Álvaro del Portillo. Uma referência para o nosso tempo

No dia 30 de abril anterior à beatificação, D. Jaume Pujol, Arcebispo de Tarragona, deu uma conferência: “Álvaro del Portillo: uma referência para o nosso tempo”. O evento teve lugar no Auditório do Centro Social Fundação Novacaixagalicia de Vigo.

D. Jaume Pujol, Arcebispo de Tarragona

Conteúdo

Introdução

II. Recordações autobiográficas

III. Na vida de D. Álvaro moldou-se maravilhosamente o espírito que Deus entregou ao Fundador do Opus Dei

IV. Algumas notas da formação espiritual adquirida por D. Álvaro diretamente de S. Josemaria

1. Sentido vocacional da existência e luta positiva

2. A consciência viva da filiação divina é o fundamento de todo o seu espírito

3. Amor erespeito pela liberdade própria e alheia

4. Grandes ideais e detalhes aparentemente pequenos

V. Lealdade à Igreja e ao Papa

VI. A virtude mais caraterística de D. Álvaro foi a sua fidelidade

I. Introdução

Queridos amigos,

Tendo como motivo a beatificação de D. Álvaro del Portillo, no próximo dia 27 de setembro, pediram-me para vos falar deste homem santo, com quem tive o privilégio de conviver durante onze longos anos e com quem depois mantive contacto durante bastantes mais, até à sua morte.

Mas antes de começar a falar da sua figura, gostaria de fazer umas reflexões sobre o significado que têm para nós aqueles a quem a Igreja declara beatos e santos.

Ao honrar um santo, a Igreja propõe-no-lo como uma personagem especialmente próxima. Habitualmente, quando a sociedade civil exalta uma personalidade, coloca-o como que acima do comum dos mortais, num pedestal, do qual nos contempla à distância, afastado da nossa vida. Pelo contrário, não é assim que sucede na Igreja. Quando a Igreja honra os seus santos, pessoas certamente superiores a nós em virtudes e amor de Deus, estas não se distanciam dos nossos interesses diários, pelo contrário, a Igreja aproxima-os de nós. A sua recordação, a sua imagem, o seu exemplo e a sua doutrina tornam-nos mais próximos e cativantes; tratamo-los por tu e, sendo amigos de Deus manifestam-se mais nossos amigos, de todos e de cada um: são património da Igreja.

S. Pedro diz-nos numa das suas cartas: «Esforçar-me-ei para que depois da minha partida, possais recordar em qualquer momento estas coisas» (2 Pe 1,15). E uma alma, tão humilde como Santa Teresinha de Lisieux, Doutora da Igreja, dizia às suas irmãs no final da sua vida:

«Eu conto, com segurança, que não hei de permanecer inativa no Céu. O meu desejo é continuar a trabalhar pela Igreja e pelas almas. Eu peço-o a Nosso Senhor e estou certa de que Ele me escutará. […] Penso em todo o bem que gostaria de fazer depois da minha morte: fazer com que sejam batizadas crianças pequenas, ajudar os sacerdotes, os missionários, toda a Igreja» […] Que infeliz seria no Céu, se não me fosse possível dar pequenas alegrias na terra àqueles que amo”[1]

O Catecismo da Igreja Católica fala-nos também desta aproximação aos homens das santas e santos:

«Na glória do Céu, os bem-aventurados continuam a cumprir com alegria a vontade de Deus com relação aos outros homens e à criação inteira. Já reinam com Cristo; com Ele “eles reinarão pelos séculos dos séculos” (Ap 22, 5; cf. Mt 25, 21.23)»[2].

E insistindo nessa solicitude, o Catecismo acrescenta:

«As testemunhas que nos precederam no Reino (cf. Hb 12, 1), especialmente aquelas que a Igreja reconhece como "santos", participam na tradição viva da oração, pelo exemplo da sua vida, pela transmissão dos seus escritos e pela sua oração atual. Elas contemplam a Deus, louvam-n’O e não cessam de tomar a seu cuidado os que deixaram na terra. Tendo entrado "na alegria" do seu Senhor, foram "estabelecidas à frente de muita coisa" (cf. Mt 25, 21). A sua intercessão é o mais elevado serviço que prestam ao desígnio de Deus. Podemos e devemos pedir-lhes que intercedam por nós e por todo o mundo»[3].

A glória que tributamos aos anjos e aos santos não diminui a glória que tributamos a Deus, antes a faz resplandecer com maior fulgor. Recordemos estas palavras do Magníficat de Maria (cf. Lc 1, 46-49): «A minha alma glorifica o Senhor, e o meu espírito alegra-se em Deus meu Salvador, porque olhou para a humildade da sua serva; por isso, a partir de agora, todas as gerações me chamarão bem-aventurada. Porque fez em mim grandes coisas o Todo-poderoso, cujo nome é Santo».

Deus deseja que as Suas perfeições, todas, brilhem nos santos e naqueles que verdadeiramente se empenham por alcançar a meta de união com a Trindade[4] e alegra-se realizando portentos pela sua intercessão. Nestas próximas semanas, quando convidarem os amigos e conhecidos para assistir à cerimónia de beatificação de Álvaro del Portillo, pensem que prestam um importante serviço à sua fé, considerando esta realidade da intercessão dos santos nas nossas necessidades materiais e espirituais. Todos somos peregrinos no caminho da vida e nunca faltam apertos e dificuldades que, com o socorro do Céu, se podem solucionar. Portanto, convém-nos muito ter convívio de amizade com os santos. Em concreto, agora, animo-vos a tê-lo com D. Álvaro.

Como dizia o Prelado do Opus Dei [na altura, D. Javier Echevarría] numa ocasião,

«Desde que o Senhor quis levar para o Céu S. Josemaria são tantos e tão variados os favores alcançados por sua intercessão que é impossível fazer qualquer balanço. Atrevo-me a pensar que agora é o nosso Padre (S. Josemaria) quem repete ao seu filho fidelíssimo as mesmas palavras que um dia escreveu D. Álvaro à mão: “Eu já não posso fazer mais… Agora é contigo!”[5].

II. Recordações autobiográficas

Aquele que em breve será proclamado Beato, Álvaro del Portillo, ocupa um lugar muito especial na minha vida. Conheci-o em setembro de 1962 em Barcelona, mas quando convivi com ele durante onze anos, foi em Roma, a partir de 13 de outubro daquele mesmo ano: cheguei nesse dia a Roma com os meus 18 anos para fazer estudos de Filosofia e de Teologia e formar-me no espírito do Opus Dei junto do seu Fundador, S. Josemaría Escrivá de Balaguer. Depois fiz também em Roma o curso de Pedagogia e durante uns anos fui professor de diversas matérias pedagógicas.

D. Álvaro del Portillo era então Secretário Geral do Opus Dei (corresponde hoje ao cargo de Vigário Geral). Estava sempre a trabalhar junto do Fundador, embora também o ocupassem importantes assuntos e trabalhos ao serviço da Santa Sé. Precisamente dois dias antes de eu chegar a Roma, no dia 11 de outubro de 1962, começava o Concílio Vaticano II, no qual D. Álvaro trabalhou intensamente.

Por vontade própria, era a sombra do Padre, continuamente atento, em vela ativa, para aprender e para servir. Mas a sua humildade, simplicidade, alegria e serenidade não conseguiam ocultar a grandeza de uma alma totalmente entregue a Cristo.

Disse simplicidade e serenidade, porque estas caraterísticas – e virtudes – da sua personalidade, atraíam de imediato. Mas depois, íamo-nos apercebendo da profunda valia de outros dons humanos e sobrenaturais com que Deus o tinha dotado e o heroísmo e a grande naturalidade com que vivia todas as virtudes.

III. Na vida de D. Álvaro moldou-se maravilhosamente o espírito que Deus entregou ao Fundador do Opus Dei

Por cima de todas as coisas que influíram na existência de D. Álvaro, há que destacar o seu encontro com S. Josemaria, que alterou radicalmente a sua vida.

A vida de D. Álvaro não pode narrar-se nem explicar-se sem ter em conta a sua vocação para o Opus Dei, a sua união e filiação a S. Josemaria, que foi quem o guiou quase pessoalmente até à santidade.

Hoje, já dispomos de esboços biográficos e biografias que nos permitem aproximar-nos do conhecimento da vida e espírito do próximo beato. Vou deter-me numas palavras suas, pronunciadas numa reunião de família em que se celebrava o seu aniversário. Naquela ocasião D. Álvaro deteve-se a lembrar o tempo decorrido:

«Ao contemplar o calendário da minha vida — disse — penso nas folhas passadas. São passadas, mas não foram deitadas para o cesto dos papéis, porque permanecem diante dos olhos de Deus. Tantos benefícios do Senhor! Já antes de nascer, preparou-me uma família cristã piedosa, que me proporcionou uma boa formação. Depois, tantos acontecimentos que assinalaram a minha existência. Acima de todos, o encontro com o nosso Padre, que mudou a minha vida por completo, de forma rapidíssima. E os quase quarenta anos de contacto íntimo e constante com o nosso Fundador...».[6]

A que outros acontecimentos se refere? Talvez ao naufrágio de uma embarcação no Cantábrico em que faleceu um grupo de amigos seus; ele ficou em terra por algum motivo que posteriormente não conseguiu recordar, quando o seu propósito era embarcar com eles. Talvez se referisse também ao incêndio do teatro Novedades de Madrid numa sessão a que tinha previsto assistir e que acabou numa tremenda catástrofe. Podemos recordar outra ordem de coisas: a crise económica familiar; uma agressão de que foi vítima, em que lhe bateram fortemente na cabeça com uma chave inglesa; a sua passagem pela cadeia de Santo Antão durante a Guerra Civil, com a vida presa por um fio. A isto se referiu numa ocasião: «Meteram-me na cadeia só por ser de família católica. Nessa altura usava óculos, e algumas vezes aproximava-se de mim um dos guardas – chamavam-lhe Petrof – encostava-me uma pistola na têmpora e dizia: “Tu és padre, porque usas óculos”. Podiam ter -me matado».

Talvez D. Álvaro pensasse naquele dia nas suas visitas assistenciais e catequéticas aos subúrbios pobres de Madrid, na sua época de estudante, que, segundo afirmava, o prepararam para dizer que sim à chamada de Deus, quando se fez ouvir.

Pois acima de tantos acontecimentos importantes, que já de per si ultrapassam as experiências habituais de um jovem, D. Álvaro destaca um: «Acima de todos, o encontro com o nosso Padre, que mudou a minha vida por completo, de forma rapidíssima. E os quase quarenta anos de contacto íntimo e constante com o nosso Fundador...».

S. Josemaria, que recebeu de Deus o espírito do Opus Dei e o mandato de o difundir por todo o orbe, pôde escrever o seguinte:

«Tem presente, meu filho, que não és somente uma alma que se une a outras almas para fazer uma coisa boa. Isso é muito..., mas é pouco. – És o Apóstolo que cumpre um mandato imperativo de Cristo»[7].

D. Álvaro receberá a vocação de Deus, mas o espírito da Obra recebê-lo-á do Fundador. S. Josemaria trabalhou aquela alma como o ourives talha uma pedra preciosa e D. Álvaro, apaixonado pela Vontade de Deus, manifestada na sua vocação ao Opus Dei, correspondeu à graça com tal finura e generosidade que se tornou o melhor filho de S. Josemaria. «Álvaro é um modelo, e o meu filho que mais trabalhou e mais sofreu pela Obra, e aquele que melhor soube captar o meu espírito».[8] Na vida de D. Álvaro, resplandece em todos os momentos o estilo peculiar da formação recebida.

Em 1933, S. Josemaria, ao pedir autorização ao seu confessor para fazer penitências mais fortes, escreve-lhe estas palavras: «Olhe que é Deus que mo pede e, além disso, é preciso que seja santo e pai, mestre e guia de santos».[9]

Realmente, por vontade de Deus, S. Josemaria foi mestre e guia de santos. E como também o foi para muitas outras almas, foi mestre e guia excecional na progressiva santidade de Álvaro del Portillo. Tratou-se afinal, como S. Josemaria definia a direção espiritual, de uma tarefa «encaminhada para situar cada um diante das exigências completas da sua vida, ajudando-o a descobrir o que Deus, em concreto, lhe pede, sem pôr limitação alguma a essa independência santa e a essa bendita responsabilidade individual, que são caraterísticas de uma consciência cristã. Esse modo de agir e esse espírito baseiam-se no respeito pela transcendência da verdade revelada e no amor à liberdade da criatura humana.»[10] Se o fundador do Opus Dei foi verdadeiramente, como se propôs, um mestre e guia de santos, de D. Álvaro podemos dizer que foi um aluno exemplar a aprender a caminhar para a santidade; e, depois, ou simultaneamente, outro mestre e guia de santos.

São legiões as almas que no mundo inteiro se esforçam em procurar a santidade pelo caminho que o Fundador do Opus Dei abriu na Igreja e que D. Álvaro continuou, fiel e eficazmente. Mas S. Josemaria quis deixar registo de que quem melhor se tinha identificado com o seu espírito era o seu filho Álvaro. Nele veremos resplandecer toda a sabedoria com que o Fundador guiava as almas.

IV. Algumas notas da formação espiritual adquirida por D. Álvaro diretamente de S. Josemaria

1. Sentido vocacional da existência e luta positiva

No livro Entrevistas a S. Josemaria(n. 106), lemos: «Para que é que estamos no mundo? Para amar a Deus, com todo o nosso coração e com toda a nossa alma e para estender esse amor a todas as criaturas. Isto parece pouco? Deus não deixa nenhuma alma abandonada a um destino cego; para todas tem um desígnio, a todas chama com uma vocação pessoalíssima, intransmissível».

E em Caminho: «Vontade. É uma caraterística muito importante» (n.19). Mas o autor não cai no voluntarismo, tão predominante naqueles tempos no campo educativo eclesiástico e no civil, e que não raras vezes conduzia a «um modelo glacial, que se pode admirar, mas não se pode amar».[11]

Álvaro del Portillo aprendeu que a luta interior para fazer-se santo cumprindo a vontade de Deus, não é um esmagar-se árido, seco, mas uma luta apaixonada para corresponder ao amor que o Senhor nos tem. Como lemos num breve esboço biográfico, e em D. Álvaro se vê claramente, «S. Josemaria nunca caiu no erro mais clássico do educador cristão: procurar obter do educando com meios humanos aquilo que só pode ser alcançado com a ajuda da graça de Deus. Pelo contrário, desenvolveu uma constante catequese sobre a necessidade de recorrer sempre às fontes da graça, aos sacramentos, e encarou a luta ascética pessoal como correspondência à graça».[12]

Assim, o próximo Beato, num comentário a uma das Instruções do fundador (documentos sobre a natureza e a pastoral do Opus Dei) anotará estas palavras: «“O espírito da Obra é sempre uma afirmação: é alegre, sobrenatural, desportivo”. Nada mais alheio à negação, contrária à sã psicologia. O Padre ensinou-nos sempre a fazer as coisas por Amor, por motivos positivos num plano de afirmação». [13]

2. A consciência viva da filiação divina é o fundamento de todo o seu espírito

O fundamento do seu espírito era a consciência viva da sua filiação divina, que o levava a confiar plenamente na Providência divina e na sua misericórdia.

Em D. Álvaro, esta confiança evidenciou-se em muitas ocasiões. De modo patente, por exemplo, na sua primeira viagem a Roma, no ano de 1943, em plena guerra mundial. O engenheiro Álvaro del Portillo levava a Roma a documentação necessária para tramitar um primeiro passo jurídico de aprovação para que o Opus Dei pudesse dispor de sacerdotes próprios, incardinados à Obra: era um tema urgentíssimo e de perentória necessidade.

O avião em que viajava, sobre o Mediterrâneo, foi surpreendido num fogo cruzado entre navios de guerra e aviões militares. D. Álvaro manteve-se tranquilo e sereno. Contava que ficou impávido, nem sequer lhe ocorreu fazer um ato de contrição. Raciocinava assim: «Vou cumprir uma missão que Deus quer e, portanto, não pode acontecer nada».[14] Os restantes passageiros não partilhavam essa segurança, e passaram um medo extraordinário. Viajavam os elementos de uma companhia de comédia italiana, que tinha feito representações em Espanha, e D. Álvaro dizia que gritavam: mamma mia, c’è molto pericolo!, affoghiamo tutti!( Mãe, estamos em perigo; vamos afogar-nos todos!).

Mais dura ia ser a sua segunda estada na cidade romana, para realizar as diligências de uma aprovação jurídica da Santa Sé para o Opus Dei. Transportemos o nosso pensamento para aquela Roma do pós-guerra para onde se mudou de novo para continuar os trâmites necessários para o caminho jurídico do Opus Dei. Era algo muito premente porque surgiam de todos os lados vocações para a Obra, antes de existir um caminho legal definido no Direito da Igreja.

À insistência de D. Álvaro nesta necessidade de abrir um caminho jurídico apropriado para o Opus Dei, um alto dignitário da Cúria romana respondeu-lhe: «Chegaram com um século de antecedência». E deram o assunto por terminado. Aos olhos daquele eclesiástico, a Obra teria que ter nascido no ano 2046.

A fé de D. Álvaro aumenta perante as dificuldades. Nem por um momento duvida da sua vocação nem do carisma de S. Josemaria. Escreve simplesmente ao Padre uma dupla carta, enviando uma por correio normal e a outra por mala diplomática: «Eu já não posso fazer mais nada, agora é com o Padre». S. Josemaria, atacado por uma diabetes extrema que podia provocar-lhe um grave risco de vida, parte de Barcelona pondo a sua vida e a dos seus filhos aos pés de Nossa Senhora das Mercês (Padroeira de Barcelona). Chega de barco a Génova no dia 22 de junho, e aí estreita com um forte abraço o seu filho Álvaro, e diz-lhe: Aqui me tens, ladrão...! Levaste a tua avante!» A fé de ambos conseguiu o impossível. Em fevereiro de 1947, o Papa Pio XII assinava o Decretum Laudis. O caminho ficava aberto para a Obra.

3. O amor e o respeito pela liberdade própria e pela alheia

Outra caraterística do espírito do Opus Dei que tocou profundamente a alma de D. Álvaro, foi o amor e o respeito pela liberdade, tanto a própria como a alheia. Estas qualidades, juntamente com o bom humor e a alegria baseada em ser e saber-se filho de Deus, facilitaram a D. Álvaro a realização de um extenso trabalho apostólico. A sua generosa entrega aos outros leva-o a ter tal quantidade de amigos em todos os estratos sociais, clérigos e leigos, ricos e pobres, jovens e idosos, que espanta qualquer pessoa que conheça os dados. Deus serviu-se também destas amizades para ajudar a resolver as muitas dificuldades jurídicas ou materiais que iam surgindo no caminho do Opus Dei.

Não é de estranhar, pois, que quando teve lugar a sessão de abertura da causa de canonização de D. Álvaro del Portillo, no dia 5 de março de 2004, o processo contasse com a petição favorável de 35 Cardeais e de 200 Bispos de 55 países. Todos eles testemunhavam um afeto profundo e uma autêntica admiração por este humilde servidor da Igreja.

4. Grandes ideais e detalhes aparentemente pequenos

Voltando à formação espiritual que S. Josemaria ministrava aos que se aproximavam da Obra, é necessário salientar que não se limitava a transmitir em grandes linhas o espírito recebido de Deus; as suas recomendações, fruto da própria vida interior e de uma grande prudência sobrenatural, atingiam mesmo detalhes aparentemente pequenos. D. Álvaro recordava-o assim:

«Ao falar-me das jaculatórias, explicou-me: Há autores espirituais que recomendam contar as que se dizem durante o dia, e sugerem usar feijões ou grão ou algo do género; metê-las num bolso e passá-las para o outro cada vez que se levanta o coração a Deus com uma dessas orações. Assim pode saber-se quantas foram ditas exatamente, e ver se nesse dia se progrediu ou não. E acrescentou: eu não to recomendo, porque existe o perigo de vaidade ou de soberba. Mais vale que seja o teu Anjo da Guarda a fazer a contabilidade».[15]

V. Lealdade à Igreja e ao Papa

“Muito obrigado, meu Deus, pelo amor ao Papa, que puseste no meu coração. [16]

No Opus Dei, o amor e lealdade à Igreja e ao Romano Pontífice são algo de essencial:Omnes cum Petro ad Iesum per Mariam! O amor de S. Josemaria ao Papa, fosse quem fosse, é bem conhecido, e soube transmiti-lo com profundidade teológica e ternura filial a todos os seus filhos, entre eles, Álvaro.

Nas biografias de D. Álvaro que até agora se escreveram, destaca-se fortemente a fidelidade com que viveu o seu serviço à Igreja e ao Papa reinante em cada momento. Deter-me-ei só na sua relação com João Paulo II, a quem D. Álvaro tratou com especial intimidade e carinho filial durante muitos anos. Para isso referir-me-ei de modo abreviado ao texto do discurso de D. Javier Echevarría com motivo da celebração do Centenário de nascimento de D. Álvaro del Portillo.

Logo desde os primeiros meses da eleição de João Paulo II, em 1978, se iniciou uma estreita e frequente relação entre João Paulo II e D. Álvaro. Foi uma colaboração muito ampla, feita de pequenos encargos e de assuntos de maior importância. D. Álvaro, com visão de fé, descobria sempre a Vontade de Deus por trás de cada petição ou sugestão do Santo Padre, como tinha feito antes com os outros sucessores de Pedro.

Nas primeiras semanas daquela nova etapa da Igreja, secundou o Papa quando planeava ordenar arcebispo o seu sucessor em Cracóvia, e queria que a cerimónia tivesse lugar no altar da Confissão da Basílica de São Pedro. O projeto não tinha sido recebido com entusiasmo nalguns ambientes da Cúria romana, por temor a que a Basílica não se enchesse de fiéis. Um eclesiástico sugeriu então ao Santo Padre que se dirigisse a D. Álvaro para conseguir a participação de grande número de pessoas. D. Álvaro conseguiu mobilizar muitos romanos por intermédio dos membros e cooperadores da Obra, residentes nesta cidade que, com o seu apostolado pessoal, contribuíram para que a celebração contasse com grande número de pessoas a assistir. O Santo Padre agradeceu esse gesto e fez referência ao Opus Dei ao terminar a cerimónia.

Algo de semelhante sucedeu com o desejo do Papa de restaurar as procissões eucarísticas do Corpus Christi pelas vias de Roma, que não saíam às ruasda Cidade Eterna desde havia muito tempo . Contribuiu igualmente para a realização de outro desejo apostólico de João Paulo II: começar um costume muito querido ao Pontífice, promovido quando era Arcebispo de Cracóvia. Tratava-se da celebração de uma Missa para os universitários no Advento e na Quaresma, em preparação para o Natal e para a Páscoa, e em que também participasse o corpo docente. Não existia essa tradição na diocese de Roma. O Papa comunicou o seu desejo a D. Álvaro e pediu-lhe sugestões. Como filho fiel, D. Álvaro acolheu de imediato com alegria essa proposta, sugerindo a oportunidade de imprimir convites pessoais para serem distribuídos entre os estudantes. Sugeriu ao mesmo tempo que podia ser uma ocasião ótima para aproximar os jovens do sacramento da Penitência, e propôs que na Basílica de S. Pedro houvesse muitos sacerdotes, entre eles alguns dos incardinados no Opus Dei residentes na Urbe, disponíveis para as confissões horas antes do início da celebração eucarística. O Cardeal Martínez Somalo, que era então o Substituto da Secretaria de Estado, refere que «a resposta dos estudantes foi entusiástica: e a partir daí foi sempre assim».

Outro capítulo sobre esta união afetiva e efetiva com o Romano Pontífice poderia ser o das viagens pastorais de João Paulo II. Em 1979, o Papa pediu parecer a D. Álvaro sobre a oportunidade de ir ao México para presidir à Conferência do Episcopado Latinoamericano em Puebla. D. Álvaro respondeu que pensava que seria um grande bem para a Igreja, apesar de algumas previsões pessimistas. Antes das viagens pastorais do Papa pelo mundo, D. Álvaro recordava aos fiéis e aos cooperadores da Prelatura que demonstrassem o seu carinho filial ao Santo Padre de todos os modos possíveis, e que contagiassem esse amor aos seus amigos, familiares e conhecidos, através do seu apostolado pessoal. Esse apoio acompanhou o Papa em todos os lados, e foi especialmente decisivo nalgumas viagens pastorais em que se previa a existência de um ambiente frio, e mesmo hostil, à visita do Vigário de Cristo.

Desta estreita e frequente relação conservam-se muitos testemunhos. Um, recente é o do Cardeal Carlo Cafarra, Arcebispo de Bolonha: «Quando o Beato João Paulo II me pediu para fundar o Instituto de Estudos sobre Matrimónio e Família, provavelmente vendo o meu temor ou perturbação face a esta tarefa, disse-me: - Vai falar com D. Álvaro del Portillo; encontrarás nele um apoio, como em mim. Respondi-lhe: - Santo Padre, não o conheço, nunca o vi. Respondeu: - Vai, e diz-lhe que é o Papa que te manda. Estas palavras permitiram-me intuir que tinha sido enviado a uma pessoa que vivia profundamente enraizada na Igreja e em íntima sintonia com o sucessor de Pedro. Eu não conhecia D. Álvaro, mas a indicação de um Papa permitiu-me falar com ele».[17]

Também em projetos de maior envergadura, D. Álvaro mostrou-se muito sensível aos desejos do Papa, inserindo-os nos planos pastorais da Prelatura. Um exemplo muito claro é o do começo do trabalho apostólico da Obra nos países do norte e do leste da Europa. Um dos sonhos apostólicos de D. Álvaro era que o Opus Dei pudesse trabalhar na China continental, para colaborar na sementeira da luz de Cristo naquele imenso país. Essa aspiração começou a realizar-se, pelo menos parcialmente, em finais de 1980, quando foi erigido o primeiro centro da Obra em Hong Kong e dois anos depois, ao promover o trabalho noutra importante encruzilhada do extremo oriente: Singapura. Em dezembro de 1982, D. Álvaro informou João Paulo II sobre os passos que o Opus Dei estava a dar na Ásia, e mencionou-lhe o seu desejo de chegar quanto antes à China continental. O Papa respondeu-lhe que apreciava esse desejo, mas que o preocupava mais a situação das nações escandinavas, muito afastadas da fé cristã. Ao escutar essas palavras, o Prelado entendeu que seria mais agradável a Deus mudar o rumo dos seus projetos e que era preciso chegar quanto antes a esses países do norte da Europa.

Efetivamente, o apostolado nessas terras passou a ser uma prioridade de D. Álvaro, a que dedicou muitas energias. Sabia de sobra que não seria fácil obter frutos a curto prazo, mas estava convencido de que Deus proporcionaria a ajuda necessária. Referindo-se à sementeira não fácil dos fiéis da Obra nesses locais, comentava: «É muito duro! Mas se é muito duro, sabemos que contamos com mais graça de Deus, porque o Senhor, quando envia a arar um campo, dá todos os instrumentos necessários para que se possam levantar os torrões ressequidos. Indo lá, Ele nos concederá todas as graças suficientes para remover as almas».

João Paulo II guardava na sua alma o desejo da nova evangelização e em 1985 deu um forte impulso a essa prioridade pastoral, sobretudo, nos países da Europa Ocidental e da América do Norte, onde os sintomas de secularismo iam crescendo de modo alarmante. Uma data simbólica é a de 11 de outubro desse ano, quando o Santo Padre encerrou um simpósio de Bispos europeus, realizado em Roma, convidando a Igreja para um renovado impulso missionário. D. Álvaro fez-se imediatamente eco desse projeto apostólico, e com data de 25 de dezembro do mesmo ano escreveu uma Carta pastoral aos fiéis da Prelatura, urgindo-os a colaborar com todas as suas forças nessa tarefa, sobretudo nos países da velha Europa. A partir daí redobrou o seu esforço pastoral nesse setor, com viagens frequentes às diferentes circunscrições da Europa. Os anos de 1987 a 1990 caracterizaram-se pela extensão desse empenho a outros continentes: Ásia e Oceânia, América do Norte e, finalmente, África.

Noutros momentos, movido pelo seu zelo de apoiar com fidelidade outras intenções do Papa, organizou o arranque de algumas iniciativas apostólicas, de profunda incidência na vida da Igreja universal e das Igrejas particulares, pois estavam orientadas para a formação dos sacerdotes e dos candidatos ao sacerdócio em diversos países. Entre as primeiras, destaca-se o fortalecimento das Faculdades eclesiásticas da Universidade de Navarra e a criação do Centro Académico Romano da Santa Cruz, que em poucos anos se converteria na atual Universidade Pontifícia. Como é patente, houve que superar muitos obstáculos para ver realizados esses projetos, mas não cessou no seu empenho porque sabia que respondiam aos planos do Santo Padre no seu compreensível desejo de dar a conhecer Jesus Cristo, como tinha apresentado nas encíclicas Redemptor hominis e Redemptoris missio.

Para a formação de candidatos ao sacerdócio, acolhendo outra sugestão expressa do Romano Pontífice, fundou dois Seminários internacionais com o objetivo de preparar para o sacerdócio seminaristas enviados pelos seus respetivos Bispos: o Colégio Internacional Bidasoa(em Pamplona) e o Sedes Sapientiæ(em Roma), erigidos, respetivamente, em 1988 e 1991, à sombra da Universidade de Navarra e da Pontifícia Universidade da Santa Cruz. Com o intuito de facilitar um alojamento digno aos alunos, conseguiu que muitas pessoas colaborassem com a sua oração e esmolas para a construção ou remodelação dos edifícios necessários, tanto em Roma como em Pamplona.

Não é necessário sublinhar que a realização desses projetos requeria somas de dinheiro de que se carecia, não só para a construção e manutenção dos edifícios, mas também para conseguir um grande número de bolsas destinadas aos estudantes procedentes de dioceses com poucos recursos económicos. Os frutos espirituais dessas últimas iniciativas apostólicas e de muitas outras foram e continuam a ser grandes; constituem uma prova de como o Senhor ajuda sempre as obras apostólicas que se empreendem para O servir.

D. Álvaro enchia-se de alegria ao contemplar como, ano após ano, nesses centros académicos crescia o número de seminaristas e de sacerdotes de diferentes dioceses. Bastam alguns números facultados pela fundação CARF, cujo único objetivo é canalizar as ajudas económicas para esses instrumentos. De acordo com dados difundidos em 2011, desde que começou em 1989, frequentaram estudos eclesiásticos na Universidade Pontifícia da Santa Cruz em Roma ou na Universidade de Navarra mais de 11 000 alunos, de 109 países − seminaristas, sacerdotes, religiosos e religiosas, professores de religião, catequistas, etc. − dos quais cerca de 2500 receberam bolsas e mais de 1700 chegaram ao sacerdócio. Só nos Seminários Internacionais Bidasoa(de Pamplona) e Sedes Sapientiæ (de Roma), até essa data, 776 seminaristas tinham recebido a ordenação sacerdotal.

Antes de terminar esta intervenção − que certamente é insuficiente para refletir a fidelidade exemplar a Deus e à Igreja do primeiro sucessor de S. Josemaria e primeiro Prelado do Opus Dei − recordava como João Paulo II valorizava essa fidelidade. “Teve particular ressonância nos meios de comunicação social o facto de que, passadas poucas horas do falecimento do meu predecessor, o Papa viesse rezar diante dos seus restos mortais na câmara ardente instalada na igreja prelatícia de Santa Maria da Paz. Quando lhe agradeci a sua estada entre nós – relata D. Javier Echevarría – que tanto consolo e alegria causaram a todos, João Paulo II respondeu-me: "Si doveva, si doveva" (tinha de ser)». Pouco tempo depois, chegou às mãos de João Paulo II um postal que D. Álvaro lhe tinha escrito uns dias antes de Jerusalém. Dirigindo-se ao então ao secretário pessoal do Papa, Mons. Stanislao Dziwisz, pedia-lhe que apresentasse «ao Santo Padre o nosso desejo de ser fidelesusque ad mortem, no serviço à Santa Igreja e ao Santo Padre».

VI. A virtude mais caraterística de D. Álvaro foi a sua fidelidade

Deus quer que as suas divinas perfeições, todas, se reflitam nos seus santos: sedeperfeitos como o meu Pai celestial é perfeito; e o Espírito Santo com a Sua infinita criatividade distribui-as entre eles de modo harmónico e desigual, de modo que em cada santo se destaca alguma virtude diferente. E qual foi a virtude mais caraterística de D. Álvaro? A fidelidade,«Vir fidelis multum laudabitur(Prov. 28, 20). Estas palavras da Escritura manifestam a virtude mais caraterística do Bispo Álvaro del Portillo. O homem fiel será muito abençoado; assim começa o decreto que proclama a heroicidade com que D. Álvaro viveu as virtudes cristãs.

Virtudes, claro está, viveu-as todas e de modo heroico, informadas pela caridade, a fé e a esperança, mas entre as suas virtudes morais, a lealdade supera-as a todas. No dia 11 de março de 1973, aniversário de D. Álvaro, S. Josemaria referiu-se a esse seu filho numa tertúlia, quando ele não estava presente, do seguinte modo: «tem a fidelidade que deveis ter a toda a hora, soube sacrificar com um sorriso tudo o que era seu, pessoal […]; e se me perguntais: alguma vez foi heroico? Respondo-vos: sim, foi muitas vezes heroico, muitas: com um heroísmo que parece coisa banal». E noutra ocasião, disse: «gostaria que o imitásseis em muitas coisas, mas sobretudo na lealdade.»[18]

Realmente, as palavras da Escritura, «Vir fidelis multum laudabitur»,que um dia o Fundador do Opus Dei mandou gravar no lintel da porta do gabinete de D. Álvaro tiveram um perfeito cumprimento: Vir fidelis!. Também o Papa João Paulo II quis ressaltar a fidelidade de D. Álvaro, quando no dia da sua morte se deslocou à igreja prelatícia do Opus Dei para rezar diante dos seus restos mortais; definiu D. Álvaro como «exemplo de fortaleza, de confiança na Providência divina e de fidelidade à sede de Pedro». E acrescentou: que o Senhor «acolha no gozo eterno este servo bom e fiel».[19]

«D. Álvaro del Portillo – disse na homilia do seu funeral [20] aquele que hoje[à data da conferência] é o Prelado do Opus Dei, D. Javier Echevarría – foi – e não me cega o profundo carinho filial que lhe tenho – um gigante no firmamento eclesial desta segunda metade de século, já no limiar do terceiro milénio; um homem a quem o Senhor enriqueceu com dotes humanos e sobrenaturais de primeira categoria. Apesar das suas enormes qualidades intelectuais e morais, nunca quis brilhar com luz própria, mas procurou antes refletir constantemente a luz do espírito que Deus quis para o Opus Dei. Não procurou que lhe fossem reconhecidos os inúmeros méritos que tinha contraído pelos seus grandes serviços à Igreja, antes, durante e depois do Concilio Vaticano II, em que – como é bem sabido – tanto trabalhou, sem ruído, procurando apenas a glória de Deus e o bem das almas. Desenvolveu esse trabalho caladamente, sem se fazer notar. Seguiu assim os passos do [então] Beato Josemaria, que tinha como lema da sua vida aquela frase bem conhecida: ocultar-me e desaparecer é o que me é próprio, que só Jesus brilhe».

Dois dias antes de o Senhor o chamar à Sua presença, acabada a Missa, fez a sua ação de graças em voz alta.«Quid retribuam Domino pro omnibus quod retribuit mihi? (Ps 116,12); Senhor: com que Te poderei pagar o que Tu fazes por mim? Com nada. Ainda que lute para estar mais entregue, ainda que lute para que cada dia seja mais inteiramente de Ti, não to poderei pagar.

Mas, Senhor, Tu sabes que te amo, porque Tu omnia nosti, Tu scis quia amo te(Io 21,17), Tu sabes tudo. Tu sabes que apesar das minhas misérias, Te amo, quero ser-Te fiel, e peço-Te perdão pelas ofensas que cometo e pelas faltas de entrega. Senhor, ajuda-me mais, e ajuda estes meus filhos que estão aqui; são Teus filhos prediletos. Ajuda-os para que sejam cada dia mais fiéis. Que cada um de nós seja cada dia mais fiel.»[21]

D. Álvaro foi sempre um servo de Deus humilde, fiel e infatigável. D. Álvaro seguiu muito de perto, em primeiro lugar, a chamada do Senhor. Deus tinha-o dotado de qualidades humanas e sobrenaturais de relevo, e tudo isso ele colocou ao serviço da missão recebida. É conhecida a resposta que deu ao bispo de Madrid pouco antes de receber a ordenação sacerdotal. D. Leopoldo comentou-lhe que, com os seus títulos civis e académicos de grande relevância, depois da ordenação sacerdotal — pressagiava o Bispo — perderia o grande prestígio e consideração de que gozava diante de muitos. D. Álvaro respondeu-lhe que não lhe importava: já tinha entregue a Deus tudo o que era seu — prestígio humano, projetos, possibilidades profissionais — desde que respondeu ao convite do Céu para se santificar no Opus Dei. Não lhe importava o juízo dos homens, mas o desejo de amar a Deus e de cumprir a Sua Vontade. Quis ocultar-se e desaparecer, como S. Josemaria, para ser instrumento idóneo no serviço à Igreja.

No entanto, mesmo contra a sua vontade, realmente gozou de muito prestígio pessoal ao longo da sua vida. Em 14 de dezembro de 1965, o Cardeal Ciriaci, presidente da comissão conciliar sobre o clero escrevia uma sentida carta a D. Álvaro para lhe agradecer os seus esforços no seio da comissão para levar a bom termo o Presbyterorum Ordinis. Documento, escrevia, que «passará à história como uma reconfirmação conciliar – com uma quase unanimidade de sufrágios – do celibato apostólico e da alta missão do sacerdócio.Sei bem a responsabilidade que lhe cabe em todo este seu trabalho sábio, tenaz e amável, que, respeitando sempre a liberdade de opinião dos outros, manteve uma linha de fidelidade aos grandes princípios orientadores da espiritualidade sacerdotal. Quando informar o Santo Padre não deixarei de salientar tudo isso, desejo que lhe chegue, com um caloroso aplauso, o meu agradecimento mais sincero».[22]

Tudo parecia indicar que D. Álvaro, como tantas personalidades destacadas do Concílio iria ser promovido a cardeal. Não consta como o conseguiu evitar de acordo com o seu desejo de sempre de servir e passar oculto. O seu desejo de se identificar com o espírito do Opus Dei expressou-se graficamente quando foi designado como primeiro sucessor de S. Josemaria. Afirmou que não tinham eleito Álvaro del Portillo mas de novo o nosso Fundador, que do Céu continuava a dirigir a Obra. Não via neste modo de falar e de proceder nada especial ou fora do comum, pois estava profundamente convencido de que Deus o tinha procurado para ser a sombra do nosso Padre na terra; e depois, a conduta para comunicar grande parte das suas graças aos fiéis do Opus Dei e a tantos outros homens e mulheres do mundo inteiro (cf. Carta do Prelado do Opus Dei, 5-III-2014).

D. Álvaro foi nomeado bispo por João Paulo II, que lhe conferiu a ordenação episcopal a 6 de janeiro de 1992; mas anos antes, em 1983, poucas semanas depois da ereção do Opus Dei como Prelatura pessoal, corria na Cúria Romana a voz de que a sua ordenação episcopal era inadiável. Um Cardeal comentou-o ao interessado, pensando que ele estaria ao corrente. A reação de D. Álvaro, ao ter notícia desses rumores, foi solicitar, imediatamente, uma audiência ao Romano Pontífice. João Paulo II recebeu-o nos primeiros dias de janeiro. O Prelado do Opus Dei foi diretamente ao cerne da questão, sem rodeios. «Disse-lhe: Santo Padre, soube disto. Eu, seguindo o exemplo do nosso Fundador, pedi muitas orações, muitas Santas Missas, muitos sacrifícios e muitas horas de trabalho, para chegar à solução jurídica da Prelatura que o nosso Fundador desejava. Se agora sou nomeado Bispo, o diabo pode fazer pensar a alguém que fiz rezar tanto para eu ser Bispo; e isso não é verdade e eu não quero escandalizar ninguém. Ou seja, Santo Padre, não posso aceitar. E se se julga necessário que o Prelado seja Bispo, eu, a partir deste momento ponho o meu cargo nas suas mãos, demito-me. Então disse-me: – Não, fique tranquilo» (numa reunião familiar, 8-XII-1990. cit. por Javier Medina, Álvaro del Portillo, p. 647-648).

Passado tempo, D. Álvaro chegou a considerar que não seria ordenado Bispo, embora isso fosse congruente com a sua condição de Prelado: «pensava que seria para o meu sucessor, como Prelado do Opus Dei» (ibid., 31-XII-90). No dia 29 de novembro de 1990 – oito anos depois da ereção do Opus Dei como Prelatura Pessoal – é-lhe comunicado o desejo do Papa. D. Álvaro recebe-o não como um reconhecimento à sua pessoa, mas como um bem para a figura e a eficácia pastoral da Prelatura (cf. Javier Medina,Álvaro del Portillo, p. 648).

A modo de resumo podemos terminar com umas palavras de D. Javier Echevarría: «a figura de D. Álvaro inscreve-se nessa longa cadeia de homens leais a Deus — desde Abraão e Moisés até aos santos do Novo Testamento — que procuraram dedicar toda a sua existência à realização do projeto recebido. Nada os pôde afastar um ápice do querer divino: as dificuldades externas ou internas, os sofrimentos, as perseguições..., porque estavam firmemente ancorados na Vontade amabilíssima do Senhor. E é que, como dizia Bento XVI, “a fidelidade ao longo do tempo é o nome do amor”».

Palavras que rematamos com estas de S. Josemaria: «Lealdade! Fidelidade! Honradez! No grande e no pequeno, no pouco e no muito». [23]

Muito obrigado.

+ Jaume Pujol Balcells
Arcebispo de Tarragona

Vigo, 30 de abril de 2014

[1]Hans Urs von Balthasar,Teresa de Lisieux,p.70-71.

[2] Catecismo da Igreja Católica, 1992, n. 1029.

[3] Catecismo da Igreja Católica, n. 2683.

[4] Cf. Javier Echevarría, Discurso inaugural no centenário do nascimento de D. Álvaro (Roma, 17-3-14)

[5] Cf. Javier Echevarría, Homilia, numa missa em memória de D. Álvaro del Portillo.

[6]D. Álvaro, Notas de una reunião familiar, 11-III-1991.

[7] Caminho, n. 942.

[8] Carta a Mons. Florencio Sánchez-Bella (1-V-62) Cit. em Discurso inaugural do Centenário.

[9]Andrés Vázquez de Prada, Josemaria Escrivá

[10] Josemaria Escrivá,Cristo que passa, n. 99

[11] Carta 6–V–1945, n. 42.

[12] Michele Dolz, Romana, Estudos 1997-2007, p. 348

[13] Inst., 8-XII-1941, nota 58. Cuad. 3 p. 200)

[14] Cf. Javier Medina Bayo,Álvaro del Portillo, p. 224

[15] Javier Medina Bayo,Álvaro del Portillo, p. 93

[16]Caminho, n. 573.

[17]www.opusdei.es

[18] Cf.Crónica, I-2014, Editorial

[19] Juan Vicente Boo, correspondente em Roma, ABC, 6/3/2004

[20] D. Javier Echevarría, Homilia no funeral de D. Álvaro.

[21]Crónica, março-abril 1994, p. 377-378

[22] Javier Medina, Álvaro del Portillo, pp.410-411

[23] Josemaria Escrivá, Notas de uma meditação, fevereiro de 1972,En diálogo con el Señor.