Estilo cristão de presença no mundo digital

Relações autênticas, coerência na comunicação digital, partilhar o estilo cristão, são algumas das palavras que marcam a mensagem de Bento XVI para a 45º Dia Mundial das Comunicações Sociais, sob o título "Verdade, anúncio e autenticidade de vida na era digital".

Giampaolo Macorig

Queridos irmãos e irmãs!

Por ocasião do XLV Dia Mundial das Comunicações Sociais, desejo partilhar algumas reflexões, motivadas por um fenómeno característico do nosso tempo: a difusão da comunicação através da rede internet.

Giampaolo Macorig

Novas oportunidades para estabelecer relações

Usadas sabiamente, podem contribuir para satisfazer o desejo de sentido, verdade e unidade que permanece a aspiração mais profunda do ser humano.

Vai-se tornando cada vez mais comum a convicção de que, tal como a revolução industrial produziu uma mudança profunda na sociedade através das novidades inseridas no ciclo de produção e na vida dos trabalhadores, também hoje a profunda transformação operada no campo das comunicações guia o fluxo de grandes mudanças culturais e sociais.

As novas tecnologias estão a mudar não só o modo de comunicar, mas a comunicação em si mesma, pelo que se pode afirmar que estamos perante uma ampla transformação cultural. Com este modo de difundir informações e conhecimentos, está a nascer uma nova maneira de aprender e pensar, com oportunidades inéditas de estabelecer relações e de construir comunhão.

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Perspectivam-se metas até há pouco tempo impensáveis, que nos deixam maravilhados com as possibilidades oferecidas pelos novos meios e, ao mesmo tempo, impõem de modo cada vez mais premente uma reflexão séria acerca do sentido da comunicação na era digital.

Na busca da partilha, de “amizades”, confrontamo-nos com o desafio de ser autênticos, fiéis a si próprios, sem ceder à ilusão de construir artificialmente o próprio “perfil” público.

Isto é particularmente evidente quando nos confrontamos com as extraordinárias potencialidades da rede internet e a complexidade das suas aplicações. Como qualquer outro fruto do engenho humano, as novas tecnologias da comunicação devem para ser postas ao serviço do bem integral da pessoa e da humanidade inteira. Usadas sabiamente, podem contribuir para satisfazer o desejo de sentido, verdade e unidade que permanece a aspiração mais profunda do ser humano.

Diálogo, intercâmbio, solidariedade e criação de relações positivas

No mundo digital, transmitir informações significa cada vez mais frequentemente inseri-las numa rede social, onde o conhecimento é partilhado no âmbito de intercâmbios pessoais. A distinção clara entre o produtor e o consumidor da informação aparece relativizada, pretendendo a comunicação ser não só uma troca de dados, mas também e cada vez mais uma partilha.

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Esta dinâmica contribuiu para uma renovada avaliação da comunicação, considerada principalmente como diálogo, intercâmbio, solidariedade e criação de relações positivas. Por outro lado, isto colide com alguns limites típicos da comunicação digital: a parcialidade da interação, a tendência a comunicar só algumas partes do próprio mundo interior, o risco de construir uma certa imagem de si próprio que pode favorecer a auto complacência.

Autenticidade do próprio ser

Quando as pessoas trocam informações, estão já a partilhar-se a si mesmas, a sua visão do mundo, as suas esperanças, os seus ideais.

Sobretudo os jovens estão a viver esta mudança da comunicação, com todas as ansiedades, as contradições e a criatividade própria de quantos se abrem com entusiasmo e curiosidade às novas experiências da vida. O envolvimento cada vez maior no espaço publico digital das chamadas redes sociais, leva a estabelecer novas formas de relação interpessoal, influi sobre a perceção de si próprio e portanto coloca, inevitavelmente, a questão não só da justeza do próprio agir, mas também da autenticidade do próprio ser.

A presença nestes espaços virtuais pode ser o sinal de uma busca autêntica de encontro pessoal com o outro, se se estiver atento para evitar os seus perigos, tais como refugiar-se numa espécie de mundo paralelo ou expor-se excessivamente ao mundo virtual. Na busca de partilha, de «amizades», confrontamo-nos com o desafio de ser autênticos, fiéis a si próprios, sem ceder à ilusão de construir artificialmente o próprio «perfil» público.

As novas tecnologias permitem que as pessoas se encontrem para além dos confins do espaço e das próprias culturas, inaugurando deste modo todo um novo mundo de amizades potenciais. Esta é uma grande oportunidade, mas exige também uma maior atenção e uma tomada de consciência quanto aos possíveis riscos. Quem é o meu «próximo» neste novo mundo? Existe o perigo de estar menos presente relativamente a quem encontramos na nossa vida diária? Existe o risco de estarmos mais distraídos, porque a nossa atenção é fragmentada e absorvida por um mundo «diferente» daquele onde vivemos? Temos tempo para refletir criticamente sobre as nossas opções e alimentar relações humanas que sejam verdadeiramente profundas e duradouras? É importante nunca esquecer que o contacto virtual não pode nem deve substituir o contacto humano direto com as pessoas, em todos os níveis da nossa vida.

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Estilo cristão de presença no mundo digital

Também na era digital, cada um é confrontado com a necessidade de ser uma pessoa autêntica e reflexiva. Aliás, as dinâmicas próprias das redes sociais mostram que uma pessoa acaba sempre envolvida naquilo que comunica.

Pode dizer-se que existe também um estilo cristão de presença no mundo digital, caracterizado por uma comunicação franca e aberta, responsável e respeitadora do outro.

Quando as pessoas trocam informações, estão já a partilhar-se a si mesmas, a sua visão do mundo, as suas esperanças, os seus ideais. Conclui-se daqui que existe um estilo cristão de presença também no mundo digital: traduz-se numa forma de comunicação honesta e aberta, responsável e respeitadora do outro.

Comunicar o Evangelho através dos novos midia significa não só inserir conteúdos declaradamente religiosos nas plataformas dos diversos meios, mas também testemunhar com coerência, no próprio perfil digital e no modo de comunicar, escolhas, preferências, juízos que sejam profundamente coerentes com o Evangelho, mesmo quando não se fala explicitamente dele.

Aliás, também no mundo digital, não pode haver anúncio de uma mensagem sem um testemunho coerente por parte de quem anuncia. Nos novos contextos e com as novas formas de expressão, o cristão é mais uma vez chamado a dar resposta a todo aquele que lhe pergunte a razão da esperança que está nele (cf. 1 Pd 3, 15).

Giampaolo Macorig

Testemunhas do Evangelho na era digital

Comunicar o Evangelho significa também testemunhar com coerência no modo de comunicar escolhas preferências, juízos.

O compromisso por dar testemunho do Evangelho na era digital exige que todos estejam particularmente atentos aos aspetos desta mensagem que possam desafiar algumas das lógicas típicas da web.

Antes de tudo, devemos estar cientes de que a verdade que procuramos partilhar não extrai o seu valor da sua «popularidade» ou da quantidade de atenção que lhe é dada. Devemos esforçar-nos mais por dá-la a conhecer na sua integridade do que por torná-la aceitável, talvez «mitigando-a». Deve tornar-se alimento quotidiano e não atração de um momento.

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A verdade do Evangelho não é algo que possa ser objeto de consumo ou de fruição superficial, mas dom que requer uma resposta livre. Mesmo se proclamada no espaço virtual da rede, aquela sempre exige ser encarnada no mundo real e dirigida aos rostos concretos dos irmãos e irmãs com quem partilhamos a vida diária. Por isso permanecem fundamentais as relações humanas diretas na transmissão da fé!

Confiança e criatividade responsável

Desejo convidar os cristãos a unirem-se com confiança e criatividade responsável à rede de relações que a era digital tornou possível.

Em todo o caso, quero convidar os cristãos a unirem-se confiadamente e com criatividade consciente e responsável na rede de relações que a era digital tornou possível. Não simplesmente para satisfazer o desejo de estar presente, mas porque esta rede se tornou parte integrante da vida humana.

A web está a contribuir para o desenvolvimento de formas novas e mais complexas de consciência intelectual e espiritual, de certeza compartilhada. Somos chamados a anunciar, neste campo também, a nossa fé que Cristo é Deus, o Salvador do homem e da história, Aquele em quem todas as coisas alcançam a sua perfeição (cf. Ef 1, 10).

A proclamação do Evangelho requer uma forma respeitosa e discreta de comunicação, que estimula o coração e move a consciência; uma forma que recorda o estilo de Jesus ressuscitado quando Se fez companheiro no caminho dos discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 13-35), que foram gradualmente conduzidos à compreensão do mistério mediante a sua companhia, o diálogo com eles, o fazer vir ao de cima com delicadeza o que havia no coração deles.

Em última análise, a verdade que é Cristo constitui a resposta plena e autêntica àquele desejo humano de relação, comunhão e sentido que sobressai inclusivamente na participação maciça nas várias redes sociais.

Os crentes, testemunhando as suas convicções mais profundas, prestam uma preciosa contribuição para que a web não se torne um instrumento que reduza as pessoas a categorias, que procure manipulá-las emotivamente ou que permita aos poderosos monopolizar a opinião alheia.

Pelo contrário, os crentes encorajam todos a manterem vivas as eternas questões do homem, que testemunham o seu desejo de transcendência e o anseio por formas de vida autêntica, digna de ser vivida. Precisamente esta tensão espiritual própria do ser humano é que está por detrás da nossa sede de verdade e comunhão e nos estimula a comunicar com integridade e honestidade.

Convido sobretudo os jovens a fazerem bom uso da sua presença no espaço digital. Renovo-lhes o convite para o encontro comigo na próxima Jornada Mundial da Juventude em Madrid, cuja preparação muito deve às vantagens das novas tecnologias.

Para os agentes da comunicação, invoco de Deus, por intercessão do Patrono São Francisco de Sales, a capacidade de sempre desempenharem o seu trabalho com grande consciência e escrupulosa profissionalidade, enquanto a todos envio a minha Bênção Apostólica.

Vaticano, 24 de Janeiro 2011, festa de São Francisco de Sales.