Monsenhor Ocáriz na festa de São Josemaria: só Deus satisfaz a sede de infinito e os desejos do nosso coração

Homilia do Prelado do Opus Dei, Mons. Fernando Ocáriz, na festa litúrgica de São Josemaría na paróquia de Santo Eugénio (Roma).

Acabamos de ouvir no Evangelho que «estava a multidão aglomerada em volta de Jesus, a ouvir a palavra de Deus» (Lc 5, 1). Estavam à beira do lago, e Cristo decidiu subir a um barco e afastar-se um pouco da terra firme. O Senhor conhecia perfeitamente o coração daquelas pessoas; sabia que todas, de uma forma ou de outra, precisavam dos seus ensinamentos para iluminar as suas vidas.

Preencher o coração

São Josemaria, ao meditar sobre esta passagem, comentava que o que aconteceu há dois mil anos continua a acontecer a todo o momento: todos «estão desejando ouvir a mensagem de Deus, embora o dissimulem exteriormente»; todos, embora muitas vezes não tenham as palavras nem as forças para expressar esse desejo, «sentem fome, desejam saciar a sua inquietação com os ensinamentos do Senhor» (Amigos de Deus, n. 260 e ss.). Esta sede de infinito manifesta-se de muitas maneiras, embora nem todas as formas de saciá-la deixem o coração satisfeito. Talvez tenhamos a experiência de ter perdido tempo aspirando a uma felicidade construída apenas sobre os bens materiais, o sucesso ou o conforto. Sabemos, porém, que só Deus dá sentido a todas as realidades e preenche os desejos do nosso coração.

Inúmeras pessoas, ao descobrirem a vida cristã, encontraram a alegria mais profunda. Também por isso, a cena que nos narra o Evangelho não pertence apenas ao passado. Todos nós trazemos na alma desejos profundos que só o Senhor pode saciar. Podemos pedir a Deus que nos torne capazes de reconhecer essa nostalgia do seu rosto, esses sinais da sede de Cristo também nos outros. E que saibamos transmitir a quem nos rodeia a sua verdadeira imagem: a imagem desse Cristo que se afasta um pouco da margem para que todos, mesmo os mais afastados, O possam ver e ouvir.

Afã apostólico e filiação divina

No final desta passagem do Evangelho, Jesus convida Pedro, Tiago e João a segui-l’O. É impressionante pensar que, poucos anos depois, o seu zelo apostólico levou a Boa Nova a muitos lugares importantes da época, incluindo a própria Roma. Os primeiros cristãos, apesar de sofrerem perseguições e incompreensões, sabiam que o mundo lhes pertencia. «Este é o espírito missionário que nos deve animar – comenta o Papa Leão XIV –, sem nos fecharmos no nosso pequeno grupo nem nos sentirmos superiores ao mundo; somos chamados a oferecer a todos o amor de Deus, para que se realize aquela unidade que não anula as diferenças, mas valoriza a história pessoal de cada um e a cultura social e religiosa de cada povo» (Leão XIV, homilia, 18 de maio de 2025).

São Paulo, na segunda leitura, expressa com clareza a convicção que enchia de confiança os primeiros cristãos: «Se somos filhos, também somos herdeiros» (Rm 8, 17). De facto, este mundo faz parte da nossa herança. Na primeira leitura, diz-se que Deus colocou o homem no mundo «para o cultivar e guardar» (Gn 2, 15). Este mundo é nosso: é a nossa casa e a nossa tarefa.

Por isso, sabendo que somos filhos de Deus, não podemos caminhar por esta vida como estrangeiros em terra alheia, nem percorrer as nossas ruas com a atitude de quem pisa território desconhecido. O mundo é nosso, porque é do nosso Pai Deus. Somos chamados a amar este mundo, não outro hipotético no qual, poderíamos pensar, que estaríamos mais confortáveis. Talvez tenhamos à nossa volta pessoas que possam ser, de certa forma, desconhecidas, porque não conseguimos prestar-lhes a atenção que merecem. Esse pode ser o primeiro âmbito em que podemos voltar a dirigir-nos a essas pessoas como Jesus faria.

Herança de São Josemaria

Quando São Josemaria convidava a amar o mundo apaixonadamente, costumava alertar contra essa “mística do oxalá” que impõe condições ao terreno que quer evangelizar, pensando: “Oxalá as coisas fossem diferentes”. Podemos pedir ao Senhor que nos dê a capacidade de nos entusiasmarmos com a missão que nos confiou, com o empenho de um filho que trabalha nas tarefas da sua própria casa junto com os seus irmãos.

Hoje, voltando o nosso olhar especialmente para São Josemaria, podemos tomar como exemplo a sua fé e a sua audácia para se lançar em empreendimentos que pareciam impossíveis, numa época que, em muitos aspetos, era muito mais complicada e difícil do que a nossa. Deixemo-nos contagiar por essa confiança, que nos leva a amar este mundo que recebemos em herança e a procurar saciar a nostalgia de Cristo em tantas pessoas com quem nos encontramos.

Para isso, como para tudo, apoiamo-nos muito especialmente na mediação da nossa Mãe Santa Maria, que vela pela felicidade de todos os seus filhos com amor e paciência materna.

Assim seja.