“O triunfo de Cristo na humildade” (4:49)
Lux fulgebit hodie super nos, quia natus est nobis Dominus [1] – Hoje brilhará sobre nós a luz, porque nos nasceu o Senhor! Eis a grande novidade que comove os cristãos e que, através deles, se dirige à Humanidade inteira. Deus está aqui! Esta verdade deve encher as nossas vidas. Cada Natal deve ser para nós um novo encontro especial com Deus, deixando que a sua luz e a sua graça entrem até ao fundo da nossa alma.
Detemo-nos diante do Menino, de Maria e de José; estamos contemplando o Filho de Deus revestido da nossa carne... Vem-me à lembrança a viagem que fiz a Loreto, em 15 de Agosto de 1951, para visitar a Santa Casa por motivo muito íntimo. Celebrei lá a Santa Missa. Queria dizê-la com recolhimento mas não tinha contado com o fervor da multidão. Não tinha calculado que nesse grande dia de festa muitas pessoas dos arredores viriam a Loreto – com a bendita fé dessa terra e com o amor que têm à Madona. E a sua piedade, considerando as coisas – como diria? – só do ponto de vista das leis rituais da Igreja, levava-as a manifestações não muito correctas. E assim, enquanto eu beijava o altar, nos momentos prescritos pelas rubricas da Missa, três ou quatro camponeses beijavam-no ao mesmo tempo. Distraía-me mas estava emocionado. E também me atraía a atenção a lembrança de que naquela Santa Casa – que a tradição assegura ser o lugar onde viveram Jesus, Maria e José – na mesa do altar tinham gravado estas palavras: Hic Verbum caro factum est . Aqui, numa casa construída pelas mãos dos homens, num pedaço de terra em que vivemos, habitou Deus!
Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito homem
O Filho de Deus fez-se carne e é perfectus Deus, perfectus homo [2], perfeito Deus e perfeito homem! Neste mistério há qualquer coisa que deveria emocionar os cristãos. Estava e estou comovido; gostava de voltar a Loreto... Vou lá em desejo para reviver os anos da infância de Jesus, repetindo e considerando: Hic Verbum caro factum est !
Jesus Christus, Deus Homo , Jesus Cristo, Deus-Homem! Eis uma magnalia Dei [3], uma das maravilhas de Deus em que temos de meditar e que temos de agradecer a este Senhor que veio trazer a paz na terra aos homens de boa vontade [4], a todos os homens que querem unir a sua vontade à Vontade boa de Deus. Não só aos ricos, nem só aos pobres! A todos os homens, a todos os irmãos! Pois irmãos somos todos em Jesus; filhos de Deus, irmãos de Cristo. Sua Mãe é nossa Mãe.
Na terra há apenas uma raça: a raça dos filhos de Deus. Todos devemos falar a mesma língua: a que o nosso Pai que está nos Céus nos ensina; a língua dos diálogos de Jesus com seu Pai; a língua que se fala com o coração e com a cabeça; a que estais a usar agora na vossa oração. É a língua das almas contemplativas, dos homens espirituais por se terem dado conta da sua filiação divina; uma língua que se manifesta em mil moções da vontade, em luzes vivas do entendimento, em afectos do coração, em decisões de rectidão de vida, de bem-fazer, de alegria, de paz.
É preciso ver o Menino, nosso Amor, no seu berço. Olhar para Ele, sabendo que estamos perante um mistério. Precisamos de aceitar o mistério pela fé, aprofundar o seu conteúdo. Para isso necessitamos das disposições humildes da alma cristã: não pretender reduzir a grandeza de Deus aos nossos pobres conceitos, às nossas explicações humanas, mas compreender que esse mistério, na sua obscuridade, é uma luz que guia a vida dos homens.
Vemos – diz S. João Crisóstomo – que Jesus saiu de nós, da nossa substância humana, e que nasceu de Mãe virgem; mas não entendemos como pode ter-se realizado esse prodígio. Não nos cansemos, tentando descobri-lo; aceitemos antes com humildade o que Deus nos revelou sem esquadrinharmos com curiosidade o que Deus nos escondeu [5]. Assim, com este acatamento, saberemos compreender e amar; e o mistério será para nós um esplêndido ensinamento, mais convincente do que qualquer outro raciocínio humano.
[1] Is. IX, 2; Cântico de entrada da II Missa do Natal
[2] Símbolo Quicumque
[3] Act. II, 11
[4] Lc. II, 14
[5] S. João Crisóstomo, in Mathaeum homiliae , 4,3 (PG 57,43)
Texto extraído da homilia “O triunfo de Cristo na humildade” pronunciada em 24–XII–1963 por S. Josemaria Escrivá de Balaguer publicada em “Cristo que passa”.