Mensagem da Jornada Mundial da Paz

No dia 1 de Janeiro celebra-se em toda a Igreja o Dia Mundial da Paz. O lema de este ano é “Na verdade, a paz”. Recolhemos extractos da mensagem difundida por Bento XVI.

“A minha primeira Mensagem para o Dia Mundial da Paz segue a linha deste nobre lema: com ele, desejo confirmar uma vez mais a firme vontade da Santa Sé de continuar servindo a causa da paz”.

“O próprio nome de Bento, que adoptei no dia em que fui eleito para a Cátedra de Pedro, quer indicar a minha firme decisão de trabalhar pela paz. Com efeito, quis fazer referência tanto ao Santo Patrono de Europa, inspirador de uma civilização pacificadora de todo o Continente, bem como ao Papa Bento XV, que condenou a primeira Guerra Mundial como uma ‘matança inútil’ e se esforçou para que todos reconhecessem as razões superiores da paz”.

“O tema de reflexão deste ano – ‘Na verdade, a paz’- expressa a convicção de que, onde e quando o homem se deixa iluminar pelo resplendor da verdade, empreende de modo quase natural o caminho da paz”.

“A paz não pode reduzir-se a simples ausência de conflitos armados, mas deve entender-se como ‘o fruto de uma ordem atribuída à sociedade humana pelo seu divino Fundador’. (...) enquanto resultado de uma ordem desenhada e querida pelo amor de Deus, a paz tem a sua verdade intrínseca e inapelável, e corresponde ‘a um anseio e a uma esperança que nós temos de maneira inapagável’”.

“Quando falta a adesão à ordem transcendente da realidade, ou também o respeito àquela ‘gramática’ do diálogo que é a lei moral universal, inscrita no coração do homem; quando se obstaculiza e se impede o desenvolvimento integral da pessoa e a tutela dos seus direitos fundamentais; quando muitos povos se vêm obrigados a sofrer injustiças e desigualdades intoleráveis, ¿como se pode esperar a consecução do bem da paz? Com efeito, faltam os elementos essenciais que constituem a verdade do referido bem”.

“¿Quem e que pode impedir a consecução da paz? A este propósito, a Sagrada Escritura, no seu primeiro Livro, o Génesis, ressalta a mentira pronunciada no princípio da história pela serpente, o demónio. “A mentira está relacionada com o drama do pecado e suas consequências perversas, que causaram e continuam causando efeitos devastadores na vida dos indivíduos e das nações. Basta pensar (...) nos sistemas ideológicos e políticos aberrantes que tergiversaram de forma programada a verdade e conduziram à exploração e ao extermínio de um número impressionante de homens e mulheres, e inclusivamente de famílias e comunidades inteiras. Depois de tais experiências, ¿como não preocupar-se seriamente perante as mentiras do nosso tempo, que são como o telão de fundo de cenários ameaçadores de morte em diversas regiões do mundo? A autêntica procura da paz requer tomar consciência de que o problema da verdade e da mentira respeita a cada homem e a cada mulher, e que é decisivo para um futuro pacífico do nosso planeta”.

“Há que recuperar a consciência de estarmos unidos por um mesmo destino, transcendente em última instancia, para poder valorar melhor as próprias diferenças históricas e culturais, buscando a coordenação, em vez da contraposição, com os membros de outras culturas. Estas simples verdades são as que tornam possível a paz”.

“A verdade da paz apela a todos para cultivar relações fecundas e sinceras, estimula a buscar e recorrer o caminho do perdão e da reconciliação, a ser transparentes nas negociações e fiéis à palavra dada”.

“A Comunidade Internacional elaborou um direito internacional humanitário para limitar o mais possível as consequências devastadoras da guerra, sobretudo entre a população civil. A Santa Sé expressou em numerosas ocasiões e de diversas formas o seu apoio a este direito humanitário, animando a respeitá-lo e a aplicá-lo com diligência, convencida de que, até na guerra, existe a verdade da paz”.

O direito internacional humanitário deve considerar-se uma das manifestações mais felizes e eficazes das exigências que resultam da verdade da paz. Precisamente por isso, impõe-se como um dever para todos os povos respeitar este direito. Há de apreciar-se o seu valor e é preciso garanti ar sua correcta aplicação, actualizando-o com normas concretas capazes de fazer frente aos cenários variáveis dos actuais conflitos armados, assim como ao emprego de armamentos novos e cada vez mais sofisticados”.

“Hoje em dia, a verdade da paz continua a estar em perigo e é negada de maneira dramática pelo terrorismo que, com as sus ameaças e acções criminosas, é capaz de lançar o mundo em estado de ansiedade e insegurança”.

“Não só o niilismo, mas também o fanatismo religioso, que hoje se chama frequentemente fundamentalismo, pode inspirar e alimentar propósitos e actos terroristas. Intuindo desde o princípio o perigo destrutivo que representa o fundamentalismo fanático, João Paulo II denunciou-o energicamente, chamando a atenção sobre os que pretendem impor com a violência a própria convicção acerca da verdade, em vez de propô-la à livre aceitação dos demais”.

O niilismo e o fundamentalismo coincidem num perigoso desprezo pelo homem e pela sua vida e, em última instância, pelo próprio Deus. (...) na análise das causas do fenómeno contemporâneo do terrorismo é desejável que, além das razões de carácter político e social, se tenham em conta também as más fundas motivações culturais, religiosas e ideológicas”.

“Perante os riscos que vive a humanidade na nossa época, é tarefa de todos os católicos intensificar em todas as partes do mundo o anúncio e o testemunho do "Evangelio da paz", proclamando que o reconhecimento da plena verdade de Deus é uma condição prévia e indispensável para a consolidação da verdade da paz”.

A história demonstrou abundantemente que lutar contra Deus para o extirpar do coração dos homens conduz a humanidade, temerosa e empobrecida, a opções que não têm futuro. Isto há de levar os crentes em Cristo a (...) pôr-se ao serviço da paz, colaborando amplamente no âmbito ecuménico, assim como com as outras religiões e com todos os homens de boa vontade”.

“Ao observar o actual contexto mundial, podemos constatar com agrado alguns sinais prometedores no caminho da construção da paz. Penso, por exemplo, na diminuição numérica dos conflitos armados. (...) São sinais consoladores, que necessitam ser confirmados e consolidados mediante uma acção concorde e infatigável, sobretudo por parte da Comunidade Internacional e dos seus Organismos, responsáveis por prevenir os conflitos e procurar uma solução pacífica para os actuais”.

“Não obstante, todo isto não deve induzir a um optimismo ingénuo. Com efeito, não se pode esquecer que, por desgraça, existem ainda sangrentas contendas fratricidas e guerras desoladoras que semeiam lágrimas e morte em vastas zonas da terra”.

“As autoridades que, em lugar de fazer o que está em suas mãos para promover eficazmente a paz, fomentam nos cidadãos sentimentos de hostilidade relativamente a outras nações, assumem uma gravíssima responsabilidade”.

“¿Que dizer, também, dos governos que se apoiam nas armas nucleares para garantir a segurança do seu país? Junto com inumeráveis pessoas de boa vontade, pode afirmar-se que esta solução, além de funesta, é totalmente falaz. Com efeito, numa guerra nuclear não haveria vencedores, mas apenas vítimas. A verdade da paz exige que todos - tanto os governos que de maneira declarada ou oculta possuem armas nucleares, como os que querem possuí-las - invertam conjuntamente a sua orientação com opções claras e firmes, encaminhando-se para um desarme nuclear progressivo e acordado. Os recursos poupados deste modo poderiam empregar-se em projectos de desenvolvimento a favor de todos os habitantes e, em primeiro lugar, dos mais pobres”.

“A este propósito, tem de mencionar-se com amargura os dados sobre um aumento preocupante dos gastos militares e do comércio sempre próspero de armas, enquanto ficam como estancadas no pântano de uma indiferença quase geral o processo político e jurídico empreendido pela Comunidade Internacional para consolidar ol caminho do desarmamento”.

“O anseio que brota desde o mais profundo do coração é que a Comunidade Internacional saiba encontrar a valentia e a sensatez de impulsionar novamente, de forma decidida e conjunta, o desarmamento, aplicando concretamente o direito á paz, que é próprio de cada homem e de cada povo”.

Os primeiros beneficiários duma valente opção pelo desarmamento serão os Países pobres que, depois de tantas promessas, reclamam justamente a realização concreta do direito ao desenvolvimento”.

“A Igreja católica, ao mesmo tempo que confirma a sua confiança na Organização das Nações Unidas, deseja a sua renovação institucional e operativa que a torne capaz de responder às novas exigências da época actual, caracterizada pelo fenómeno difuso da globalização. A ONU há de chegar a ser um instrumento cada vez mais eficiente para promover no mundo os valores da justiça, da solidariedade e da paz”.

“É necessário que cada comunidade se entregue a um trabalho intenso e capilar de educação e de testemunho, que ajude cada um a tomar consciência de que urge descobrir cada vez mais profundamente a verdade da paz. Ao mesmo tempo, peço que se intensifique a oração, porque a paz é acima de tudo um dom de Deus que se há de suplicar continuamente”.