Mais do que um presente para o dia dos Namorados

Era a véspera do dia dos namorados. Thaynah queria comprar um presente. Ao chegar à livraria, reparou num livrinho cor de laranja, que ia ter na sua vida uma influência muito maior do que tinha imaginado...

Esta história pode parecer uma história de amor; começou em 2013. Uma longa viagem de autocarro, como a que fizemos de Belém do Pará até ao Rio de Janeiro para a Jornada Mundial da Juventude, aproxima as pessoas e nascem amizades. Depois, aos poucos, sem que possa dizer como, o meu melhor amigo tornou-se no meu amor. Quase um ano depois, em junho de 2014, estávamos apaixonados…

No dia 12 de junho, convidou-me para um passeio, e achei que finalmente ia chegar um pedido de namoro. Não gosto de ser apanhada desprevenida, nem de estar de mãos a abanar… decidi que seria bom ter algo preparado para a ocasião.

O melhor presente para um escolástico tomista e bibliófilo seria o seu sonho: a Suma Teológica. Fui a umas das livrarias católicas de Belém e de repente descubro o preço real de tamanho conhecimento… descobri que só poderia dar um presente desses nas comemorações das bodas de prata. Ainda assim, fui na direção da caixa com o volume I da Suma Teológica e uma dor enorme na bolsa, pensando… Se não começarmos a namorar, até quando vou ter que continuar a pagar?

Perto da caixa, numa prateleirinha, havia um pequeno livro de contracapa laranja. Quantos livros já tinha visto dessa cor? Nenhum. Peguei-lhe, era pequeno, uma capa simples com um homem montado num burrinho, verso laranja, sem mais detalhes: Caminho. Foi só o que li. E não era o meu desejo a partir de ali traçar um caminho junto a Deus com o meu pretendente?

Fui à caixa, a Suma ficou em cima do balcão o balcão, e um Caminho, um namoro, uma vocação, começava naquele 12 de junho.

O meu namorado gostou do presente, embora não conhecesse o autor. Mas como não se surpreender com uma escrita tão firme, prática e profunda? Ao abrir aleatoriamente o pequeno livro, os primeiros pontos lidos foram: “Para um apóstolo moderno, uma hora de estudo é uma hora de oração” (Caminho, 335); “Se tens de servir a Deus com a tua inteligência, para ti estudar é uma obrigação grave”. (Caminho, 336). Como costumo dizer, uma bofetada no rosto, de luva branca.

Ele é um leitor nato, eu ainda uma leitora passiva. Procurou saber tudo o que fosse possível sobre aquele autor, e assim eu fui conhecendo indiretamente tudo o que ele descobria, e aos poucos o caminho foi tomando forma. Josemaria Escrivá era sacerdote e também advogado; canonizado no nosso tempo; padroeiro dos diabéticos; santo da vida quotidiana e do trabalho profissional; fundador da Obra de Deus, o Opus Dei.

Ainda não há um centro da Obra em Belém (notem que o ainda é cheio de esperança), mas a mensagem do Opus Dei já lá estava, tocava e movia corações que conheceram S. Josemaria. Por coincidência (certamente a Providência) soubemos por um amigo que na nossa cidade havia um grupo de formação para homens e outro para mulheres, inspirados no espírito da Obra.

Nos anos seguintes, cada ano parecia um novo carinho de Deus. Até que em 2018, recém-formada em Terapia Ocupacional, em Belém do Pará, aprovada em Residência Multiprofissional em São Paulo, mudei para S. Paulo. Procurei vários lugares para morar, de que não gostei, e acabei por descobrir uma residência universitária da Obra, o Centro Cultural Angra, com vaga para aquela semana. Conversei com as responsáveis e combinámos morar ali durante 3 meses. Os 3 meses passaram tão rápido, e depois 6 meses, 9 meses… 2 anos.

Morar num lugar onde há um sacrário tão perto do nosso quarto não tem preço. Pude aproveitar as coisas mais belas nessa experiência, a formação, direção espiritual, confissão, a partilha com as outras residentes, a vida em família, os dias de festa, a beleza da administração, enfim, tudo. Eu, ainda que encantada.... via essa beleza muito distante de mim, era lindo, mas não via que era para mim.

No fim de fevereiro de 2020, houve um convívio para associadas do Clube Jardins, e ofereci-me para ajudar como monitora. Que podia correr mal? Tudo. Várias situações aconteceram e, desta vez, eu estava na organização e tinha de ajudar, era eu que estava ali para fazer isso. Sim, havia outras pessoas, mas eu estava com elas, e havia um pedacinho daquele convívio que estava nas minhas mãos. Ali eu vi.

Eu vi que de facto a Obra era grande, mas que eu tinha um pedacinho só meu. Vi que o Opus Dei continuaria a crescer e a expandir-se, mas que havia um espaço que eu poderia ocupar para fazer com que isso acontecesse no mundo. Eu vi os caminhos divinos da terra abrirem-se e tornar-se concreto o pedido de S. Josemaria “Que a tua vida não seja uma vida estéril. - Sê útil. - Deixa rasto. - Ilumina com o resplendor da tua fé e do teu amor” (Caminho, 1).

Thaynah com algumas das residentes do Centro Cultural Angra

Esse “vi”, vem no sentido de perceber e contemplar, não de uma maneira sobrenatural, exótica ou exuberante, não. Foi a poesia escondida na prosa de um convívio com pré-adolescentes.

No mês seguinte, a pandemia fechou a cidade e, na ausência, torna-se muito mais palpável o amor. Tornou-se claro que mais do que “estar” em contacto com o Opus Dei, eu precisava de ser a Obra de Deus. Nas circunstâncias da minha vida, como Terapeuta Ocupacional, no meu namoro e sonho de família. Na minha vocação.

Assim, no dia 19/04/2020, no dia da Festa da Misericórdia, de Santo Expedito e dia do Índio, uma paraense, escreveu a Mons. Fernando Ocáriz uma carta pedindo a admissão como supranumerária na Obra de Deus. Contando uma história de amor, mas sobre uma pequena mulher, que Deus amava com loucura, a ponto de transformar a cor da contracapa de um livro em caminho de santificação.