Ambiente de família, escola de amor

Para conseguir que o amor cresça, cada família tem de procurar aumentar a sua capacidade de dar e receber.

I. Uma família em saída: dar e receber

A família é uma célula aberta ao serviço da sociedade, não é uma instituição fechada, longínqua e de âmbito estritamente privado; como diz o Catecismo da Igreja Católica: “A família é a célula originária da vida social. É a espaço natural no qual o homem e a mulher são chamados ao dom de si no amor e no dom da vida. A autoridade, a estabilidade e as relações no seio da família constituem os fundamentos da liberdade, da segurança e da fraternidade na sociedade. A família é a comunidade na qual, desde a infância, se podem assimilar os valores morais, tais como honrar a Deus e usar corretamente a liberdade. A vida em família é iniciação para a vida em sociedade”[1]. Assim, podemos dizer que a família é o âmbito natural do amor.

Esse amor, próprio dos cônjuges, é desejar que o outro exista e que exista bem, não de qualquer maneira: porque te amo, procuro o teu bem, a tua felicidade. Com a chegada dos filhos, o amor entre os esposos cresce, multiplica-se e manifesta-se na busca do bem para cada filho, em querer o melhor para eles – em todos os aspetos: físico, emocional, espiritual, etc. Porém como a família não fica fechada em si mesma, mas transcende a sua própria esfera e se integra na sociedade – mais ainda, sem família, não há sociedade –, esse amor que começou sendo dos esposos e se prolongou nos filhos é chamado, também, a ampliar-se: todos merecem participar no amor que a família irradia, que se manifesta no desejo de bem.

NALGUMAS OCASIÕES EXISTE UMA TENDÊNCIA PARA DIVIDIR A PROFUNDA UNIDADE DAR-RECEBER; O RESULTADO É A DESAGREGAÇÃO DA FAMÍLIA

Para conseguir que o amor cresça, cada família tem de procurar aumentar a sua capacidade de dar e receber. Nalgumas ocasiões existe uma tendência para dividir a profunda unidade dar-receber; o resultado é a desagregação da família, parece que “o dar é para os pais; o receber é para os filhos. E, então, resta um grupo de seres humanos pouco unidos pelo amor familiar: pais sacrificados, filhos mais ou menos irresponsáveis... Todos devem dar e receber. Em primeiro lugar, dar,porque toda a pessoa é um ser de contributos. E depois, receber para dar mais, para dar melhor”[2]. Como diz Enrique Rojas: “O amor não é egoísta. A sua única referência é o outro. O amor acaba com a vida solitária”. Porém, o amor precisa de ser concretizado. A este respeito, diz o Papa Francisco: “O amor... não é o amor das novelas. Não, é outra coisa. O amor cristão tem sempre uma qualidade: o concreto (...) o próprio Jesus, quando fala de amor, fala-nos de coisas concretas: dar de comer aos famintos, visitar os enfermos...”.

O Papa sugere dois critérios. O primeiro é que o amor está mais nas obras do que nas palavras. O próprio Jesus disse: não são os que dizem “Senhor, Senhor”, os que falam muito, que entrarão no reino dos céus; mas aqueles que cumprem a vontade de Deus. É o convite, portanto, a estar no «concreto» cumprindo as obras de Deus. Assim, o primeiro critério é amar com obras, não só com palavras. O segundo é este: no amor é mais importante dar do que receber. A pessoa que ama dá – vida, coisas, tempo –, entrega-se a si mesma a Deus e aos outros. Pelo contrário, a pessoa que não ama e que é egoísta procura sempre receber, procura sempre tirar vantagens[3].

Hoje em dia, há muitas pessoas necessitadas de ajuda por diversas circunstâncias: a fome, a imigração, a guerra, vítimas de abusos e violências e do terrorismo; pessoas afetadas por catástrofes naturais; outros, perseguidos por causa da sua fé; o drama do aborto e da eutanásia; o desemprego, sobretudo dos jovens; idosos que vivem em solidão. Todas estas realidades convivem de uma maneira ou de outra connosco, no dia a dia e é justamente aí que cada pessoa, cada família, é chamada a ser um agente de ajuda e de mudança a favor dos mais necessitados.

Como diz o Concílio Vaticano II, “A própria família recebeu de Deus esta missão, de ser a célula primeira e vital da sociedade. Cumprirá esta missão se, pela mútua piedade dos seus membros e pela oração em comum dirigida a Deus, for como que o santuário doméstico da Igreja; se a família toda se inserir no culto litúrgico da Igreja; se, finalmente, oferecer hospitalidade acolhedora, promover a justiça e outras boas obras ao serviço de todos os irmãos em necessidade. Entre as várias atividades do apostolado familiar, podem enumerar-se as seguintes: adotar como filhos crianças abandonadas, receber benignamente os peregrinos, cooperar na orientação das escolas, apoiar os adolescentes com conselhos e com meios económicos, ajudar os noivos a prepararem-se melhor para o matrimónio, dar catequese, amparar os cônjuges e as famílias que estão em perigo material ou moral, garantir aos idosos não só o necessário, mas também uma distribuição equitativa dos frutos do progresso económico”[4].

“A MISERICÓRDIA NÃO É SER BONZINHO, NEM MERO SENTIMENTALISMO”, PELO CONTRÁRIO, É UMA MANIFESTAÇÃO DO AMOR INFINITO DE DEUS POR CADA UM E A REALIZAÇÃO HUMANA DO AMOR AO PRÓXIMO.

Este Ano Jubilar da Misericórdia é uma nova oportunidade para viver o amor familiar e concretizar o amor aos necessitados. O conjunto das obras de misericórdia oferece-nos a possibilidade de nos abrirmos, de nos darmos aos outros. O Papa Francisco chama-nos a redescobrir as obras de misericórdia corporais: dar de comer aos famintos, dar de beber aos sedentos, vestir os nus, acolher o estrangeiro, assistir os enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos. E a não esquecermos as espirituais: aconselhar os que têm dúvidas, ensinar os ignorantes, advertir os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar pacientemente as pessoas irritantes, rezar a Deus pelos vivos e defuntos. “A misericórdia não é ser bonzinho, nem mero sentimentalismo”, pelo contrário, é a manifestação do Amor infinito de Deus por cada um e a realização humana do amor ao próximo.

É assim que a família é chamada a ser “escola de generosidade”, ou seja, na família “aprende-se que a felicidade pessoal depende da felicidade do outro, descobre-se o valor do encontro e do diálogo, a disponibilidade desinteressada e o serviço generoso”.

“As crianças que veem na sua casa como se procura sempre o bem da família, e como uns se sacrificam pelos outros, aprendem um estilo de vida baseado no amor e na generosidade. É uma vivência que deixa uma marca indelével. Crescerão sabendo que integrar-se na sociedade não é só receber, mas receber e retribuir”[5].

II. Dar-se na própria família

Muitas vezes – e é preciso fazê-lo –, dirigimos o olhar para as realidades distantes procurando fazer o bem: damos dinheiro, tempo, trabalho, esquecendo talvez que é nos mais próximos que encontramos o nosso principal e mais importante campo de ação. Não só com o cônjuge e os filhos, mas também com os pais já idosos e talvez doentes que requerem uma atenção especial; com parentes necessitados por diversas razões; com amigos próximos que precisam do nosso conselho; com pessoas conhecidas com quem contactamos regularmente e que precisam temporariamente de uma casa, da presença de um amigo, etc. Para os cônjuges cristãos, a sua primeira “periferia” é a própria família, onde talvez se encontrem os que mais necessitam da sua dádiva amorosa. Depois, o mundo inteiro para “afogar o mal em abundância de bem”, como S. Josemaria gostava de dizer[6].

Quanto aos idosos da família, eles merecem – como as crianças –, uma solicitude especial, quer sejam os próprios pais ou outros familiares próximos que, pelo passar dos anos, necessitam de atenções particulares. A esperança de vida é cada vez mais longa, no entanto, não se atendeu, paralelamente, à necessidade dos cuidados específicos para os idosos, que, muitas vezes, são considerados uma carga difícil de carregar, ou ainda pior, em determinadas circunstâncias ficam desamparados e abandonados. Com cada um deles, temos de ser amáveis, pacientes, oferecer-lhes o nosso tempo, o nosso carinho e ajuda nas suas necessidades e ensinar os filhos a agir da mesma maneira. Amanhã serão eles, talvez, a ter de cuidar dos seus pais e, se não o viram, se não o viveram, não saberão ou não quererão fazê-lo. A família é o lugar onde os mais fracos encontram auxílio e proteção. Por isso, é o melhor lugar para cuidar dos idosos. A esse respeito, dizia Bento XVI: “A qualidade de uma sociedade, gostaria de dizer de uma civilização, mede-se, também, pela forma como trata os idosos e pelo lugar que lhes é reservado na vida em comum”.

Este dar-se aos que estão próximos de cada um, se é por amor, se faz com a alegria dos que sabem que são filhos de Deus, destinados à felicidade que só se encontra fazendo o bem.

Carolina Oquendo Madriz


[1] Catecismo da Iglesia Católica, 2206.

[2] Oliveros F. Otero (1988), La felicidad en las familias, Loma Editorial, México.

[3] Cfr. Papa Francisco, Homilia em Santa Marta, 9-1-2014.

[4] Decreto Apostolicam Actuositatem (18 novembro 1965), n.11.

[5] María Lacalle Noriega (2015), La dimensión pública de la familia. En: Nicolás Álvarez de las Asturias (Ed.), Redescubrir la familia, Palabra, Madrid.

[6] S Josemaria, Sulco, n 864.