Centro de Cuidados Laguna: qualidade de vida diante da morte

Servir os mais necessitados: foi este um dos propósitos que despertou em muitas pessoas o centenário do nascimento de S. Josemaria. Desde há uns meses que o Hospital Centro de Cuidados Laguna funciona em pleno

No Centro de Cuidados Laguna muitos idosos passam os seus dias bem atendidos e com companhia.

Imaginemos que se chama Carmen. Imaginemos que o cancro que consome o seu organismo desde há tempo se aproxima dos últimos estádios. Embora não queira aceitar que vai morrer, as dores e mazelas multiplicam-se e teme não suportar o que se avizinha.

Os familiares que a têm a seu cargo – imaginemos que é uma filha e um filho, a Sandra e o Fernando – estão à beira do esgotamento, desanimados pela falta de apoio de outros familiares. Perguntam-se, além disso, se estão a prestar os melhores cuidados à mãe.

Decidem ir ao Centro de cuidados paliativos Laguna , em Madrid (Espanha). Uma equipa multidisciplinar de profissionais analisa o caso para dar a melhor resposta possível ao doente e à família.

No Centro de Cuidados Laguna muitos idosos passam os seus dias bem atendidos e com companhia.

Primeiro há que averiguar se é necessário o internamente no centro, ou se a Carmen pode continuar na sua casa, atendida pelos profissionais ou, mesmo, pelos seus familiares. Há que tratar, além disso, da situação familiar.

A Sandra não sabe mas está à beira do colapso; foi ela que dedicou mais tempo à mãe; a perda de muitas horas de sono e o cansaço psicológico estão a afectar o seu rendimento laboral e familiar.

O Fernando não tem problemas de cansaço, mas não sabe como tratar a mãe sobretudo agora que ela está a morrer e tem pavor à sua própria reacção emocional. Após a primeira entrevista, a equipa de trabalho social de Laguna apercebe-se de que há outros dois irmãos que se desligaram da situação. Há que pôr-se em contacto com eles e fazer-lhes ver que a família necessita quetambém metam o ombro.

Definitivamente, Carmen ingressa em Laguna, embora o faça contrariada. Sempre quis morrer na sua casa, com os seus. Passadas três semanas, Carmen morre.

O edifício do Centro de Cuidados Laguna, no Sul de Madrid.

Era uma mulher dura, pouco dada a expansões sentimentais, mas com a passagem dos dias deixou transparecer – à sua maneira – que, uma vez que tinham que enfrentar a morte, e uma morte dolorosa como essa, Laguna tinha sido, seguramente, um lugar privilegiado para o fazer; pela atenção dos profissionais, pela comodidade das instalações, pelo apoio psicológico e espiritual que recebe do centro e dos seus filhos. São estes os que mais agradecem o serviço prestado pelo Laguna e assim o comentaram.

RESPOSTA A UMA NECESSIDADE

8 de Janeiro de 2003. Cerimónia de colocação e bênção da primeira pedra da sede definitiva do Centro de Cuidados Laguna. Estamos no último dia do centenário do nascimento de São Josemaria Escrivá, fundador do Opus Dei.

São Josemaria falando com um doente.

A data não é um acaso, porque Laguna nasceu sob o impulso do seu espírito, de um grupo de pessoas que assim quiseram celebrar a efeméride. O edifício erguer-se-á no distrito de Latina, um bairro de Madrid com enormes necessidades sociais e de saúde; conta com uma elevada percentagem de população com escassos recursos económicos e com mais de 65 anos.

“Surge como um apoio à comunidade, ao sistema público, a todos” , diz o doutor Antonio Noguera, médico, subdirector do centro Laguna.

“O que pretendemos é ajudar . Os políticos são os primeiros a compreender que existe uma situação que há que solucionar” , assinala.

Com efeito, com as camas para cuidados paliativos da saúde pública “não se chega a 30%” das necessárias em todo o território nacional, segundo Yolanda Fernández, responsável pela comunicação do centro.

Por isso, o Município cedeu o terreno de 4.500 m2 sobre o qual se construiu um edifício de quase 10.000 m2 de superfície construída, e Laguna estabeleceu convénios com a Comunidade Autónoma e o Município para desenvolver o projecto.

A primeira fase das obras terminou no mês de Abril do ano passado e foi possível começar o trabalho na sede definitiva. Mas este trabalho não partiu do zero. Desde Outubro de 2002, que Laguna disponibilizou parte dos seus serviços, a partir de uma sede provisória, o apoio domiciliário, com profissionais e voluntários.

A recepção do Centro de Cuidados.

Além deste trabalho, Laguna foi erigido com numerosas ajudas económicas e donativos privados. O projecto é gerido pela Fundação ViaNorte, da qual procedem 25% dos 10 milhões de euros que custou.

DO MÉDICO AO FISIOTERAPEUTA “Os cuidados paliativos são feitos de coisas muito simples, de pequenas coisas”, diz Yolanda Fernández. “Consistem em admitir que uma doença avançada não é um fracasso, mas uma situação em que ainda muito se pode fazer” , salienta o Dr. Noguera.

Por isso, os responsáveis pela execução do projecto arquitectónico, antes de desenharem o centro, visitaram sete hospitais ingleses, um dos países – juntamente com o Canadá – em que os cuidados paliativos estão mais avançados. Em Inglaterra nasceu em 1967, por iniciativa de Cecily Saunders, o movimento “Hospice”, que transformou o cuidado dos moribundos.

“A ausência de ruídos é muito importante” , salienta Fernández. Silêncio, cor, luz, espaços, sorrisos. São alguns dos aspectos mais visíveis para o visitante que pela primeira vez percorre o edifício de uma ponta à outra. Até a dieta é personalizada.

Os quartos, individuais, são amplos, e contam com mesa de trabalho e cama para acompanhante, frigorífico e ligação à Internet. As janelas dão para o parque da Cuña Verde; nada de paredes de betão, janelas indiscretas, fábricas ou asfalto.

Faz parte de um conceito integrado de atenção ao doente. Não se trata de cuidados de saúde. Trata-se de cuidados sociais e de saúde. As equipas são formadas por médicos, enfermeiras, auxiliares de clínica, assistentes sociais e especialistas de outras áreas para questões específicas, como psicólogo, terapeuta ocupacional e fisioterapeuta e inclusive cabeleireiros e podólogos.

Para o Dr. Noguera, “trabalhar numa equipa interdisciplinar enriquece muito e permite que cada profissional aprenda outras matérias com os outros profissionais” . Ou seja, o médico perde importância.

“A medicina supõe um conhecimento tão amplo que tem que se dividir em especialidades – afirma. Se falamos disso só para a medicina, que dizer do cuidado integral de uma pessoa”.

Alguns idosos passam a noite em Laguna, para que as suas famílias que têm um doente a seu cargo possam descansar.

PLANO DE CUIDADOS

Esta atenção integral é uma das principais novidades que disponibiliza o Centro de Cuidados Laguna.

“Há pessoas que conhecem e sabem fazer muito bem cuidados paliativos fora do Laguna – afirma o Dr. Noguera – mas não contam com a equipa multidisciplinar que aqui temos”.

Embora, de acordo com Fernández, o que facilita a atenção integral, não é tanto a quantidade de recursos, “mas uma visão muito clara das necessidades da pessoa, que não são apenas físicas ou psíquicas, mas também sociais e espirituais” .

A segunda novidade de Laguna é a sua capacidade de oferecer continuidade nos cuidados.

“Em cuidados paliativos, cada vez se fala mais do plano de cuidados, que inclui um bom cuidado do doente esteja onde estiver: internado ou no seu domicílio,...” , explica o médico. O plano concretiza-se através de “equipas coordenadas que o podem atender em qualquer dos locais. Uma equipa comum com uma história clínica comum, profissionais que fazem adequadamente intercâmbio da informação”.

ATENÇÃO ESCALONADA

Para desenvolver a personalização dos cuidados de cada doente e a continuidade no respectivo plano, Laguna disponibiliza serviços escalonados, atenção médica ao domicílio, uma vez reunidas as condições, com o apoio de um telefone 24 horas por dia, para resolver incidentes ou gerir internamentos; consultas externas para quem autonomia suficiente; hospital de dia, com possibilidade de se fazerem exames, análises, radiodiagnóstico, fisioterapia, terapia ocupacional..., um escalão intermédio entre os cuidados no domicílio e o internamento no hospital de cuidados paliativos, que seria o último escalão.

O Dr. Noguera: 'Os cuidados paliativos são simplesmente boas práticas médicas'.

Estamos no centro de dia psico-geriátrico, que já funciona em pleno. Uma vintena de idosos, homens e mulheres, fazem exercícios em grupo. Alguns sentam-se em cadeiras à volta de uma doente que põe à prova a sua psicomotricidade com os aros que no chão vão guiando os seus passos. Uma terapeuta apoia-a quando ameaça perder o equilíbrio. Há alguns risos e aplausos...

O centro de dia conta com 55 lugares, 40 dos quais estão reservados pelo Município. É um serviço que se dirige a pessoas com doenças neuro-degenerativas, em especial Alzheimer.

Quanto ao hospital de cuidados paliativos, núcleo do trabalho do Laguna, só se abriu ainda um dos seus dois andares, com 16 camas das 38 previstas. Cinco destas camas serão privadas – com o objectivo de não excluir ninguém que queira ser atendido – e pretende-se que as restantes sejam geridas em coordenação com a Comunidade de Madrid.

O centro de dia tem 55 lugares. É destinado a pessoas com doenças neuro-degenerativas, em especial Alzheimer.

UM "REPOUSO" PARA O CUIDADOR

A responsável de comunicação, Yolanda Fernández, calcula que o Laguna esteja agora a cerca de 50% do seu rendimento definitivo. Todavia há ainda duas alas em construção. Uma é destinada à “unidade de repouso”, que contará com nove camas, pensadas para estadias temporárias de doentes em situação de dependência. O objectivo é que os familiares que cuidam do doente possam descansar, evitando a sobrecarga da pessoa que presta cuidados, homem ou mulher.

Para 2009 o Laguna contará também com o seu próprio centro de formação e investigação, na outra ala. O Dr. Noguera fala com um tom tranquilo, externamente desapaixonado, mas no entanto, ilumina-se-lhe o olhar quando se refere ao assunto.

Laguna erigiu-se com numerosas ajudas económicas e donativos privados.

Sonha “com a possibilidade deste centro conceder acreditações oficiais a profissionais de cuidados paliativos, quando esta acreditação existir no nosso país...” ; e também com cursos “para prestadores de cuidados, pessoas que tenham um doente ao seu cuidado em casa, para que aprendam a cuidá-lo correctamente, cursos para auxiliares de geriatria, para auxiliares clínicos, de enfermagem...” , explica.

E enquanto não terminam as obras, não ficam de braços cruzados. Todas as semanas têm uma sessão bibliográfica e uma sessão de docência para os próprios profissionais do Laguna, com o objectivo de melhorarem o seu trabalho.

Essa formação ajudará também na investigação. Cuidar da recolha de dados permitirá desenvolver a história clínica informatizada, que implicará contar com boas bases de dados. “As nossas primeiras investigações vão centrar-se na forma como estamos a fazer as coisas” , diz o Dr. Noguera. De início, investigação clínica, mas “ se no futuro pudermos fazer investigação básica, também a faremos. Novos tratamentos, cuidados...” , assinala.

O Laguna rodeia-se de cuidados para o doente terminal, mas não se pretende que morra “sem se aperceber” . A dignidade do doente exige que possa tomar as disposições que entenda para esse transe.

Entre outras coisas, o Laguna oferece, também, atenção espiritual e religiosa a quem o pretender. É uma necessidade peremptória perante a proximidade da morte, e como conta Fernández, geralmente muito bem recebida. Esta atenção implica a visita do capelão – com a periodicidade que se deseje – cujo trabalho é reforçado pela assistente social. Além disso, o centro dispõe de capela.

Laguna tem ao dispor também atenção espiritual e religiosa a quem o pretender.

UM DOENTE, UMA FAMÍLIA

Atenção integral é o ponto forte do Laguna. Também atenção social. Daí o interesse pelo ambiente do doente – vital no caso dos cuidados paliativos. “Quando um doente tem uma doença assim, poder-se-ia também dizer que, em certo sentido, há uma família doente ” , refere o Dr. Noguera.

Com essa postura, desde a primeira entrevista da unidade de trabalho social que se procuram detectar os problemas e preocupações do ambiente familiar e se estudam as implicações nos cuidados do doente.

Os familiares que se encarregam do doente “costumam ter dúvidas sobre se o que estão a fazer é ou não correcto. Num plano puramente material, ensiná-los nos cuidados e confirmar que o que estão a fazer está bem feito já lhes dá muita segurança” , explica o Dr. Noguera.

Ao mesmo tempo, “ajudá-los a ver que o que estão a fazer é muito importante e muito bom, ainda que essa pessoa não tenha cura”, supõe “alterar os objectivos para evitar frustrações e crises emocionais” .

O centro conta com uma rede de voluntariado. É composta sobretudo de reformados e de um pequeno grupo de jovens.

Noguera fala de “micromortes”. O processo de um doente terminal implica que vá perdendo muitas das suas capacidades. “Para dizê-lo de outra maneira – indica o médico subdirector – vai ficando sem capacidade de executar e a única coisa que fica é o que é” e cuida-se dele “porque o que nos interessa é o que essa pessoa é, ainda que já não possafazer”. O doente vai sofrendo todas essas “micromortes” e a sua família também.

Muitas vezes, “a família satura-se porque, além de cuidar dele, tem que fazer tudo o que essa pessoa fazia. Uma dupla carga”. Por isso, diz o Dr. Noguera, “necessitam muito de apoio emocional, nalguns casos de apoio de um especialista, de um psicólogo”.

Um dos objectivos do Laguna é ajudar as famílias dos doentes para lhes mostrar que o que estão a fazer é muito importante e muito bom, ainda que essa pessoa não tenha cura.

Além desta possível atenção psicológica, outros serviços que se disponibilizam no Laguna dirigidos ao ambiente do doente são a já citada unidade de repouso familiar ou o programa para o período s seguir à morte, para melhor ultrapassar a morte do ente querido.

Um dos objectivos declarados do Laguna é o desenvolvimento de iniciativas de sensibilização e apoio a pessoas dependentes. Entre elas, o centro conta com uma rede de voluntariado. É composta sobretudo por reformados e por um pequeno grupo de jovens.

Actualmente são 50 pessoas, embora a intenção sej a de duplicar este número. Dedicam duas horas por semana a visitas e a cuidados de doentes e recebem previamente cursos de formação.


A EUTANÁSIA NÃO É UM ACTO MÉDICO

Durante uma iniciativa de cuidados paliativos, é inevitável a pergunta: o que há sobre a eutanásia? “Os cuidados paliativos pretendem aliviar o sofrimento e foi assim que nasceram, não para lutar contra a eutanásia”, sublinha o Dr. Noguera.

“Os cuidados paliativos são simplesmente boa prática médica – afirma. No âmbito da boa prática médica, não vou pensar nunca na eutanásia. A eutanásia, no meu modo de ver, só poderia entrar – sem eu estar de acordo com ela – numa sociedade que aceite – porque infelizmente o pode fazer – a liberdade como o máximo da autonomia do ser humano. No caso das pessoas que, pondo embora todos os meios para aliviar o sofrimento, continuam a pedir a eutanásia, o suicídio assistido, então o governo que ponha um executor e que os mate. Fui para o caso extremo, mas o médico existe para tratar dos doentes. Por isso – conclui – nunca se pode admitir o matar como um acto terapêutico”. “Uma pessoa pede a eutanásia quando está a sofrer muito ou está a passar muito mal. E a resposta diante de um ser que sofre e faz um tal pedido é aliviar-lhe o sofrimento. Do ponto de vista médico, através de cuidados paliativos de qualidade, que são a especialidade médica a isso destinada”, explica o Dr. Noguera. E Espanha tem melhor desenvolvimento dos cuidados paliativos do que a media europeia, mas, refere, “ainda muito atrás” de Inglaterra.

Do ponto de vista do avanço científico, lamenta o Dr. Noguera que “a eutanásia prejudica os cuidados paliativos”. E justifica-o: “ É uma forma muito simples de solucionar um problema, e uma clara má praxis médica. Porque precisamente que o médico quebre a cabeça por não ter que praticar uma eutanásia é o que o faz investigar mais a fundo nos cuidados paliativos, para que com o doente seguinte que lhe volte a pedir eutanásia por causa de uma dor ou outro sintoma que não soube controlar, o faça melhor, e consiga controlá-lo”.

Em baixo à esquerda, a letra A indica o local onde se situa o Centro.

Agustín Alonso-Gutiérrez (Aceprensa.com)