Homilia do Vigário Regional do Opus Dei em Portugal no 80º aniversário

Missa solene presidida por Mons. José Rafael Espírito Santo no passado dia 2 de Outubro (Oratório de S.Josemaria – Lisboa)

Neste dia, bem agarrados à Nossa Mãe do Céu, queremos como Ela glorificar o Senhor e que todo o nosso ser exulte de alegria em Deus, Nosso Salvador, proclamando em profunda acção de graças as maravilhas que Ele tem realizado desde há 80 anos. No dia 2 de Outubro de 1928, Deus depositou no coração de S. Josemaria a semente divina do Opus Dei, caminho de santificação no trabalho profissional e no cumprimento dos deveres quotidianos do cristão, e abriram-se então os caminhos divinos da terra; melhor: Deus interveio mais uma vez na história da humanidade, servindo-se para tal de um instrumento fidelíssimo, S. Josemaria, para mostrar de um modo concreto toda a força do Evangelho, e assim continuar a abrir os caminhos que o próprio Cristo, Deus feito homem, desbravou com o seu caminhar humano e divino pelas terras da Palestina. A nós, cristãos, Jesus confiou-nos a continuação da sua missão: “Segue-me”, “ide por todo o mundo e proclamai a Boa Nova”, que é como se nos dissesse: abri esta terra ao Amor, à Beleza, ao Bem, mostrai a todos quanto Eu os amo; que todos saibam que são chamados a ser filhos de Deus e que todos os seus anseios nobres de construir um mundo melhor, todas as suas alegrias e dores, todos os seus amores, são os meus anseios, alegrias, dores e estão incluídos no meu Amor infinito; manifestai esse algo divino que está escondido em todas as realidades humanas boas e ajudai todos a serem santos.

É Deus Quem intervém; o Opus Dei desde o seu primeiro instante não é uma invenção humana de S. Josemaria fruto de uma preocupação louvável pela situação do mundo de então; o “Opus” é verdadeiramente “Dei”, de Deus e assim tem de continuar: não queremos fazer a nossa obra, mas a de Deus, a que Deus fez ver ao nosso queridíssimo Fundador, faz hoje 80 anos. O Papa Bento XVI, por ocasião da Canonização de S. Josemaria, (então Cardeal Ratzinger), dizia a este propósito: “Josemaria Escrivá não se considerava “fundador” de nada, mas apenas uma pessoa que quis cumprir a vontade de Deus, seguir a sua acção, a obra – precisamente – de Deus. Neste sentido, o teocentrismo de Escrivá de Balaguer, coerente com as palavras de Jesus, significa esta confiança no facto de que Deus não se retirou do mundo, que Deus age ainda agora e nós devemos apenas pôr-nos à sua disposição, estar disponíveis, ser capazes de reagir à sua chamada, o que é para mim uma mensagem de grandíssima importância” (Cardeal Joseph Ratzinger, L'Osservatore Romano, 5 de Outubro de 2002).

Gostaria que hoje esta convicção de que Deus age agora no mundo e que espera encontrar em nós a disponibilidade do nosso amor ficasse gravada no nosso coração e nos ajudasse a dar um novo impulso apostólico à nossa existência quotidiana.

Para tal, podemos mais uma vez considerar aquelas ideias que S. Josemaria queria que estivessem gravadas a fogo no nosso íntimo. Como recordamos, dizia S. Josemaria em 1934:

            1. A Obra de Deus vem cumprir a Vontade de Deus. Portanto, tende uma profunda convicção de que o Céu está empenhado em que se realize.

            2. Quando Deus Nosso Senhor projecta alguma obra em favor dos homens, pensa primeiro nas pessoas que há-de utilizar como instrumentos... e comunica-lhes as graças convenientes.

            3. Essa convicção sobrenatural da divindade do empreendimento acabará por dar-vos um entusiasmo e um amor tão intenso à Obra, que vos sentireis ditosíssimos sacrificando-vos para que se realize(Citado em Josemaria Escrivá, Fundador do Opus Dei, Vol I, p. 521)).

 A Obra de Deus vem cumprir a Vontade de Deus. Portanto, tende uma profunda convicção de que o Céu está empenhado em que se realize.

Como vem no Caminho (n. 942), não somos somente almas que se unem “a outras almas para fazer uma coisa boa. Isso é muito..., mas é pouco. – És o Apóstolo que cumpre um mandato imperativo de Cristo”. Por isso, sabemos que não estamos sozinhos: temos o Céu connosco. “Vou enviar um Anjo à tua frente, para que te proteja no caminho e te conduza ao lugar que preparei para ti. Respeita a sua presença e escuta a sua voz não lhe desobedeças. (...) se ouvires a sua voz e fizeres tudo o que Eu te disser, serei inimigo dos teus inimigos e perseguirei os que te perseguirem. O meu Anjo irá à tua frente” (cf. Ex 23, 20-23a).

O Céu está empenhado, aqui e agora, em que como parte viva da Igreja o Opus Dei semeie paz e alegria em todos os ambientes da sociedade; que mostre como o Deus vivo e verdadeiro é isso mesmo: vivo e verdadeiro e não se ausentou da história da humanidade nem da história pessoal de cada um de nós; o Céu, portanto, Deus, todos os Anjos e todos os santos estão ao nosso lado para nos ajudar a colocar Cristo no cume de todas as actividades humanas, e ser fonte de luz para as inteligências, de calor para os corações, de graça para as almas; o Céu insta-nos a defender a autêntica doutrina da Igreja, sendo baluarte da dignidade da pessoa humana, salvaguarda do verdadeiro humanismo na sociedade, de justiça social, de defesa dos direitos de cada um, principalmente dos mais desfavorecidos diante das prepotências dos que pretendem impor os contra-valores da cultura dominante.

Mas o Opus Dei não é uma enteléquia ou uma entidade etérea; a missão que Deus confia à Obra não se realiza independentemente das pessoas concretas que Deus escolhe: o Opus Dei somos cada um de nós, os que Deus chama a viver este espírito como razão de ser da nossa vida (portanto: os que pertencemos ao Opus Dei) e os que encontram no calor da família que é a Obra o alimento para viver a sua fé nas circunstâncias correntes do dia-a-dia (os cooperadores e todos os que participam nos meios de formação); o Opus Dei, com palavras do Padre, D. Javier Echevarría, será o que forem as nossas vidas. Somos os instrumentos com os quais Deus quer contar para continuar a abrir os caminhos divinos da terra. E temos a convicção de que Deus pensou em nós e nos comunica as graças convenientes. Para tornar presente na terra o Opus Dei, assim como contou com S. Josemaria, Deus, de um modo ou de outro (a uns dando-lhes a vocação, a outros dando-lhes a ajuda que necessitam para a sua vida de fé), conta com todos e cada um: cooperadores, cooperadoras, raparigas e rapazes que frequentam os meios de formação da Obra de S. Rafael, Numerários, Numerárias, Numerárias Auxiliares, Agregadas, Agregados; Supranumerários, Supranumerárias. Basta que deixemos que Deus actue: “Deus age ainda agora e nós devemos apenas pôr-nos à sua disposição, estar disponíveis, ser capazes de reagir à sua chamada”, como ouvíamos com palavras do Santo Padre.

Esse estar disponíveis, pôr-se à disposição de Deus, é o que se resume na terceira ideia que S. Josemaria queria gravar a fogo na nossa alma: “Essa convicção sobrenatural da divindade do empreendimento acabará por dar-vos um entusiasmo e um amor tão intenso à Obra, que vos sentireis ditosíssimos sacrificando-vos para que se realize”.

Entusiasmo, amor, alegria; é o reconhecimento da bondade de Deus que há-de empapar a nossa correspondência: unir-nos à Paixão e Ressurreição de Cristo, sacrificar-nos com uma alegria que enche a alma para que a Redenção chegue a todos os corações.

Oxalá sejamos capazes de reagir ao chamamento que Deus agora nos dirige, e que cada um há-de escutar no fundo do coração: maior constância e amor nas nossas orações; melhor aproveitamento dos meios de formação resolvendo sempre as mil e uma dificuldades que surgem na nossa vida agitada (porque só assim é que adquiriremos a preparação necessária para travar as batalhas de Deus); mais generosidade e disponibilidade na vida familiar, moldando a nossa maneira de ser para tornar a vida mais agradável aos outros; exigência e competência no trabalho, ao mesmo tempo tornando o ambiente profissional mais humano e não permitindo que o trabalho se sobreponha à família e à vida espiritual; amizade mais profunda e sincera com quem convivemos, propondo-nos objectivos concretos para que também eles encontrem Deus no caminho da sua vida.

Oração, amizade, entrega aos outros, trabalho; alegria, com um sorriso, amando este mundo e todos os que nele habitam: desse modo não haverá obstáculos que não possamos ultrapassar. Ouvíamos na segunda Leitura: “foi precipitado o acusador dos nossos irmãos, aquele que os acusava dia e noite diante do nosso Deus. Eles venceram-no, graças ao sangue do Cordeiro e à palavra do testemunho que deram, desprezando a própria vida, até aceitarem a morte. Por isso, alegrai-vos, ó Céus, e vós que neles habitais” (Ap 12, 7-12a). A vitória do amor é certa graças ao sangue do Cordeiro (vida interior, frequência dos sacramentos: Eucaristia, Confissão) e ao testemunho da nossa entrega (amizade, trabalho, alegria).

A celebração deste aniversário decorre em pleno Ano Paulino. Um ano que devemos viver seguindo de perto o Santo Padre, e procurando alcançar um novo ardor apostólico. É a nossa missão: a que Deus confia à Igreja e que se concretiza nesta porção de povo de Deus que é o Opus Dei. Olhamos para S. Paulo, mas não podemos esquecer que quem mudou o mundo de então não foi S. Paulo, sem dúvida uma figura extraordinária e ímpar, mas sim todos os primeiros cristãos, pessoas normais e correntes, sem qualidades especiais, com a sua vida aparentemente intranscendente, movidos pelo fogo que transbordava do coração de Paulo. Por isso, se o exemplo de S. Paulo nos poderia parecer inalcançável para nós, já não é o dos nossos primeiros irmãos da fé, e também a nós chega aquele ardor evangelizador que transbordava da vida do Apóstolo das gentes e que nos há-de ajudar a tornar presente hoje de novo o fogo do Pentecostes.

De Paulo podemos aprender o que significa que o Céu está empenhado (“chamado a ser Apóstolo de Jesus Cristo, por vontade de Deus”, I Cor 1, como dizia de si próprio); que temos as graças convenientes (“não eu, mas a graça de Deus que está comigo” I Cor 15,10, afirmava noutra ocasião); e o sentir-nos ditosíssimos quando nos sacrificamos para corresponder ao que Deus nos pede (Paulo que tinha passado por tantas tribulações e afirmava “Eu, agora, alegro-me nos meus sofrimentos por vós e completo na minha carne o que falta à Paixão de Cristo pelo Seu corpo, que é a Igreja” Col, 1, 24). E a todos convidava a segui-lo: “Rogo-vos, pois, que sejais meus imitadores (I Cor 4, 16) “E vós também alegrai-vos e congratulai-vos comigo” (Fil 2, 17-18). Procuremos ser imitadores de Paulo, não regateando com Deus quando quer apoiar-se mais em nós para servir as almas.

Vamos pedir a S. Josemaria que saibamos corresponder na nossa vida corrente com a generosidade com que ele o fez..

Termino, pondo aos pés da Nossa Mãe do Céu, a Senhora de Fátima, a Rainha de Portugal todos os nossos bons desejos de fidelidade. Neste Ano Mariano de acção de graças pela concessão da Prelatura pessoal e pelos 80 anos do Opus Dei, iremos a Jesus por Maria. O Padre, D. Javier Echevarría, sugeriu que como manifestação da nossa acção de graças fizéssemos uma romaria também nestes meses de Outubro e Novembro. Que cada um e cada uma a faça com espírito de adoração, acção de graças e que signifique um reafirmar mais firme da nossa correspondência; Meu Deus, pelas mãos da Nossa Mãe, aqui estou: conta comigo!