Depois de Abraão, Moisés e David, surge um dos homens mais célebres do Antigo Testamento: o profeta Elias, que o Catecismo da Igreja Católica designa como «o pai dos profetas, “da geração dos que procuram Deus, dos que buscam a Sua Face” (Sal 24, 6)»[1], e que, como Moisés, foi um grande amigo de Deus. O seu exemplo pode servir-nos para considerar uma exigência da fé: a necessidade de uma grande intimidade com o Senhor. A vida de Elias – que «era um homem semelhante a nós»[2] – mostra como Deus ajuda aqueles que recorrem a Ele por meio da oração, especialmente nas dificuldades.
Que todo este povo saiba que Tu, Javé, és Deus
Elias, o tisbita, viveu no reino de Israel durante o século VIII a.C. O seu nome, que significa «o meu Deus é Javé», sintetiza o aspeto central da sua missão: lembrar que Javé é o único e verdadeiro Deus e que só a Ele se deve dar culto. E fazê-lo precisamente quando o rei Acab, por influência da sua mulher Jezabel, adorava um deus estrangeiro e o culto ao verdadeiro Deus convivia com a idolatria[3]. «O povo adorava Baal, o ídolo tranquilizador do qual se acreditava que derivava o dom da chuva e ao qual, por isso, se atribuía o poder de dar fertilidade aos campos e vida aos homens e ao gado. Embora pretendesse seguir o Senhor, Deus invisível e misterioso, o povo procurava a segurança também num deus compreensível e previsível, do qual julgava que podia obter a fecundidade e a prosperidade»[4].
Nesta situação, Deus escolherá Elias para ser seu porta-voz diante dos homens. O profeta anuncia a Acab as consequências da sua apostasia: «pela vida do Senhor, Deus de Israel, a quem sirvo: nestes anos não haverá nem orvalho nem chuva, senão quando eu disser!»[5].
Anos mais tarde, quando os efeitos da seca se tornaram dramáticos[6], o Senhor envia de novo Elias ao rei. O profeta pede a Acab que reúna todo Israel e os profetas de Baal no monte Carmelo. O rei concorda, e então Elias lança o seu desafio: «Eu sou o único profeta do Senhor que resta, ao passo que os profetas de Baal são quatrocentos e cinquenta. Que nos deem dois novilhos. Eles que escolham um novilho e, depois de cortá-lo em pedaços, o coloquem sobre a lenha, sem pôr fogo por baixo. Eu prepararei depois o outro novilho e o colocarei sobre a lenha, e também não lhe porei fogo. Em seguida, invocareis o nome de vosso deus e eu invocarei o nome do Senhor. O deus que ouvir, enviando fogo, este é o Deus verdadeiro»[7]. A proposta foi colocada para que todos possam reconhecer quem é o verdadeiro Deus, já que o pecado do povo não consistia em ter esquecido completamente o Senhor, mas em colocá-lo junto a outro deus.
As invocações dos numerosos profetas de Baal prolongam-se por várias horas, porém não conseguem nada. Ao contrário, a oração de Elias encontra uma resposta imediata: cai fogo do céu que consome o novilho, a lenha e inclusive a água que o profeta havia mandado derramar em abundância sobre a vítima do sacrifício. Diante da evidência, o povo exclama unânime, com o rosto por terra: «O Senhor é o verdadeiro Deus!»[8] O culto a Baal, deus da chuva, tinha-se revelado falso e a existência de outros deuses além de Javé fica descartada.
Durante o confronto, Elias move-se com a serenidade da fé, com a certeza de quem sabe que se encontra nas mãos de quem é mais forte do que a natureza e do que os homens. As zombarias que dirige aos profetas de Baal enquanto invocam o seu deus são o resultado bem eloquente da sua confiança em que o Senhor intervirá em seu favor: «Gritem mais alto, já que ele é um deus. Quem sabe se está meditando, ou ocupado, ou viajando. Talvez esteja a dormir e precise de ser despertado.» [9].
Com razão se pode chamar a Elias o profeta do primeiro mandamento, que manda crer em Deus e adorá-Lo, amando-O sobre todas as coisas, sem ir atrás de outros deuses[10]. Elias defende a primeira consequência do preceito: dar culto só ao Senhor.
Explicava Bento XVI: «somente assim Deus é reconhecido por aquilo que é, Absoluto e Transcendente, sem a possibilidade de lhe pôr ao lado outros deuses, que O negariam como Absoluto, tornando-o relativo. Esta é a fé que faz de Israel o povo de Deus; trata-se da fé proclamada no conhecido texto do Shemá Israel: “Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, toda a tua alma e todas as tuas forças” (Dt 6, 4-5)»[11].
O homem não pode pôr o único Deus junto a outros deuses. Mesmo que tenham passado muitos séculos e as circunstâncias atuais sejam diferentes das do antigo Israel, a tentação de tirar Deus do lugar que lhe corresponde continua tão presente como outrora.
Ao descobrir na nossa própria vida interesses, gostos, ou preocupações que tendem a ocupar o primeiro lugar na cabeça ou no coração, podemos pedir ao Senhor que avive a nossa fé e a torne realmente operativa, de modo que nada – nem uma criatura, nem um pensamento ou desejo do nosso próprio eu – diminua a dedicação total que Lhe devemos.
Como nos recorda o Papa Francisco, «cada um de nós, na própria vida, de maneira consciente e talvez às vezes sem dar-nos conta, tem uma ordem muito precisa das coisas consideradas mais ou menos importantes. Adorar o Senhor quer dizer dar-Lhe o lugar que Lhe corresponde; adorar o Senhor quer dizer afirmar, crer – mas não simplesmente de palavra – que unicamente Ele guia verdadeiramente a nossa vida; adorar o Senhor quer dizer que estamos convencidos que Ele é o único Deus, o Deus da nossa vida, o Deus da nossa história»[12].
A atuação de Elias anima-nos também a ser valentes à hora de dar testemunho público da nossa fé, diante das intenções – velhas, mas que se renovam continuamente – de reduzir a religião a uma questão particular. Pretende-se excluir da vida social toda a referência a Deus, como se falar Dele ofendesse algumas sensibilidades.
Para Elias, a sua própria fidelidade ao Senhor não é suficiente. No Monte Carmelo reza para que todo o Israel saiba que Javé é o verdadeiro Deus, que converte os corações[13]. A fé não pode ficar fechada: «nasce da escuta, e fortalece-se no anúncio»[14], «implica um testemunho e um compromisso públicos. O cristão não pode jamais pensar que crer é um facto privado»[15].
Toma a minha vida, pois eu não sou melhor do que os meus pais!
Após o holocausto do Carmelo, o povo reconhece que Javé é Deus. Pouco depois o rei será testemunha de como o profeta consegue do Senhor o fim da seca[16]. Porém no momento em que se poderia considerar o maior triunfo de Elias, a sua história sofre uma reviravolta inesperada: a esposa do rei, indignada pelo que ele fez, propõe-se executá-lo. Diante da ameaça, Elias tem medo e foge, fugindo deserto adentro. Extenuado pela caminhada e pela amargura que devia experimentar ao ver-se abandonado diante do ódio da rainha, desejou a morte dizendo: «agora basta, Senhor, toma a minha vida, pois não sou melhor do que os meus pais»[17].
Durante anos, Elias foi a única testemunha de Deus em Israel; além disso acabara de enfrentar quatrocentos e cinquenta profetas de Baal diante de todo o povo e com a hostilidade do rei. Agora, em troca, aterroriza-se diante das ameaças de Jezabel e foge para o mais longe possível. Onde ficou a sua segurança? Já não confia no Senhor, que o acompanhou até agora com tantos prodígios?
Também há episódios na vida de S. Josemaria em que, como Elias, experimentou o medo. Por exemplo, na véspera do dia 2 de outubro de 1936. Eram os primeiros meses da guerra civil espanhola, e o nosso Fundador estava escondido em Madrid com outras pessoas, quando lhe anunciaram uma rusga militar iminente que lhes poderia acarretar o fuzilamento. Ante a proximidade da morte, sentiu «por um lado, a alegria imensa de ir unir-me definitivamente com a Trindade; por outro, a clareza com que Ele me fazia ver que eu não valho nada, não posso nada, e, por isso, tremia com autêntico medo»[18].
Talvez não tenhamos passado por uma situação tão extrema, mas podemos ter sentido o desalento ao receber uma má notícia, ou diante de um aparente fracasso apostólico, ou ao comprovar o tamanho da própria miséria. No entanto, Deus conhece melhor que nós o pouco que somos: só nos pede «a humildade de o reconheceres e a luta para retificares, para O servires cada vez melhor, com mais vida interior, com uma oração contínua, com a piedade e com o emprego dos meios adequados para santificares o teu trabalho.»[19]
Como a Elias, as circunstâncias adversas devem levar-nos a invocar confiada e sinceramente o Senhor. É o momento de exercitar a virtude da fé, que, unida à esperança, se torna mais necessária na hora da solidão e do aparente fracasso do que na hora do triunfo e da aclamação popular. A oração de Elias nesse momento de desânimo foi uma oração agradável a Deus, porque vinha de um coração sincero e humilde, que ardia de zelo pelas coisas do Senhor e aceitava tudo o que dele pudesse vir. E diante dessa oração, a resposta não demora a chegar: por duas vezes, Deus envia um anjo, que o acorda e manda que coma e beba. Elias «levantou-se, comeu e bebeu, e, com a força desse alimento, andou quarenta dias e quarenta noites, até chegar ao Horeb, o monte de Deus»[20].
Nosso Senhor não abandona os que trabalham por Ele. Elias, o homem de Deus, viveu Dele em todo o momento; Deus sustentou-o nas adversidades, ajudando-o a perseverar, deu-lhe os meios de que necessitava para cumprir a sua missão. Apesar das dificuldades e dos altos e baixos, vemos que a sua vida foi fecunda, serena, feliz. Os profetas de Baal, pelo contrário, recebiam o seu alimento na corte. Talvez pensassem que adulando a rainha, dobrando os joelhos diante de Baal, asseguravam para si uma vida tranquila. Não foi assim: é preferível sentar-se à mesa do Senhor que à dos ídolos; é melhor ser escravo do Senhor que escravo do pecado[21].
Não há maior liberdade para o homem do que a de reconhecer a sua condição de criatura e adorar a Deus: esse é o remédio mais eficaz contra todas as idolatrias: «quem se inclina perante Jesus não pode e não deve prostrar-se diante de nenhum poder terreno, mesmo que seja forte. Nós, cristãos, só nos ajoelhamos diante do Santíssimo Sacramento»[22].
Juan Carlos Ossandón
[1] Catecismo da Igreja Católica, 2582.
[2] Tg 5, 17.
[3] Cf. 1 Re 16, 31.
[4] Bento XVI, Audiência geral, 15/06/2011.
[5] 1 Re 17, 1.
[6] Cf. 1 Re 18, 5.
[7] 1 Re 18, 22-24.
[8] 1 Re 18, 39.
[9] 1 Re 18, 27.
[10] Cf. Dt 6, 14.
[11] Bento XVI, Audiência geral 15/06/2011.
[12] Francisco, homilia, 14/04/2013.
[13] Cf. 1 Re 18,37
[14] Francisco, homilia, 14/04/2013
[15] Bento XVI, Motu próprio Porta fidei, 11/10/2011, n. 10
[16] Cf. 1 Re 18, 41-46
[17] 1 Re 19,4
[18] Palavras de S. Josemaria publicadas em J. Echevarría, Lembrando o Beato Josemaría Escrivá. Diel, Lisboa, 2000
[19] S. Josemaria, Forja, n. 379
[20] 1 Re 19,8
[21] Cf. Amigos de Deus, nn. 34-35
[22] Bento XVI, homilia na solenidade do Corpus Christi, 22/05/2008