Meditação para o dia do Anjo de Portugal

Meditação para a Memória Litúrgica do Santo Anjo da Guarda de Portugal

10 DE JUNHO, FESTA DO ANJO DE PORTUGAL


1. A devoção ao Anjo de Portugal é muito antiga, e após as Aparições de Fátima Pio XII incluiu a sua comemoração litúrgica no calendário nacional.

É doutrina tradicional, baseada na Sagrada Escritura e em sólidas razões teológicas, que, além da proteção geral dos Anjos para com toda a humanidade e da assistência individual dos nossos Anjos da Guarda, Nosso Senhor destina um Anjo Custódio a cada família, cada comunidade e cada país[1]. O homem é, por natureza, um ser social, e, portanto, sendo a família e a nação realidades tão naturais como o homem, participam da sua dignidade. É muito conveniente, pois, que Deus o proteja também nessas dimensões pela intercessão angélica.

Em Fátima tivemos a imensa graça de ser confirmados nesta doutrina quando um Anjo apareceu aos pastorinhos e se identificou, primeiro como o Anjo da Paz e depois como o Anjo de Portugal, sendo convicção dos videntes tratar-se do mesmo. E assim ficámos a saber o seu nome, além da sua existência.

Na primavera de 1916, na Loca do Cabeço, aproximou-se dos três meninos, dizendo-lhes: «Não temais. Sou o Anjo da Paz. Orai comigo». E, ajoelhando-se, curvou-se até ao chão e rezou por três vezes: «Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço-Vos perdão para os que não creem, não adoram, não esperam e não Vos amam».

Dois meses mais tarde, junto do poço do quintal da Lúcia, apareceu-lhes novamente, e insistiu-lhes na necessidade de oração e sacrifícios: -«De tudo o que puderdes, oferecei um sacrifício em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido, e de súplica pela conversão dos pecadores. Atraí assim sobre a vossa Pátria a paz. Eu sou o Anjo da sua guarda, o Anjo de Portugal. Sobretudo aceitai e suportai com submissão o que o Senhor vos enviar».

Ainda uma terceira vez, em princípios do outono desse ano, o Anjo de Portugal mostrou-se aos videntes, ensinando-os a adorar, a desagravar e a receber com a maior devoção a Sagrada Eucaristia[2].

Demos graças a Deus pela bênção extraordinária destas aparições e pelos grandes ensinamentos contidos nas palavras angélicas, entre os quais o da importância de cada país aos olhos de Deus, o da nossa corresponsabilidade na sua sorte, principalmente na sua paz, e a certeza de que o primeiro serviço que havemos de prestar à nossa Pátria consiste numa forte vida de piedade e mortificação, centrada na Sagrada Eucaristia. Como escreve S. Josemaria, «o fundamento de toda a nossa atividade como cidadãos – como cidadãos católicos – está numa intensa vida interior: em sermos, eficaz e realmente, homens e mulheres que fazem do seu dia um diálogo ininterrupto com Deus»[3].

Realmente, só deste modo obteremos do Senhor uma verdadeira união fraterna e pacífica entre os nossos compatriotas: «Se nos é tão necessária a companhia familiar que se dignam ter connosco os Anjos», diz S. Bernardo, «evitemos com todo o cuidado ofendê-los e exercitemo-nos com generosidade nas obras que sabemos serem do seu agrado (...), mas o que acima de tudo exigem de nós os Anjos da paz é a união e a paz. Será, porventura, estranho que eles ponham as suas delícias nestas virtudes que reproduzem uma certa imagem da sua cidade e que lhes permitem admirar uma nova Jerusalém na terra?»[4].


2. O patriotismo faz parte da virtude da piedade, que, por sua vez, se liga à justiça. Quando o que recebemos de alguém excede as nossas possibilidades de retribuição, surge o dever de gratidão constante, manifestada ao longo de toda a vida em gestos de respeito e de serviço, segundo as nossas capacidades. Em primeiro lugar para com o Senhor, de Quem procede «toda a boa dádiva e todo o dom perfeito»[5] e de Quem «toda a paternidade toma o nome»[6], e depois para com os nossos pais e a Pátria. Reserva-se para o culto e a obediência a Deus o nome de virtude da religião, e o de piedade para o hábito sobrenatural de tributar aos pais e à pátria, e a todos os que se relacionam com eles, a honra e o serviço devidos.

Pátria quer dizer «terra dos pais». A obrigação do patriotismo procede do quarto mandamento do Decálogo, a que o nosso Padre chamava expressivamente «dulcíssimo preceito». Se é tão fácil amar os pais, também é espontâneo o amor à nossa Pátria, que num cristão se torna amor sobrenatural, mais profundo do que o natural apego à terra onde nascemos e à cultura em que fomos criados.

Bem sabemos, porém, como a espontaneidade dos afetos não significa sempre a sua boa ordem nem a sua perfeita retidão. Acontece por vezes que um sincero amor se reduz a mero sentimentalismo, sem autêntica preocupação de serviço. O nosso patriotismo deve ser eficaz, prático: «Cristão: estás obrigado a ser exemplar em todos os terrenos, também como cidadão, no cumprimento das leis encaminhadas ao bem comum», lembra-nos S. Josemaria em Forja[7], começando pelo empenho em sermos pontuais e sérios no trabalho profissional[8]. Além disso «esforça-te por que as instituições e as estruturas humanas em que trabalhas e te moves (...) se conformem aos princípios que regem uma conceção cristã da vida. Assim, não o duvides, asseguras aos homens os meios para viverem de acordo com a sua dignidade, e facilitas a muitas almas que, com a graça de Deus, possam responder pessoalmente à vocação cristã»[9].

Outras vezes um distorcido afeto ao país pode levar ao que há de mais oposto ao amor à Pátria: ao menosprezo e até ao ódio a outras nações, que também merecem a nossa gratidão, na medida em que fazem parte da grande pátria que é para nós o mundo inteiro, e porque de todas recebemos inúmeros benefícios. «Ser “católico” é amar a Pátria, sem admitir que ninguém tenha maior amor, e, ao mesmo tempo, ter por meus os nobres ideais de todos os povos (...) – Católico!... Coração grande, espírito aberto»[10].

Ainda que contássemos com sérios agravos de alguma nação, como podíamos esquecer os bens que dela certamente recebemos, fazer pagar males antigos por gerações presentes, não reconhecer que o nosso país também cometeu erros e injustiças contra outros povos, e não perdoar àqueles que são nossos irmãos? A única «vingança» cristã é a de pagar o mal com o bem, seja em relação a pessoas, seja em relação a países.

Graças a Deus, a nossa formação cristã arreda-nos desse vício odioso, porque, além da boa doutrina que recebemos, dá-nos uma estreita convivência fraterna com pessoas de todas as raças e nações, fazendo-nos sentir muito de perto os seus sofrimentos e alegrias, as suas riquezas culturais e as suas necessidades. Mas convém-nos estar atentos para que nem de longe pareça albergarmos no coração outros sentimentos que não sejam os de Cristo e que vimos arder no coração de S. Josemaria.

E não nos contentamos com o simples respeito e o amor a todas as nações; desejamos servir a humanidade inteira: «Compreendo que ames tanto a tua Pátria e os teus, e que, apesar desses vínculos, aguardes com impaciência o momento de atravessar terras e mares – ir a lugares longínquos! – porque te consome a ânsia da messe»[11].


3. A cultura portuguesa é fundamentalmente cristã, e a nossa história, com seus felizes ou desgraçados incidentes, está repleta de gestas heroicas e de grandes aventuras apostólicas. Os nossos descobrimentos, nomeadamente, representaram para a Igreja um novo Pentecostes: sendo universal por natureza, tornou-se então universal geograficamente. Povos das quatro partidas do mundo ouviram na nossa língua, pela primeira vez, o anúncio de Cristo, e grandes multidões das mais diversas regiões abraçaram a fé. Por isso S. Josemaria nos dizia carinhosamente, numa das suas vindas a Portugal, que o português tinha sido «a língua da Igreja durante muitos séculos».

Mais do que orgulhar-nos deste honroso passado, temos de ver nele uma bênção divina sobre a nossa Pátria, e pedir perdão pelo muito mais que devíamos ter feito em favor das almas. Apesar de abertos ao mundo inteiro, é natural que sonhemos especialmente com a evangelização naqueles povos que partilham a nossa história, a nossa língua e a nossa cultura, e são por isso os nossos primeiros irmãos.

Se em toda a parte é necessária a missão, e embora de Portugal já tenham saído muitos evangelizadores ao longo dos séculos, sentiremos decerto a urgência de muitas vocações portuguesas para estender a fé por todo o mundo, e em primeiro lugar para recristianizar o nosso país, consagrado desde há séculos à Imaculada Conceição.

Realmente, outra enorme bênção que o Senhor nos concedeu e que marcou para sempre a nossa identidade nacional foi um arreigado e terno amor a Maria Santíssima, e Ela, por sua vez, tem derramado sobre Portugal novas e extraordinárias bênçãos de Deus, que nunca agradeceremos bastante, sendo a maior delas, sem dúvida, a sua vinda a Fátima.

Peçamos ao Anjo de Portugal que nos ajude a ser fiéis à nossa vocação cristã, pois o melhor serviço que podemos prestar aos nossos concidadãos, e à sociedade em geral, é justamente a fidelidade à missão recebida de Deus. Que nos estimule a ser contemplativos, a oferecer constantes sacrifícios pelas almas, a receber com devoção a Sagrada Eucaristia, e a centrar n’Ela toda a nossa vida. E, ao mesmo tempo, a colocar Cristo no cimo de todas as atividades humanas, através da santificação do trabalho e de um apostolado incessante e generoso.


[1] cf. Ex 14, 19; Dan 10; S. T., q. 113, 2 ad 1, et 3 c.

[2] cf. Memórias da Irmã Lúcia, ...

[3] S. Josemaria, Forja, n. 572.

[4] Sermão 1, na festa de S. Miguel. V. Liturgia das Horas, 2ª leitura de 10 de junho.

[5] Jac 1, 17.

[6] Ef 3, 15.

[7] S. Josemaria, Forja, n. 695.

[8] Ibid., n. 696.

[9] Ibid. n. 718.

[10] S. Josemaria, Caminho, n. 525; cf. Sulco nn. 315 e 316.

[11] S. Josemaria, Caminho, n. 812.