Caminho entre os clássicos: apresentação de uma nova edição critica

No passado dia 14 de setembro de 2023, foi apresentada uma nova edição crítica do livro de S. Josemaria, durante uma mesa redonda em Roma, a cargo do filólogo Fidel Sebastián Mediavilla.

Caminho entre os clássicos: apresentação de uma nova edição critica de Caminho

Caminho entre os Clássicos” foi o título dado a uma mesa redonda, que teve lugar no passado dia 14 de setembro de 2023 na Universidade Pontifícia da Santa Cruz (Roma), com o fim de apresentar uma nova edição crítica do livro de S. Josemaria.

Na sessão, promovida pelo Istituto Storico San Josemaría Escrivá e pela Universidade Pontifícia da Santa Cruz, tomaram parte os Professores Vicent Bosh (Faculdade de Teologia) e Rafael Jiménez Cataño (Faculdade de Comunicação Social e Institucional), com moderação de Luis Cano, Secretário do Istituto Storico. Interveio o responsável da nova edição crítica, Fidel Sebastián Mediavilla, especialista no Século de Ouro espanhol.

Rafael Jiménez Cataño e Fidel Sebastián Mediavilla
Rafael Jiménez Cataño e Fidel Sebastián Mediavilla

Caminho, desde a sua publicação em1939, atingiu mais de 420 edições e segundo investigação do Instituto Cervantes, é a quarta obra escrita em espanhol mais traduzida, a seguir ao Dom Quixote, de Miguel de Cervantes e de dois romances do prémio Nobel Gabriel García Márquez.

A nova edição de Caminho, preparada pelo filólogo Fidel Sebastián Mediavilla, apresenta um texto fixado, depois de um aturado exame crítico que procurou interpretar as variantes, mesmo as mais pequenas, que se encontram nas diversas edições.

Na sua intervenção, Fidel Sebastián lembrou a génese da edição que dá continuidade ao trabalho de Pedro Rodríguez, em 2002, ampliando-o noutros campos, e a longa investigação que requereu, culminando com a sua inclusão na coleção do Centro para a edição dos clássicos castelhanos da Universidade de Valladolid, dirigida pelo académico Francisco Rico.

Com palavras de Luis Cano, “Caminho atingiu um carácter de clássico da literatura espiritual pela sua relevância universal, pela profundidade e pela influência perdurável, pela capacidade de repercutir em diferentes gerações, pelo seu carácter intemporal”.

As notas abundantes da nova edição permitem compreender melhor o contexto de Caminho, especialmente ao mostrar a influência de Sta. Teresa de Ávila neste livro.

Um mérito da presente edição, realçado por alguns dos presentes, foi o de localizar as citações explícitas e implícitas de diversos autores – tanto da espiritualidade como da literatura espanhola – que se encontram em diversos pontos de Caminho, com o objetivo de valorizar melhor as influências literárias de Josemaria Escrivá, o seu processo de escrita e alguns pormenores do seu estilo.

Rafael Jiménez Cataño deteve-se nos elementos mais destacados da retórica de Caminho, e apresentou algumas pistas para compreender o impacto que teve e continua a ter em milhões de leitores de idades e proveniências muito variadas.

Na sua intervenção, Fidel Sebastián recordou a génese da edição, que prossegue o trabalho já realizado em 2002 por Pedro Rodríguez, ampliando-o a outros campos, e a longa investigação que exigiu, culminando com a inclusão do volume na coleção do Centro para a edição dos clássicos castelhanos da Universidade de Valladolid.

Fidel Sebastián é um editor especialista em clássicos da espiritualidade: entre os seus trabalhos, encontra-se, entre outras, a edição crítica do Livro da vida de Santa Teresa de Jesus (2014) e da Introdução do símbolo da fé de Frei Luis de Granada (2021), realizadas para a Biblioteca Clássica da Real Academia Espanhola, além de outras edições críticas de obras de Juan de Palafox e de Lorenzo e Jerónimo Gracián.


Apresentamos a seguir excertos de uma entrevista com o autor da edição.

Capa do livro “San Josemaría Escrivá de Balaguer. Camino: edición, introducción y notas de Fidel Sebastián Mediavilla”.

Que descobriu ao elaborar esta edição de Caminho?

O meu trabalho com Caminho foram meses de me levantar e de me deitar e de passar todo o dia com S. Josemaria Escrivá. E fez-me um grande bem espiritual.

O que descobri foi o místico. S. Josemaria é um místico na linha de Santa Teresa de Ávila, de S. João da Cruz. O que tem de Santa Teresa? A oração. E de S. João da Cruz? O espírito de abnegação. E de Frei Luís de Granada, a oratória, a força persuasiva. Claro, ele não falava dos seus fenómenos místicos por um lógico pudor. E também porque não fazia parte do seu carisma de fundador; o seu intuito era indicar um caminho de santidade que temos de procurar no quotidiano; se nos são concedidas coisas extraordinárias, como dizem na Catalunha, “a más a más*. Mas também a sua querida Sta. Teresa dizia que a santidade está nas virtudes.

Há um episódio místico da vida do autor recolhida no ponto 555, embora mais uma vez se esconda, despersonalizando o relato para proveito do leitor. Explica-o numa carta ao que na altura considerava o seu número 2 na Obra, que era Juan Jiménez Vargas. E, como não estava presente, e lhe contava os seus assuntos de consciência, descreve-lho por carta: “Querido Juanito: esta manhã, a caminho de [mosteiro] las Huelgas, onde fui para fazer a minha oração, descobri um "Mediterrâneo", a Chaga Santíssima da mão direita do meu Senhor. E aí me tens todo o dia entre beijos e adorações. Verdadeiramente como é amável a Santa Humanidade do nosso Deus! Pede-lhe tu que Ele me dê seu verdadeiro amor: assim ficarão bem purificadas todas as minhas outras afeições”.

Se lermos o livro da Vida de Santa Teresa, há um passo assombrosamente similar. Foram estas as coisas que descobri. Aí está um tema ainda não explorado, que é S. Josemaria místico, e deixo-o para outros o fazerem. Pela minha parte, acabado o livro – anotado, limpo, fixado, e dando-lhe o esplendor que se podia –, pensai: agora já, o leitor do século XXI, com uma formação, e com uma leitura atenta, isto é, se não percebo isto, leio a nota e volto a lê-lo, que maravilha! agora percebo!, pode ler-se e desfrutar co ele durante todo o século XXI, pelo menos.

Qual a diferença entre esta edição e a edição crítico-histórica de Pedro Rodríguez?

Esta edição não podia ter sido feita sem o trabalho de Pedro Rodríguez com a sua edição a que chamou histórico-crítica porque não a considerava propriamente uma edição crítica. Cito-o abundantemente porque entre outras coisas ele consultou os arquivos gerais do Opus Dei. E teve ocasião de cotejar, tomar notas desses arquivos e publicá-los, e assim, através de Pedro Rodríguez, cito muitas coisas dos apontamentos íntimos. Como investigador, Pedro Rodríguez é imprescindível, é absolutamente necessário recorrer a ele.

(…)

Qual o estilo da linguagem de Caminho?

S. Josemaria fala das coisas mais santas, como falam Santa Teresa, S. João da Cruz ou um Frei Luís de Granada, mas com uma linguagem absolutamente civil que, aliás, se parece com a de Galdós. Se repararem na quantidade de citações que são de Galdós: este termo, esta expressão, este modo…; o estilo de S. Josemaria tem muitas parecenças com o dos escritores do realismo e do naturalismo, que era o comum da sua época, e dos poetas que estavam mais na moda (…) Várias expressões de Caminho percebem-se melhor sei vemos o contexto em que as usa Galdós. É a graça de contextualizar o léxico. Nisto também há muita diferença com a edição de Pedro Rodríguez, que naturalmente não atende a este aspeto filológico porque não o pretendia.

Na minha opinião, S. Josemaria fala a linguagem da gente culta que queria ser natural. Fala com a linguagem das pessoas normais e correntes. S. Josemaria era fundamentalmente um universitário. A sua formação intelectual universitária foi adquirida na sua passagem pela Faculdade de Direito, depois de ter estado no seminário, e ter sido um pároco excelente. Pode dizer-se que a qualidade da sua linguagem é a de ser coloquial. E com esse tipo de léxico, tem a força de um Frei Luís de Granada. Quando quer comover, comove até às lágrimas. S. Josemaria comovia os públicos.

Estamos então perante um clássico?

S. Josemaria é um clássico popular. As pessoas dizem: como dizia Sta. Teresa. Sta. Teresa não o disse, mas podia tê-lo dito perfeitamente. Pois da mesma forma podemos dizer “como disse S. Josemaria”. Não o disse, mas podia tê-lo dito perfeitamente. Atribuem-se-lhe ditos porque é um clássico popular. E é mesmo assim. “Olha que humilde é o nosso Jesus: um burrinho foi o seu trono em Jerusalém!”. Este tipo de imagens, tão simples e tão compreensíveis por toda a gente. É esta a graça que tem.

O que torna Caminho num clássico é o que é permanente. O público é-lhe fiel: há oitenta e cinco anos que continua a ler o livro. Por outro lado, tem expressões que ficaram: minuto heroico é uma criação sua. Muitas pessoas por esse mundo fora sabem hoje o que é.

(…)

Posso dizer que, com a graça de Deus, com a fidelidade do público destes oitenta cinco anos e a crescer, e com o trabalho deste pobre editor literário e de Guillermo Serés, o grande editor profissional, ce l’abbiamo fatta! (como dizem os italianos). Conseguimos!


[*] N.T.: o sentido da expressão é: a acrescentar, ainda para mais, que ultrapassa o necessário, um extra.