Gratias tibi, Deus, gratias tibi! – estas palavras, pronunciadas por São Josemaria na Quinta-feira santa de 1975 (M. DOLZ, São Josemaria Escrivá , 54), a véspera dos seus 50 anos de sacerdócio, ao agradecer a Deus a Sua Obra, espalhada pelo mundo inteiro e construída a partir de "meios completamente ilógicos" aos olhos dos homens, traduzem o mesmo sentimento que hoje enche o nosso coração, ao agradecermos ao Senhor o exemplo da sua vida santa, a entrega total da sua existência a Cristo sacerdote, o labor incansável e exemplar do seu apostolado: "graças Te sejam dadas a Ti, ó Deus; graças Te sejam dadas".
Deixando ressoar em nós a Palavra de Deus que acabou de ser proclamada, vejamos como, também ela, nos convidava a estes mesmos sentimentos.
1. Em primeiro lugar, fomos colocados perante a intenção criadora de Deus, perante o “porquê” inicial de tudo o que existe.
Deus, antes e acima de tudo. A Ele tudo se deve; Ele é o segredo de tudo quanto povoa o mundo e não se encontra sob o domínio do pecado. O Deus que tudo criou a partir do nada porque quis espelhar o seu ser no mundo (e de um modo particular no Homem) constitui o princípio e o fim de tudo quanto existe. E isso significa que d'Ele surgiram e continuam a ter princípio a beleza da criação e todas as dimensões do viver humano; mas, igualmente, que para Ele hão-de confluir e n'Ele se hão-de encontrar, não apenas a evolução natural e todo o verdadeiro desenvolvimento, como também toda a atividade do Homem: das ciências naturais à economia; da técnica à espiritualidade; do trabalho manual à contemplação e intimidade maior do próprio Deus; da vida familiar, social e política ao segredo da consciência, onde apenas têm acesso Deus e cada ser humano.
Certamente: existe o pecado, fruto daquele querer livre que se opõe a Deus e que nos desvia da intenção primeira da criação. Mas, mesmo esse, por maior que seja, não é capaz de impedir totalmente a beleza, o bem e a verdade divinos que brilham, constantemente, na criação e naquilo que o ser humano realiza quando se percebe convidado a continuar a obra criadora de Deus: antes do pecado, e mais forte que ele, encontra-se a santidade divina. É, com efeito, a santidade – expressão maior e inabalável do ser de Deus – que, em última análise, constitui a lei, o princípio de toda a procura humana. Procuramos, investigamos, vivemos porque antes de nós existe Deus, e a sua bondade constitui a chave para chegarmos ao sentido de tudo o que existe.
Por isso, mesmo quando submersos no pecado, que procura destruir e desviar o Homem da santidade, é esta que, verdadeiramente, é buscada pelo viver humano. Santo Agostinho haveria de o reconhecer: "fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso espírito anda inquieto enquanto não repousar em Ti" ( Confessiones , I,1). Deus, princípio e fim. O mesmo é dizer: a santidade, princípio e fim do ser humano e do mundo – santidade que havemos de procurar viver, e que havemos deixar que brilhe em tudo o que pensamos, fazemos, somos. Ou, para usar palavras de São Josemaria: "A santidade não é qualquer coisa para privilegiados: o Senhor chama a todos, de todos espera amor: de todos, onde quer que se encontrem; de todos, qualquer que seja o seu estado, a sua profissão ou ofício" (M. DOLZ, São Josemaria Escrivá , 47).
2. Mas a santidade divina veio até nós, mostrou-Se, não apenas na natureza criada: a santidade é um Homem verdadeiro, é Jesus Cristo, o Verbo feito carne. E Jesus não é apenas um exemplo distante e inalcançável de santidade: Ele é a santidade viva e presente no meio do mundo e da história, em todos os tempos. Jesus não é, apenas, mais um “justo” que viveu sobre a terra, ainda que o mais justo de todos: é o próprio Deus que se faz Homem e não recusa viver o drama humano e, o que é mais, não recusa fazer seu, assumir o drama de cada ser humano, o pecado de cada um de nós, para, em troca, nos oferecer a Sua vida divina.
Em Jesus, morto e ressuscitado, resplandece a vida eterna de Deus. E o seu Espírito Santo, derramado em nossos corações, permite que, por graça, também nós vivamos desta vida. A nós, sem merecimento algum da nossa parte, senão aquele de cooperarmos com o Senhor Jesus e o Seu Espírito, é-nos concedida a graça de viver por Cristo, com Cristo e em Cristo.
Como afirmava S. Josemaria: “Deus entrega o Seu Filho à morte. Jesus, o Filho Unigénito, abraça-se ao madeiro, no qual O haviam de justiçar , e o seu sacrifício é aceite pelo Pai. Como fruto da cruz, derrama-se sobre a humanidade o Espírito Santo. Na tragédia da Paixão consuma-se a nossa própria vida e toda a história humana. A Semana Santa não pode reduzir-se a uma mera recordação, pois que nela se considera o mistério de Jesus Cristo, que se prolonga nas nossas almas: o cristão está obrigado a ser alter Christus, ipse Christus , outro Cristo, o próprio Cristo” ( Cristo que passa , 191-192).
Ou, tomando agora o trecho da Carta aos Romanos que escutámos como II Leitura: “se somos filhos, também somos herdeiros, herdeiros de Deus e herdeiros de Cristo; se sofremos com Ele, também com Ele seremos glorificados” ( Rom 8,17).
3. Contudo, a nós, cristãos, não é suficiente esta certeza íntima da vitória da santidade sobre o pecado; nem é suficiente a certeza de partilharmos com Jesus a Sua barca, que é a de Pedro. Porque a nós o Senhor manda, como outrora ao Pescador da Galileia: “Faz-te ao largo e lançai as redes para a pesca”. E nós havemos de nos encontrar disponíveis para, como o Apóstolo, respondermos: “sobre a Tua palavra, lançarei as redes”.
Se é certo que, como Pedro, não podemos ignorar a nossa condição de pecadores, não é menos seguro o convite que nos é dirigido por Jesus: “Não temas. Daqui em diante serás pescador de homens”.
Deixemos, uma vez mais, que as palavras de S. Josemaria nos ajudem a perceber esta missão que nos é confiada: “A nossa missão de cristãos é proclamar essa Realeza de Cristo; anunciá-la com a nossa palavra e com as nossas obras. O Senhor quer os seus em todas as encruzilhadas da Terra. A alguns, chama-os ao deserto, desentendidos das inquietações da sociedade humana, para recordarem aos outros homens, com o seu testemunho, que Deus existe. Encomenda a outros o ministério sacerdotal. À grande maioria, o Senhor quere-os no mundo, no meio das ocupações terrenas. Estes cristãos, portanto, devem levar Cristo a todos os ambientes em que se desenvolve o trabalho humano: à fábrica, ao laboratório, ao trabalho do campo, à oficina do artesão, às ruas das grandes cidades e às veredas da montanha” ( Cristo que passa , 204-205).
Para nós que aqui nos reunimos, não é apenas motivo de festa celebrar a solenidade de S. Josemaria, recordando o seu exemplo de cristão e de sacerdote. É, igualmente, fonte de graças. A celebração dos santos, daqueles que nos precederam no labor quotidiano que constitui a vida cristã, faz recair sobre todos e sobre o próprio mundo as graças divinas que a sua vida de santidade, a sua união constante ao Senhor Jesus nos mereceu e continua, ao longo dos tempos, a fazer derramar abundantemente. Não hesitemos em pedi-las, reconhecendo que todas elas encontram em Deus a sua fonte inesgotável. E, ao mesmo tempo, agradeçamo-las: Gratias tibi, Deus, gratias tibi! – Graças Te sejam dadas a Ti, ó Deus, graças Te sejam dadas!