de apontar, em três palavras, os amores que resumem toda a fé católica?» (comentado em CECH, p. 722).

Esta consciência cristocêntrica, mariana e petrina aparece também fortemente no Caminho: «Se tu quiseres..., levarás a palavra de Deus, mil e mil vezes bendita, que não pode falhar. Se fores generoso..., se corresponderes com a tua santificação pessoal, obterás a dos outros: o reinado de Cristo – "omnes cum Petro ad Jesum per Mariam"». (Caminho, n. 833; cf. CECH, p. 928; ECP, 139). O anúncio da Palavra e do Reino conduz a essa comunhão com Cristo, que leva todos a encontrá-lo também. A romanicidade, apostolicidade e catolicidade contribuirão decisivamente para esta tarefa. «Católico, Apostólico, Romano! - Gosto que sejas muito romano. E que tenhas desejos de fazer a tua "romaria","videre Petrum", para ver Pedro» (Caminho, n. 520; cf. AVP, III, pp. 97-99). 

Este amor pelo Papa tornou-se assim uma verdadeira paixão. Numa ocasião ele recordou como, ao rezar o terço sendo um jovem sacerdote, «eu me colocava com a minha imaginação ao lado do Santo Padre quando o Papa celebrava a Missa» (AVP, III, p. 39). E outra vez, em Maio de 1943, escreveu a alguns dos fiéis da Obra que estavam em Roma: «Não podem imaginar como tenho inveja de vós: há uma fome no meu coração para fazer a minha romaria para ver Pedro. Cada vez que paro para pensar nisso, sinto-me, pela graça de Deus, ainda mais apaixonado pelo Papa, se isso for possível. Sede-me muito romanos. Não se esqueçam que, na fisionomia da nossa família, a principal característica, o ar de família, é o afecto e a adesão - o serviço! - à Santa Igreja, ao Santo Padre e aos Bispos - a Hierarquia Ordinária - em comunhão com a Santa Sé» (AVP, II, p. 620).

«Obrigado, meu Deus, pelo amor ao Papa que puseste no meu coração» (Caminho, n. 573). A sua biografia oferece algumas pistas neste sentido: a noite sem dormir à sua chegada a Roma em 1946, vivida com um afecto que, ao longo dos anos, se tornou mais teológico, como ele gostava de dizer (cf. AVP, III, pp. 38-42), e a sua proximidade com todos os Papas "seja quem for", "venha quem vier”. Esteve sempre profundamente ligado a todos os Pontífices romanos que reinaram durante a sua vida: Pio X, a quem sempre agradeceu por lhe ter possibilitado receber a sua primeira comunhão em tenra idade; Bento XV e Pio XI, durante cujos pontificados estudou para o sacerdócio até ser ordenado sacerdote em 1925; Pio XII, a quem se devem as sucessivas aprovações pontifícias do Opus Dei; João XXIII, cuja simplicidade e simpatia de trato ele apreciou; e Paulo VI, com quem se encontrou quando era Substituto da Secretaria de Estado («a primeira mão amiga que encontrei aqui em Roma»: AVP III, p. 43; AVP II, p. 378).

Até aos seus últimos dias na terra, viveu em profunda unidade com o Papa, oferecendo a sua vida pela Igreja e pelo Santo Padre. E promoveu essa unidade em todos os que o rodeavam «Ubi Petrus, ibi Ecclesia, ibi Deus. Queremos estar com Pedro – disse ele em 1965 – porque com ele está a Igreja, com ele está Deus e sem ele não está Deus. É por isso que eu quis romanizar a Obra» (citado em Urbano, 1995, p. 438). A criação em Roma de dois centros de formação para homens e mulheres de todo o mundo (o Colégio Romano da Santa Cruz e o Colégio de Santa Maria) é um claro exemplo disso. Também promoveu numerosas "romarias" videre Petrum, incluindo os encontros universitários UNIV realizados em Roma durante a Semana Santa desde 1968.


2. O amor ao Papa na doutrina de S. Josemaria

O amor pela Igreja fundada por Jesus Cristo e a existência nela, pela vontade de Cristo, de um Colégio Apostólico cuja cabeça é o Papa, é a premissa em que S. Josemaria se baseia para explicar o amor ao Santo Padre. Os bispos «formam o Colégio Episcopal, que tem por cabeça o Papa e governam com ele toda a Igreja» (CONV, 92). A particularidade que implica a difusão por diversos lugares é combinada com a dimensão universal representada por Roma. 

Assim, os binómios Papa-Bispos e Igrejas universal-Igrejas locais aparecem frequentemente nos seus escritos. Por exemplo, numa entrevista: «para quem são os frutos de todo este trabalho? São para as Igrejas locais que estes sacerdotes servem. E com isto se alegra a minha alma de sacerdote diocesano, que tem tido, além disso, repetidas vezes, a consolação de ver com que carinho o Papa e os Bispos abençoam, desejam e favorecem esse trabalho» (CONV, 16). Esta comunhão com a hierarquia é uma garantia e uma premissa para viver a fraternidade cristã. «Faz parte essencial do espírito cristão não só viver em união com a Hierarquia ordinária – o Romano Pontífice e o Episcopado – como também sentir a unidade com os outros irmãos na fé» (CONV, 61).

Existe na Igreja uma unidade radical (cada baptizado é incorporado em Cristo) e uma diversidade de funções e ministérios. «Na Igreja há igualdade: uma vez baptizados, somos todos iguais, porque somos filhos do mesmo Deus, Nosso Pai. Como cristãos, não há qualquer diferença entre o Papa e a última pessoa a incorporar-se na Igreja. Mas esta igualdade radical não implica a possibilidade de mudar a constituição da Igreja, naquilo que foi estabelecido por Cristo. Por expressa vontade divina temos uma diversidade de funções, que comporta também uma capacidade diversa, um carácter indelével conferido pelo Sacramento da Ordem para os ministros sagrados. No vértice dessa ordenação está o sucessor de Pedro e, com ele, e sob ele, todos os bispos: com a sua tríplice missão de santificar, de governar e de ensinar» (AIG, p. 58).

A igualdade fundamental de todos os fiéis a partir do Baptismo, e a unidade que dele deriva, são realizadas numa comunhão viva e concreta com o Papa e os bispos, isto é, com os sucessores de Pedro, e os outros Apóstolos. Não é simplesmente uma efusão sentimental, mas uma unidade afectiva e efectiva com os sucessores do Colégio Apostólico, cuja cabeça é o sucessor de Pedro. Nas suas homilias, este amor pelo Pontífice Romano aparece frequentemente e em tons apaixonados: «Esta Igreja Católica é romana. Eu saboreio esta palavra: romana! Sinto-me romano, porque romano quer dizer universal, católico; porque me leva a amar carinhosamente o Papa, il dolce Cristo in terra, como gostava de repetir Sta. Catarina de Sena, a quem tenho como amiga amadíssima» (AIG, p. 30). A catolicidade e apostolicidade, e com elas a romanidade, estão intimamente ligadas desde as suas origens, uma vez que constituem as notas da Igreja fundada por Cristo. A sucessão apostólica é o critério para discernir a verdadeira Igreja.

A figura do Papa e a sua autoridade ordinária, universal e suprema sobre toda a Igreja correspondem à vontade de Cristo. É Cristo Cabeça que concede esta função de representação aos Apóstolos e, no seu centro, a Pedro. «Ninguém na Igreja goza por si mesmo de potestade absoluta, enquanto homem; na Igreja não há outro chefe além de Cristo; e Cristo quis constituir um Vigário seu – o Romano Pontífice – para a sua Esposa peregrina nesta terra» (AIG, p. 32).

Desta profunda realidade, parte viva do mistério da Igreja, emergem consequências práticas muito concretas. «Contribuímos para tornar mais evidente essa apostolicidade aos olhos de todos, manifestando com requintada fidelidade a união com o Papa, que é união com Pedro. O amor ao Romano Pontífice há-de ser em nós uma formosa paixão, porque nele vemos a Cristo. Se tivermos intimidade com o Senhor na nossa oração, caminharemos com um olhar desanuviado que nos permitirá distinguir, mesmo nos acontecimentos que às vezes não compreendemos ou que nos causam pranto ou dor, a acção do Espírito Santo» (AIG, p. 34). Em Pedro o universal e o local, o católico e o particular estão unidos. «Ser romano não implica nenhum particularismo, mas ecumenismo autêntico. Representa o desejo de dilatar o coração, de abri-lo a todos com as ânsias redentoras de Cristo, que a todos procura e a todos acolhe, porque a todos amou primeiro» (AIG, pp. 30-31). Para S. Josemaría, a romanidade e a catolicidade são dois aspectos inseparáveis e complementares da unidade e universalidade da Igreja.

«Cada dia hás de crescer em lealdade à Igreja, ao Papa, à Santa Sé... Com um amor cada vez mais teológico!» (Sulco, n. 353), ou seja, não menos sentido, mas talvez menos sentimental e, em qualquer caso, mais profundo e eficaz. O amor torna-se assim obediência: «Acolhe a palavra do Papa com uma adesão religiosa, humilde, interna e eficaz: serve-lhe de eco!» (Forja, n. 133). «Não pode haver outra disposição num católico: defender "sempre" a autoridade do Papa; e estar "sempre" docilmente decidido a rectificar a opinião, ante o Magistério da Igreja» (Forja, n. 581). «A fidelidade ao Romano Pontífice implica uma obrigação clara e determinada: a de conhecer o pensamento do Papa, manifestado em Encíclicas ou noutros documentos, fazendo tudo o que estiver ao nosso alcance para que todos os católicos acolham o magistério do Padre Santo e acomodem a esses ensinamentos a sua actuação na vida» (Forja, n. 633). A crescente comunhão com o Papa deveria ser um verdadeiro incentivo para o desenvolvimento da própria vida cristã: "Que a consideração diária do duro peso que grava sobre o Papa e sobre os bispos, te urja a venerá-los, a estimá-los com verdadeiro afecto, a ajudá-los com a tua oração» (Forja, n. 136). E com atos concretos de vida cristã: «Ama, venera, reza, mortifica-te – cada dia com mais amor – pelo Romano Pontífice, pedra basilar da Igreja, que prolonga entre todos os homens, ao longo dos séculos e até ao fim dos tempos, aquele trabalho de santificação e governo que Jesus confiou a Pedro» (Forja, n. 134). «O teu maior amor, a tua maior estima, a tua mais profunda veneração, a tua obediência mais rendida, o teu maior afecto há-de ser também para o Vice-Cristo na terra, para o Papa. Os católicos têm de pensar que, depois de Deus e da nossa Mãe a Virgem Santíssima, na hierarquia do amor e da autoridade, vem o Santo Padre» (Forja, n. 135).

Daí uma ideia que S. Josemaria comentou em várias ocasiões: a realidade do Papa como centro de unidade que não só é compatível com a universalidade como a torna possível. «A nossa Santa Mãe a Igreja, em magnífica extensão de amor, vai espalhando a semente do Evangelho por todo o mundo. De Roma à periferia. – Ao colaborares nessa expansão, pelo orbe inteiro, leva a periferia ao Papa, para que a terra toda seja um só rebanho e um só Pastor: um só apostolado!» (Forja, n. 638).

Em suma, o amor pelo Papa não é um sentimento efémero ou superficial, mas faz parte do amor ardente de Cristo que deve caracterizar o cristão. O "cum Petro per Mariam" conduz necessariamente ao "ad lesum". São mediações expressamente queridas por Deus, que manifestam a necessidade da Igreja, visivelmente representada pelo Papa e pelos bispos. O amor pela Igreja, universal e local ao mesmo tempo, tem uma natureza profundamente romana. A romanidade é um sinal de amor verdadeiro e sacramental por Jesus Cristo e pela sua Igreja, que por sua vez é a fonte da acção concreta, operativa e comunional. «Oferece a oração, a expiação e a acção por esta finalidade: "ut sint unum!", para que todos os cristãos tenham uma mesma vontade, um mesmo coração, um mesmo espírito: para que "omnes cum Petro ad Iesum per Mariam!", todos, bem unidos ao Papa, vamos a Jesus, por Maria» (Forja, n. 647).

Pablo Blanco