(…) Em setembro de 1975, por ocasião da minha eleição como sucessor do nosso amadíssimo Padre, o Congresso Geral Eletivo decidiu por unanimidade que fossem continuados os trabalhos necessários para conseguir o estatuto jurídico definitivo da Obra, seguindo fielmente as directrizes estabelecidas para sempre pelo nosso Fundador e os seus ensinamentos concretos nessa matéria (…).
Não me pareceu pertinente dar nenhum passo nos primeiros anos do meu mandato para evitar e prevenir possíveis interpretações erróneas por parte daqueles que não conheceram quanto o nosso Padre tinha sofrido por causa desses problemas, nem qual tinha sido sempre o seu espírito, bem como os seus desejos e orações. No entanto, na primeira audiência que o Papa Paulo VI me concedeu no dia 5 de março de 1976 – tal como na seguinte, em 19 de junho de 1978 –, e sem pedir nada – na expetativa de apresentar formalmente o pedido no competente Dicastério romano –, mencionei as deliberações do Congresso Geral Especial da Obra sobre este tema. Acrescentei também – na primeira dessas audiências – a minha intenção de deixar passar algum tempo, a não ser que o Santo Padre me ordenasse o contrário. Paulo VI manifestou-se de acordo com a minha decisão e confirmou-me que a “questão continuava em aberto”. Repetiu-me o mesmo na segunda audiência e animou-me então a que apresentasse a oportuna solicitação, seguindo com fidelidade absoluta o espírito do nosso Fundador e à luz dos enriquecimentos alcançados no direito geral da Igreja pelos Decretos conciliares. Com essa indicação do Santo Padre, começava a etapa decisiva deste iter jurídico, mas o Santo Padre faleceu dois meses mais tarde, em Agosto, antes que me fosse possível apresentar a desejada solicitação.
Em setembro desse mesmo ano de 1978, já perto do 50º aniversário da fundação da Obra, ao comunicar ao sucessor de Pedro essa data da nossa história, tive que informar o Papa João Paulo I, recentemente eleito, do nosso problema institucional. O Santo Padre respondeu-me que era seu desejo que se procedesse expeditamente para conseguir a ansiada solução jurídica. Mas o repentino, e por isso mais doloroso, desaparecimento de João Paulo I surgiu como um novo dilata dos nossos desejos. Deus sabe mais!, repeti muitas vezes, seguindo o exemplo do nosso Padre.
Dois meses mais tarde, o Papa atualmente reinante, João Paulo II, escreveu-me no dia 15 de novembro uma carta autógrafa para nos manifestar a sua cordial participação na nossa alegria e agradecimento a Deus pelas Bodas de Ouro da fundação da Obra. Ao entregar-me a carta, o então Cardeal Secretário de Estado comunicava-me que o Santo Padre considerava “uma improrrogável necessidade que se resolvesse o problema do status jurídico do Opus Dei”.
Continuei imediatamente as diligências já iniciadas. Fizemos o nosso pedido formal ao Santo Padre que, no dia 13 de março de 1979, encarregou a Sagrada Congregação dos Bispos de realizar o estudo necessário a fim de examinar a possibilidade e as modalidades para erigir a Obra como Prelatura pessoal e com Estatutos próprios.
Foram necessários mais de três anos e meio de trabalho intenso e ininterrupto, da Santa Sé e nosso, para elaborar este estudo porque, entre outras coisas, era a primeira vez que se erigia uma Prelatura pessoal segundo as condições do Concílio Vaticano II.
A questão foi estudada pela Assembleia plenária da Sagrada Congregação dos Bispos de 28 de junho de 1979. Depois, interveio uma Comissão técnica que em 25 sessões de trabalho – de 27 de fevereiro de 1980 a 19 de fevereiro de 1981 – estudou todos os aspetos jurídicos, pastorais, históricos, institucionais e procedimentais da questão. O resultado deste trabalho – recolhido nas 600 páginas de dois volumes – foi examinado por uma Comissão especial de Cardeais, designada pelo Santo Padre, que emitiu o seu parecer em 26 de setembro de 1981.
A seguir, a Santa Sé enviou a todos os bispos dos países onde temos centros erigidos uma nota sobre as características essenciais da Prelatura a fim de os informar e permitir eventuais observações, as quais foram estudadas atentamente e respondidas pela Sagrada Congregação dos Bispos.
Posteriormente, no dia 23 de agosto deste ano [1982], o Santo Padre anunciou oficialmente a sua decisão de erigir o Opus Dei como Prelatura pessoal, depois de ter aprovado – no dia 5 de agosto de 1982, festa de Nossa Senhora das Neves – uma declaração da Sagrada Congregação dos Bispos em que se explicam os traços essenciais da nova Prelatura. Finalmente, o Santo Padre mandou que se erigisse a Prelatura com a data de 28 de novembro de 1982, primeiro domingo do Advento, e que se publicasse este ato pontifício nas vésperas desse domingo, ou seja, na tarde de sábado do dia 27 de novembro, o qual coincide com uma data tão querida pelo nosso Padre: a festa de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, aniversário da morte do Avô.
Assim chegámos ao termo deste longo caminho, tal como o havia desejado o nosso Fundador. Gratias Deo super inenarrabili dono eius! (2 Cor 9, 15). Graças a Deus pelo seu dom inefável! (…).
Estou convencido que me perguntareis: mas, Padre, como dar a devida importância a esta mudança de forma jurídica? Mudará agora a nossa vida, se o espírito é idêntico? (…). Confirmo-vos que não muda nada do espírito, dos fins, dos modos apostólicos que sempre vivemos, pelo simples facto de que, como afirmava o nosso Padre, primeiro vem a vida e só depois a norma (…).
Meus filhos, é a norma que agora, por Vontade divina, se adapta à nossa vida como a luva à mão. Esta é a norma, pela qual o nosso Padre rezou, sofreu e trabalhou sem descanso durante muitíssimos anos (…).
Em síntese, o nosso novo status jurídico pode-se resumir da seguinte maneira:
1º A Prelatura da Santa Cruz e Opus Dei é uma Prelatura pessoal, do tipo das prelaturas “para a realização de especiais tarefas pastorais” que, dotadas dos seus próprios Estatutos, estão previstas nos Documentos emanados do Concílio Vaticano II e nos sucessivos atos pontifícios que regem a sua aplicação. Portanto, não se concedeu nenhum privilégio à Obra – o nosso Padre não o queria, nem nós o queremos –, nem sequer se criou agora uma nova figura jurídica exclusivamente para nós – embora o Opus Dei seja a primeira instituição que a Santa Sé erigiu como Prelatura pessoal –, a qual nos enquadra no âmbito de um direito comum que não existia em 1962, mas que agora está vigente.
2º A nossa situação não é a de uma Prelatura nullius dioecesis, de carácter territorial; nem sequer a de uma instituição igual às dioceses rituais das igrejas orientais ou de qualquer outro tipo de diocese pessoal. Todas essas formas jurídicas se baseiam no princípio da completa independência ou isenção relativamente aos bispos diocesanos, enquanto isso não acontece no nosso caso: não só porque o nosso Padre nunca o quis, como jamais o solicitámos, embora alguns – certamente por ignorância – tenham propalado essa calúnia e aos quais perdoamos de todo o coração (…).
A mudança fundamental exigida pelos Estatutos atuais é que, a partir de agora, os fiéis da Prelatura – ou seja, os meus filhos e filhas Numerários, Agregados e Supranumerários – continuarão a dedicar-se ao fim apostólico do Opus Dei mediante um vínculo de carácter contratual. Deste modo, não só fica perfeitamente assegurado do ponto de vista jurídico a característica da secularidade; mas, além disso, também se manifesta muito claramente que os leigos da Obra estão sob a jurisdição do Padre – do Prelado – e dos Diretores em tudo o que se refere ao cumprimento dos peculiares compromissos ascéticos, apostólicos e formativos, que assumiram por meio desse vínculo, expressão duma vocação exigente que informa inteiramente a nossa existência. Em tudo o mais, encontram-se na mesma situação – eclesiástica e civil – que qualquer outro fiel cristão.
Os sacerdotes do Opus Dei – que são os únicos que formam o clero ou presbitério da Prelatura – estão incardinados na própria Prelatura: por isso, são plenamente – não só de espírito, mas também por condição jurídica – sacerdotes seculares em todas as dioceses onde se encontrem. Os sacerdotes Agregados e Supranumerários da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz não formam parte do presbitério da Prelatura: associam-se à Obra – tal como estão agora, não muda nada –, movidos pelo nosso mesmo espírito e vocação divina, para receber a específica ajuda de carácter espiritual que os leve a procurar a santidade pessoal no exercício do seu ministério e mantendo ao mesmo tempo a sua dependência canónica dos respetivos bispos diocesanos.
A potestade do Padre – do Prelado e Ordinário próprio da Prelatura do Opus Dei – é uma potestade ordinária de regímen ou jurisdição, que não difere substancialmente no seu conteúdo da que possuía até agora, embora seja conceptualmente diferente do ponto de vista jurídico, uma vez que a Prelatura é uma entidade eclesiástica, diferente dos Institutos Seculares, como o é também dos Movimentos e Associações de fiéis (…).
Álvaro del Portillo, Rendere amabile la verità, Libreria Editrice Vataicana, Roma, 1995. p. 48-90.