Existe uma aldeia e chama-se Opus Dei

Como pode a fraternidade cristã ajudar-nos a ultrapassar os momentos difíceis? A Julie Machado enviou-nos o seu testemunho.

Quando olho para as crises na minha vida no passado, houve sempre uma ou duas pessoas numa posição para me ajudar, que tinham a característica comum de comungar todos os dias ou ter uma vida de fé intensa. Não é por serem melhores pessoas, pois somos todos frágeis e feitos de barro. É por se disponibilizarem diariamente a ser instrumentos, e a graça de Deus por vezes passa através deles sem o saberem. Lembro-me duma amiga (agora madrinha da minha filha) com quem tinha combinado tomar café, e calhou ser no dia em que o meu namorado (atual marido) teve pela primeira vez uma crise na vida dele. Eu estava desolada, só chorava, e ela com firmeza e delicadeza deu-me conselhos que me serviram como âncora. Lembro-me dum padre que acabou por ser meu diretor espiritual e do meu marido e que nos tirou de inúmeras situações de lama espiritual. Algumas pareciam sem saída e ele deu-nos sempre uma saída com esperança.

Desta vez a crise da minha vida foi maior, poderia ter morrido ou ficado pior do que fiquei. E desta vez as ajudas também foram proporcionalmente maiores. Tive uma complicação raríssima no parto chamada abcesso epidural. Entrou uma bactéria (MRSA) na agulha da epidural e fez infeção no sistema nervoso central, espaço onde foi dado a epidural. Fui operada, mas fiquei numa cadeira de rodas, com falta de movimento e sensibilidade do umbigo para baixo. Estou a recuperar muito lentamente. É dramático, porque tenho seis filhos pequenos a quem cuidava, incluindo a bebé recém-nascida.

Em casa, durante a visita de duas diretoras do Opus Dei

As pessoas numa posição para ajudar que comungam diariamente foram muito mais do que uma ou duas. Começou pela obstetra a quem relatávamos os sintomas e que nos referiu à sua amiga neurocirurgiã. A neurocirurgiã foi ao carro no estacionamento buscar-me de cadeira de rodas, marcou-me na triagem das urgências e levou-me a todos e exames. No dia seguinte estava lá pronta para me operar quando descobriram na ressonância o que era. Continuou a acompanhar-me carinhosamente após a operação.

Nos dez dias que estive internada nesse hospital, levantou-se uma onda de pessoas, uma “aldeia”, de centenas ou até milhares (globalmente) de pessoas bem posicionadas e disponíveis para me ajudar. Um padre amigo levou a comunhão e confessou-me no hospital. Amigas levaram coisas que pedia, um artigo ortopédico, algo para a bebé. Uns amigos lembraram-se de comprar um vale no UberEats e pedimos um jantar especial para comermos juntos no hospital. E claro, espalharam-se pedidos de oração numa cadeia muito forte.

Um amigo enfermeiro e essa médica neurocirurgiã intervieram numa situação infeliz em que as enfermeiras se portaram mal e a situação resolveu-se magicamente. Esse amigo enfermeiro ajudou no meu transporte para casa, tornando um acontecimento assustador e pesado em brincadeira e amizade. Uma amiga aprontou-se a fazer almoço quando chegámos e acabou por ficar até às oito da noite a ajudar nesse dia com as crianças e a casa. Esse dia do regresso a casa ficou marcado pela boa disposição, sorrisos e carinho desses amigos.

A chegada a casa do hospital, com a ajuda de amigos

Amigos  deram a cadeira de rodas, a poltrona ortopédica, um colchão anti escaras, uma cadeira para o banho, e tudo o que me ia lembrando de pedir num grupo WhatsApp, desde um ovinho de bebé até umas calças duma loja. Uma amiga veio buscar três sacos enormes de roupa e devolveu-os lavadinhos e dobradinhos. Muitos deram dinheiro sem termos que pedir. As duas fisioterapeutas que vieram prontamente à minha casa trabalhar comigo, na primeira segunda-feira possível, foram por sugestão de duas amigas singulares e provaram ser fulcrais para a minha recuperação. Uma amiga enfermeira disponibilizou-se a ajudar sem pagamento e fez tudo, desde mudar fraldas até dar injeções. Centenas de pessoas mandavam mensagens a dizer que estavam a rezar por nós. Recebi dois terços especiais, um abençoado por D. Fernando Ocariz. Recebi duas pagelas com relíquias e recebi água de Lourdes. Recebi uma medalha de Nossa Senhora do Pilar e uma relíquia duma gruta onde supostamente apareceu São Miguel Arcanjo. Amigos ofereciam-se para trazer jantar e ajudar a deitar as crianças no fim-de-semana e por vezes calhava termos conversas espirituais e animadoras que nos enchiam a alma durante dias. De três padres amigos pude receber quase todos os dias a comunhão. Um ficou para tomar café e partilhava a nossa história em recoleções e podcasts. A diretora da escola da nossa filha disse que estava a rezar, perguntou o que podia fazer e ofereceu os almoços no refeitório o ano inteiro. O diretor da escola do nosso filho foi buscá-lo à cantina, levou-o à capela e fizeram uma oração juntos pelas melhoras da mãe. O meu marido ia à missa nessa escola e ficou surpreendido ao ouvir o padre a oferecer a missa pelas minhas melhoras. Enquanto não conseguimos ajudas fixas e pagas para ajudar a deitar as crianças de noite, diferentes amigas deram generosamente e alegremente o seu tempo todas as noites, a rodar. Vieram às sete da manhã mexer ovos e até às nove da noite contar histórias. Levaram as nossas crianças ao teatro e a passear no parque. Fizemos agora um horário mensal para quem quisesse dar uma refeição ao fim-de-semana e encheu-se rapidamente com voluntários, com muitos amigos que ficaram de fora a dizer que tiveram pena de não se inscrever a tempo. Tenho partilhado algumas reflexões minhas sobre os acontecimentos num grupo WhatsApp e todos dão feedback de quanto lhes toca e quanto nos acompanham e rezam por nós. Uma amiga, dona duma farmácia, entregou produtos que lhe ia pedindo. Outros enviaram miminhos comestíveis de França e dos Açores. Mesmo amigos sem fé comoveram-se com a nossa história e acompanham-nos com carinho.

Estes são só alguns exemplos duma rede enorme de pessoas que se tornou incrivelmente visível nesta crise. Nunca nos sentimos sós, que deve ser a pior coisa no sofrimento. Nunca me senti desapoiada. Senti sempre uma força sobrenatural que me sustentava para ser alegre e otimista sobre a minha recuperação, na maior parte dos dias. Como podia desanimar com tantos a rezar por mim e a abrir os seus corações para mim, a querer fazer tudo para ajudar?

Esta família com laços sobrenaturais que ajuda no material e no espiritual, como as aldeias antigamente, mas numa grande cidade, não substitui a família natural. É maior do que ela, abarca-a e sustenta-a também. Ajuda-nos a nós e também às nossas famílias de forma indireta, se nós estivermos bem.

No hospital, com flores enviadas por uma amiga

Ainda não me ponho de pé sem apoio nem ando depois de dois meses, mas tenho muito, mesmo muito mais sensibilidade e movimento. Tenho superado e surpreendido todas as expetativas dos médicos. Ficam admirados com o meu progresso, pois a recuperação dos nervos é lenta, mas o meu progresso tem sido admirável. Não tem sido um milagre extraordinário, em que não andava e depois milagrosamente me levantei e andei. Mas tem sido um milagre ordinário, estendido durante muitos meses, através de formas ordinárias de ajudas materiais, orações e oferecimentos diários e constantes. Este é o tipo de santidade (diária e ordinária) dos membros do Opus Dei, que me tem sustentado neste milagre de recuperação, que tudo indica que vai ser total. O Papa fala muito na solidão e individualismo nos nossos tempos, mas esta crise tem tirado generosidade e amor de muitas pessoas à nossa volta. Tem provado que é possível partilhar o sofrimento com outros, e assim se torna mais leve. Tem provado que ainda existe uma aldeia na cidade, de entreajuda e amizade.

Julie Machado