Molinoviejo, maio de 1951

"Au pas de Dieu" é uma biografia de S. Josemaria escrita por François Gondrand, de que reproduzimos o texto seguinte.

Em 28 de abril de 1951, S. Josemaria Escrivá deixa Roma para passar uns dias em Espanha. Instala-se em Molinoviejo, perto de Segóvia, lugar que lhe traz à memória inúmeras recordações.

O motivo da sua viagem é o Congresso do Conselho Geral do Opus Dei, que vai ter lugar em Molinoviejo.

Com a aprovação definitiva da Obra, há apenas um ano, a Santa Sé confirmou a sua organização e a sua forma de governo. O dinamismo apostólico do Fundador e a sua profunda formação jurídica tornam-se patentes tanto no modo como quis que a Obra seja gerida como na sua estrutura interna, que ele próprio descreverá a um jornalista francês como uma organização desorganizada.

Quanto à estrutura, é particularmente simples: cada uma das Secções – a de homens e a de mulheres –, que funcionam separadamente, sempre com o mesmo espírito, tem um conselho, formado por sacerdotes e por leigos, que assessora e ajuda o Presidente Geral (desde 28-XI-1982, Prelado), que na etapa fundacional é o próprio Fundador, o qual confere e assegura a unidade fundamental de espírito e de jurisdição entre as duas Secções. Em cada país ou região, um Conselheiro (atualmente, Vigário Regional) preside a órgãos similares.

Em todo os níveis, cada escalão de governo limita-se a estimular o apostolado de todos os membros e manter o espírito próprio da Obra. Porque a atividade essencial do Opus Dei – a sua razão de ser – não é outra senão garantir a formação dos seus membros e ajudá-los a perseverar no caminho a que Deus os chamou. Quanto às suas iniciativas apostólicas, podem revestir as formas mais variadas, já que a diversidade de situações em que cada um se encontra é praticamente inesgotável. Consequentemente, a autonomia dos membros é total, não só no tocante às suas atividades familiares, profissionais e sociais, como também no modo concreto como procuram aproximar de Deus aqueles que os rodeiam. À Obra sóinteressa que o espírito sobrenatural que a anima se transmita de forma íntegra.

De tudo isso resulta uma forma de governo baseada na descentralização, na delegação de responsabilidades e iniciativas e na colegialidade, o que, por outro lado, corresponde adequadamente ao caráter secular do espírito do Opus Dei. O Padre confia plenamente em que cada um dos seus filhos saberá cumprir o seu dever e ensina-os a fazerem o mesmo com os que dependem deles nas suas tarefas de governo. Por isso costuma dizer que tem mais confiança na afirmação de um dos seus filhos do que na de mil notários juntos e unânimes.

Uma das normas aprovadas pela Santa Sé prevê que cada Secção organize, periodicamente e em separado, um Congresso Geral, em que irão participar determinados membros da Obra. Tais congressos serão uma ocasião de rever a situação apostólica em cada país ou região, de se formularem iniciativas e de ser designado, conforme o caso, o Conselho Geral (Secção de homens) ou a Assessoria Central (Secção de mulheres).

O congresso que se vai realizar, presidido pelo Fundador, será o primeiro desses congressos.

"Consummati in unum"

Mal chega a Molinoviejo, o Padre tem a alegria de voltar a ver alguns dos seus filhos mais velhos.

Fala-lhes de Roma, do trabalho apostólico em Itália, do andamento das obras em Villa Tevere… Com a fé e o tom vibrante que o caraterizam, evoca também a expansão futura da Obra.

Quando conversa com os membros do Congresso, e nas meditações que lhes dirige, comenta aquelas palavras do Senhor: Consummati in unum… “Para que a sua unidade seja perfeita e para que o mundo conheça que Me enviaste e que os amaste como Me amaste” (Jo, 17, 23). Unidade de todos os membros da Obra, espalhados já por um número crescente de países. Unidade profunda de sentimentos e de doutrina, que garante a espontaneidade das iniciativas apostólicas. União com a cabeça visível da Igreja, o Papa…

Para responder às demonstrações de afeto que o Fundador lhe fez chegar, Pio XII enviou, através de Mons. Montini, o seguinte telegrama: “Soberano Pontífice, vivamente comovido testemunho filial adesão Congresso Geral do Opus Dei, deseja luzes, graças divinas sobre trabalhos para seguro, eficaz serviço Igreja, concedendo de todo coração Vossa Reverência, congressistas, solicitada bênção apostólica”.

Nova campanha difamatória

Ao regressar a Roma, no dia 12 de maio de 1951, o Fundador do Opus Dei depara com uma má notícia: apesar das aprovações da Santa Sé, as antigas calúnias voltam a erguer-se, agora em Itália. Tal como em Espanha durante os anos quarenta, alguém tratou de inquietar as famílias dos primeiros membros italianos da Obra. Um grupo de pessoas, confundidas por informações enganosas, dirigiu uma carta ao Papa acusando o Opus Dei de ter desviado os seus filhos do caminho reto… Algo que pode ter consequências graves num momento em que a Obra acaba de receber a aprovação definitiva da Santa Sé.

A injúria é particularmente penosa para o Padre, que sempre procurou que os seus filhos se mostrem cheios de delicadeza e afeto para com a sua família de sangue. Tanto assim que, quando fala do quarto Mandamento da Lei de Deus – “honrar pai e mãe” – o designa dulcíssimo preceito do Decálogo.

Antes de iniciar diligência alguma para neutralizar as calúnias, escreve numa nota: “Roma, 14 de maio 1951. Pôr sob o patrocínio da Sagrada Família – Jesus, Maria e José – as famílias dos nossos: para que consigam participar do gaudium cum pace da Obra e obtenham do Senhor o carinho para com o Opus Dei”.

Umas horas depois, enquanto visita as obras de Villa Tevere, o Padre cumpre a sua promessa: detêm-se numa sala retangular, destinada a oratório, e ali, entre aquelas paredes ainda por revestir, põe nas mãos da Sagrada Família de Nazaré a solução daquele problema concreto, e também, de forma mais abrangente, as famílias de todos os membros da Obra, atuais e futuros.

Passados alguns dias, as pessoas que, de boa-fé, tinham assinado aquela carta vão retirando as suas assinaturas, uma a uma. Fora suficiente explicar-lhes os fins da Obra e fazer-lhes ver claramente que as informações que lhes tinham dado eram falsas.

Uma vez concluído aquele oratório, dedicado à Sagrada Família, o Padre mandará colocar no retábulo um quadro dum pintor italiano representando a Sagrada Família de Nazaré e, numa parede lateral, uma placa de mármore com o texto da consagração escrita pelo Fundador, texto que será lido todos os anos, na festa da Sagrada Família, em todos os Centros da Obra:

Ó Jesus, nosso amabilíssimo Redentor, que ao vires iluminar o mundo com o exemplo e com a doutrina, quiseste passar a maior parte da tua vida submetido a Maria e a José na humilde casa de Nazaré, santificando a família que todos os lares cristãos deviam imitar: acolhe benignamente a consagração das famílias dos Teus filhos no Opus Dei, que agora Te fazemos. Coloca-as sob a Tua proteção e guarda, e faz com que vivam segundo o divino modelo da Tua Sagrada Família.

Uma peregrinação de penitência

Uma vez acalmados os ânimos, o Fundador do Opus Dei continua a dedicar todas as suas energias à formação dos seus filhos e filhas e às suas tarefas como Presidente Geral. Pensa, entre outras coisas, nos que em breve irão para a Colômbia e na instalação duma grande residência de estudantes em Londres, que poderá ser um foco de irradiação cristã em toda a Inglaterra e nos países que conservam as marcas da influência britânica. Analisa também outros projetos, como a possível criação duma Universidade em Espanha…

Entretanto, sem que aparentemente nada o justifique, tem uma espécie de estranho pressentimento. Algo parecido ao que acontece com as mães, que têm uma espécie de sexto sentido que lhes faz adivinhar os problemas dos seus filhos, embora se encontrem longe… “Passa-se alguma coisa; não sei o que é, mas algo se passa”…

A inquietação do Padre é ainda mais viva porquanto a falta de elementos objetivos o impede de recorrer a alguém para se defender ou para pedir explicações.

Nessas circunstâncias, o seu único recurso está na Mãe de Deus. Assim, já perto do 15 de agosto de 1951, em Castelgandolfo, onde vai com frequência, anuncia aos seus filhos o seu propósito de honrar a Virgem na festa da Assunção fazendo uma peregrinação a Loreto para consagrar a Obra a Nossa Senhora: “No dia 15 porei nas mãos de Maria, em Loreto, a Obra inteira; colocarei os vossos corações na patena e oferecê-los-ei ao Senhor. Também lhe oferecerei, por meio de Maria, todos os outros homens e todos os países do mundo, porque sempre que se trata do Senhor sou muito ambicioso. Faremos uma viagem rápida, como mortificação”.

No dia 14, às primeiras horas da tarde, sai de carro para Loreto, acompanhado pelo Pe. Álvaro del Portillo e outros dois membros da Obra. Está um calor sufocante, próprio do ferragosto, como dizem os italianos. Nessa ocasião, o Padre não fala, nem sequer canta, como costuma fazer quando viaja. Os seus acompanhantes respeitam o seu silêncio e o seu recolhimento, associando-se mentalmente à sua oração, conscientes de estarem a viver um momento de excecional importância.

Quando, ao cair da tarde, chegam finalmente a Loreto, numerosos peregrinos dirigem-se ao Santuário. Assim que sai do carro, o Padre dirige-se para a basílica a tal velocidade que os que o acompanham perdem-no de vista. Imediatamente, entra na Santa Casa de Nazaré, justaposta no templo (a qual, segundo a tradição, foi milagrosamente transportada para Loreto) e ali reza fervorosamente, depois de ler, uma e outra vez, com intensa emoção, a inscrição gravada no altar da capela: Hic Verbum caro factum est: aqui, numa casa construída pela mão dos homens, num pedaço da terra em que vivemos, habitou Deus.

No dia seguinte, às nove da manhã, celebra a Santa Missa nesse mesmo altar da capela, mas a afluência da multidão de peregrinos nesse dia da Assunção é tão grande que lhe é difícil recolher-se. Sempre que, segundo o prescrito pelas normas litúrgicas, beija o altar, três ou quatro camponesas beijam-no também.

Durante a ação de graças, continua o movimento, de tal modo que, para evitar os empurrões, tem de se refugiar num corredor estreito situado atrás do altar. Mas os peregrinos invadem-no também, à força de empurrões…

O Padre oferece esses incómodos – fruto da devoção daquelas pessoas – e concentra-se naquilo que o levou ali: depositar a sua inquietação nas mãos da Virgem; consagrar ao Imaculado Coração de Maria o Opus Dei e todos os seus membros: “os nossos corpos, os nossos corações e as nossas almas: nós somos Teus e Teus são os nossos trabalhos apostólicos”; pedir-lhe que mantenha firme e seguro o caminho da Obra.

Seguidamente, invade-o uma paz profunda, de tal modo que quando deixa o Santuário de Loreto tem a convicção de que, se a Obra está ameaçada, como confusamente pressente, nada há a temer: a Mãe de Deus, a quem acaba de consagrar toda a Obra na “Santa Casa”, vela por ela.

Cor Mariae dulcissimum, iter para tutum! Coração dulcíssimo de Maria, prepara-nos um caminho seguro… Aplaina as dificuldades! Abre-nos o caminho!

Em Itália, em Espanha, em Portugal

Durante as semanas seguintes, o Padre visita outros santuários marianos: Nossa Senhora de Pompeia, perto de Nápoles; Lurdes, no dia 6 de outubro de 1951, a caminho de Espanha, onde vai assistir ao primeiro Congresso Geral da Secção de mulheres da Obra; Nossa Senhora do Pilar, em Saragoça… Em todos eles renova a consagração que fez em Loreto e repete a mesma jaculatória: Cor Mariae dulcissimum, iter para tutum!

Às suas filhas, reunidas em Los Rosales, uma casa situada nas proximidades de Madrid, fala-lhes da expansão da Obra pelo mundo, da maravilhosa aventura que vão viver se permanecerem fiéis aos meios sobrenaturais de sempre: oração, mortificação, Sacramentos…

Uns dias antes, um jovem engenheiro, Bartolomé Roig, foi trabalhar para a Venezuela e a 11 de outubro, durante a sua estada em Espanha, o Padre deu a bênção a Teodoro Ruiz Jusué, que estava prestes a partir para a Colômbia. Depois, com um amoroso impulso, tira um crucifixo de mármore pendurado no seu quarto e entrega-lho, com dois volumes encadernados das obras de Santo Agostinho e um pequeno quadro com uma imagem da Virgem pintada sobre cobre, um presente da sua irmã Carmen. São os únicos “tesouros” que lhe pode dar…

No dia 19 de outubro, vindo de Coimbra, detém-se uma vez mais em Fátima antes de prosseguir viagem para Lisboa. Reza intensamente na Capela das Aparições e volta a consagrar a Obra ao Imaculado Coração de Maria.

Fim de uma ameaça

No dia 24 de outubro já está de novo em Villa Tevere, em Roma. Ali informam-no de que vai ter de prescindir dos serviços da empresa construtora, porque não cumpre o contrato. Por outro lado, são tais as dificuldades financeiras que é preciso reduzir os gastos o mais possível. Os alunos do Colégio Romano deixam praticamente de fumar e vão a pé para a Universidade ou para o seu local de trabalho.

D. Álvaro esforça-se por fazer frente, não sem dificuldades, ao vencimento dos créditos e pede ajuda a torto e a direito…

Ninguém pensa em reduzir, ou em renunciar a concluir, os edifícios da sede central da Obra, porque não é esse o espírito do Opus Dei, como o Padre o transmitiu aos seus filhos: as obras de Deus não fracassam nunca por falta de meios; se fracassam ,é por falta de bom espírito.

Por conseguinte, as obras de Villa Tevere não se interrompem. No final do ano o Fundador pode benzer um oratório e consagrar o altar de Villa Sacchetti, edifício independente reservado às mulheres da Obra, cujo oratório dedica ao Coração Imaculado de Maria, evocando a Consagração feita em 15 de agosto. Porque aquele pressentimento de um perigo que ameaçava a Obra continua a afligi-lo, embora não saiba qual é...

Por fim uma carta dos seus filhos de Milão vem lançar um pouco de luz: no dia 18 de fevereiro de 1952, dois membros da Obra – um sacerdote e um leigo – foram visitar o Cardeal Arcebispo, como costumavam fazer periodicamente, para o manter informado acerca dos seus trabalhos apostólicos. Mal tinham chegado, o Cardeal Schuster perguntara-lhes pelo Padre:

– Não está a passar por uma contradição especial, por uma Cruz muito forte?

Os dois membros da Obra tinham-lhe respondido que não sabiam de nada, mas que se era assim estaria muito contente, porque sempre tinha ensinado aos seus filhos que quando se está perto da Cruz está-se muito perto de Jesus…

“– Não, não –insistira o Cardeal –. Dizei-lhe que se lembre do seu conterrâneo S. José de Calasâncio e… que se mexa”.

Ao receber a carta dos seus filhos, compreende tudo. Conhece bem a história do Fundador das Escolas Pias. Não fora em vão que em Barbastro fora aluno de uma delas, sem esquecer que S. José de Calasâncio era aragonês e tinha laços de parentesco com a sua família…

Aquele santo da sua terra tinha fundado em Roma uma congregação religiosa para instruir e educar crianças de famílias humildes, mas, no final da sua vida – já com mais de oitenta anos – tinha sido vítima de intrigas inqualificáveis, urdidas por um dos seus filhos, o Pe. Mário. Este, enganando o Papa, tinha-o denunciado ao santo Ofício, conseguindo usurpar o seu cargo de Superior e que fosse expulso da congregação que tinha fundado…

Não tarda a receber dados mais concretos: existe, de facto, um projeto de desmantelamento da Obra que, diversamente do caso de S. José de Calasâncio, procede de fora. Um plano verdadeiramente diabólico: trata-se de separar as duas secções do Opus Dei – a de homens e a de mulheres – e de obrigar o Fundador não só a renunciar ao seu cargo de Presidente Geral, mas a retirar-se da Obra.

Possivelmente, o projeto já está nas mãos de altas hierarquias do Vaticano. Aprová-lo equivale a destruir a Obra, porque a unidade de espírito entre as duas Secções e a unidade de governo, garantidas pela pessoa do Presidente Geral, é algo essencial, que faz parte do carisma fundacional.

O segundo objetivo – a expulsão do Fundador – leva-o a dizer, com lágrimas nos olhos: “Se me expulsam, matam-me; se me expulsam, assassinam-me”. Sente-se como que comprimido entre duas pranchas de ferro. Se o seu coração não rebenta é devido à sua ilimitada confiança em Deus e à segurança que lhe proporcionam as suas recentes peregrinações aos santuários da Virgem.

Dá-se conta, também, de que é preciso atuar, deve “mexer-se”, como lhe recomendou afetuosamente, por meio dos seus dois filhos de Milão, o Cardeal Schuster.

Oficialmente, contudo, o Presidente Geral do Opus Dei continua sem saber nada. Além disso, não pode apresentar um recurso contra uma decisão que ainda não foi tomada. Resta a possibilidade de se dirigir pessoalmente ao Papa, fazendo-lhe saber que está a par do que se maquina…

A carta é filialmente, dolorosamente, direta. Mons. Escrivá não pede nada para ele. Unicamente pede que, por amor à justiça, o informem abertamente das acusações. O Fundador abre a sua consciência de sacerdote enamorado da Igreja: não tem nenhum medo à verdade. O Padre bem sabe que se trata duma campanha de calúnias e falsas acusações: uma inexplicável zelotipia fez com que, uma vez mais, se propalassem falsidades, com o fim de levantar um clima de suspeição e desconfiança contra a Obra. Não se preocupa com a sua pessoa; o que não pode tolerar é a ofensa a Deus e a injustiça que isso pressupõe para com todos os seus filhos e filhas, que servem a Igreja com plena fidelidade ao espírito e às normas expressamente aprovadas pela Santa Sé.

Quando o Fundador dá a carta a ler a Álvaro del Portillo, este pede ao Padre que lhe deixe assiná-la também.

Uns dias mais tarde, a 18 de março de 1952, o Cardeal Tedeschini, encarregado de apresentar à Santa Sé os assuntos relacionados com o Opus Dei, lê a carta a Pio XII. Embora o procedimento tenha sido realmente pouco usual, o Papa, sem dúvida emocionado com a excecional franqueza de Mons. Escrivá e a sinceridade que emana da sua missiva, imediatamente lhe responde que não há motivo para que tais propostas sejam aceites.

Uma vez mais, uma tentativa de destruir o Opus Dei saiu frustrada.

Para Mons. Escrivá, tal como para o pequeno grupo de membros da Obra que têm conhecimento do que se passou, foi a Mãe de Deus, ardentemente invocada em Loreto e noutros santuários marianos, que obteve esta graça extraordinária.

Em junho de 1952, o Fundador completa o ato de entrega à Virgem Maria realizado no ano anterior com uma nova consagração da Obra, neste caso ao Sagrado Coração de Jesus.

Finalmente, em 26 de outubro, solenidade de Cristo Rei, num pequeno oratório da sede central, ainda por terminar, o Padre pede ao Senhor que conceda a paz à Obra, ao mundo, a todos os homens de boa vontade: “Ó dulcíssimo Jesus (…), ao consagrar-Te a nossa Obra com todos os seus trabalhos apostólicos, consagramos-Te também as nossas almas com todas as sua faculdades; os nossos sentidos; os nossos pensamentos, as nossas palavras e as nossas ações; os nossos trabalhos e as nossas alegrias. Especialmente Te consagramos os nossos pobres corações, para que não tenhamos mais liberdade quea de Te amar a Ti, Senhor”.

É Deus Quem faz tudo…

Apesar de muito graves, estes acontecimentos não impediram de todo o desenvolvimento dos apostolados da Obra.

A Roma chegam, cada vez em maior número, estudantes e jovens licenciados que vão aprofundar a sua formação. No início do verão de 1952, o Padre solicita à sua irmã Carmen que passe a residir em Salto di Fondi – localidade situada entre Roma e Nápoles – para atender o cuidado material duma casa de campo, situada junto ao mar, onde passarão uma temporadas, em turnos sucessivos, grupos de alunos do Colégio Romano da Santa Cruz.

Em julho, oito membros do Opus Dei recebem as ordens sagradas numa igreja de Madrid. Pouco antes, abriu em Pamplona uma escola de Direito, embrião duma futura Universidade. Trata-se de um sonho antigo do Padre, para cuja realização rezou e trabalhou ao longo de anos e anos. Para ele é muito claro que embora o apostolado dos membros revista um caráter pessoal, de amizade e confidência, em todos os ambientes, será também necessário promover em todos os países algumas atividades orientadas para a educação e a promoção social. A iniciativa corresponderá aos seus filhos ou às suas filhas, em colaboração com outras pessoas. A Obra limitar-se-á a insuflar o seu espírito nessas realizações, cuja missão consistirá em resolver problemas concretos dum país, duma região ou dum setor da sociedade, constituindo, simultaneamente, instrumentos aptos para difundir a doutrina cristã e âmbito propício para o apostolado pessoal dos membros da Obra que nelas exerçam o seu trabalho profissional.

Essa era a finalidade da Academia DYA, aberta em Madrid em 1933, e das diferentes residências de estudantes instaladas desde então. No entanto, este projeto é mais ambicioso, e o Padre espera muito dele: uma Universidade digna desse nome, cuja influência se estenderá não só a toda a Espanha mas também a outras nações.

Pouco a pouco, começam a chegar a Roma boas notícias procedentes dos países e cidades aonde se tem ido nos últimos anos.

No início do mês de julho de 1952, alguns dos que tinham iniciado o trabalho na Argentina, tendo como base a cidade de Rosário, instalam-se em Buenos Aires. Em agosto comunicam ao Padre que surgiu a primeira vocação feminina naquele país. No dia 30 desse mesmo mês, um sacerdote parte para a Venezuela, e um equatoriano que acaba de concluir os seus estudos em Roma regressa ao seu país. Outros dois membros da Obra estabelecem-se em Bona, capital da Alemanha Federal.

Em 1953 prossegue a expansão apostólica: abre em Dublin uma Residência de estudantes e dois membros do Opus Dei vão trabalhar profissionalmente no Peru e na Guatemala. Finalmente, em Paris – objetivo do Fundador desde os anos trinta – dois membros da Secção de homens alugam um pequeno apartamento na rua Dr. Blanch. No verão, junta-se a eles Fernando Maycas, o jovem jurista que já tinha residido em Paris vários anos e que foi ordenado sacerdote em Espanha. A sua instalação definitiva em Paris marca o começo dum trabalho estável e continuado em França.

***

O Padre realiza uma nova viagem a Espanha para passar em Molinoviejo, perto de Segóvia, no dia 2 de outubro de 1953, data em que passam vinte e cinco anos da fundação do Opus Dei. De caminho, faz uma paragem em Lurdes para rezar a Nossa Senhora no mesmo lugar onde o tinha feito no dia 11 de novembro de 1937, em plena guerra civil, após a longa e esgotante passagem dos Pirenéus.

Antes de deixar Roma, recebeu uma bênção especial do Santo Padre através duma carta do Cardeal Tedeschini, confirmada alguns dias depois por um telegrama de Mons. Montini, pró-secretário de Estado para os assuntos correntes.

Em Madrid esperam-no os seus filhos, para celebrar o aniversário. Porque, de facto, decorreu um quarto de século desde que viu a Obra pela primeira vez, quanto repicavam os sinos da igreja de Nossa Senhora dos Anjos…Agora, já a pode contemplar como o Senhor a queria, projetada no tempo – séculos – e fazendo na história da humanidade – humilde e silenciosamente – um sulco largo e profundo, luminoso e fecundo.

Ao aproximar-se este aniversário, tinha recomendado aos seus filhos e filhas que realizassem com maior empenho o seu trabalho nesse dia, intensificando a sua oração. “Sede – nesta terra tão cheia de rancores – semeadores de alegria e de paz: porque este heroísmo sem ruído da vossa vida corrente será o modo mais normal, segundo o nosso espírito, de solenizar as Bodas de Prata da nossa Mãe”.

Antes de regressar a Roma, o Padre aproxima-se de Portugal e depois, passando por Bilbau, chega a Paris, onde surpreende os seus filhos com a sua visita, no dia 24 de outubro. Desce para a Itália e passa por Milão e Loreto.

Aquela expansão da Obra, que não foi senão o começo, demonstra-lhe, uma vez mais, que foi Deus que a quis. Durante os dias que precedem e seguem o aniversário, repete sem cessar, como nos primeiríssimos tempos: “Não posso, não valho, não sei, não tenho, não sou nada!”. E conclui com o complemento lógico deste ato de fé: “Mas Tu és tudo”.

Este 2 de outubro deve ser para os seus filhos um novo ponto de partida, uma ocasião para alargar o horizonte do seu apostolado até aos últimos cantos do planeta.

“A vossa caridade há de ser ampla, universal: haveis de viver voltados para a humanidade inteira, pensando em todas as pessoas de todo o mundo. Essa atividade levar-vos-á a rezar por todos e, na medida das vossas possibilidades, a ajudar a todos”.

Quem, dentre os mais antigos, não recorda, ao ouvir estas palavras, aquele mapa-mundi da Residência de Jenner e aquela cruz que o Padre desenhava, com os seus quatro braços em forma de flecha, orientados para os quatro pontos cardeais?

N.T. Au pas de Dieu, Editions France-Empire, Paris 1982