«A generosidade é contagiosa»

Há anos que Catlyne se ocupa de famílias de refugiados ou de jovens migrantes isolados que chegaram à sua localidade da Bélgica. Uma abertura aos outros que herdou da mãe e que transmitiu aos filhos!

O envolvimento de Catlyne ao serviço dos mais fracos não é de ontem uma vez que desde os anos 80, quando os filhos eram ainda pequenos, ela decidiu prestar ajuda a uma família de refugiados políticos iranianos. Quatro décadas mais tarde, enquanto continua a acompanhar atualmente uma família síria e a dar o seu apoio a jovens eritreus, ela continua a maravilhar-se ao constatar como a generosidade é contagiosa.

Responde às nossas perguntas.

De onde lhe vem este desejo de se ocupar dos outros?

Quando era criança, vi sempre a minha mãe dar do seu tempo para ajudar à sua volta as famílias em dificuldade. Lembro-me nomeadamente dela a fazer visitas e a prestar serviços a uma família que estava a enfrentar uma longa doença. Ela empenhava-se em aliviá-los e ajudá-los a «recuperar a sua vida». Levava-me, aliás, com frequência com ela, certamente porque não podia fazer de outra forma, quando visitava uns e outros. Ela estava disponível e ao serviço. Isso era natural em sua casa e imagino que isso tenha marcado a criança que eu era nesse momento.

Qual foi o seu primeiro envolvimento?

Tive muito cedo o desejo de «fazer alguma coisa para ajudar». Mas não sabia muito bem o quê e sobretudo não ousava lançar-me, sentia que não tinha talentos especiais. Até ao dia em que uma pessoa da assistência social que me conhecia veio pedir-me ajuda para apoiar uma família iraniana de refugiados políticos que tinha acabado de chegar à minha terra, com crianças que tinham a idade dos meus filhos. Não hesitei um segundo.

Concretamente, em que é que consistiu este «acompanhamento»?

No início, tratava-se de prestar serviços muito concretos, como ajudar o pai a encontrar um trabalho, apoiar a mãe para se ocupar dos filhos, para os deveres, apresentá-los a outras famílias, etc. Depois, progressivamente, começámos realmente a criar laços de confiança e de amizade. Falávamos muito. Sendo eles muçulmanos, trocávamos muitas ideias sobre a nossa fé, mas também sobre a educação dos nossos filhos. Aproximámo-nos muito ao longo dos anos, apesar das nossas diferenças. Atualmente, eles vivem no Canadá para onde foram de modo a acompanhar a sua filha que agora é piloto, mas estamos sempre em contacto.

Acompanhou a seguir outras famílias?

Não logo a seguir, mas fiquei em contacto com os voluntários responsáveis pelo acolhimento de famílias imigrantes. Um dia, há cerca de 15 anos, os voluntários falaram-me de uma família de refugiados sírios ortodoxos, que tinha chegado com três filhos, depois de terem vivido coisas terríveis no seu país, nomeadamente a perda de um filho assassinado à sua frente. O contexto era totalmente diferente, tratava-se de pessoas profundamente feridas, que tinham perdido toda a confiança, pelo que foi necessário aprender a conhecer-nos. No início, acompanhei sobretudo a mãe e os filhos para resolver problemas administrativos, encontrar escolas, tratar das formalidades, pô-los em contacto com outras pessoas. Depois, foi necessário aprender a confiar uns nos outros, o que obviamente não foi fácil.

Mais exatamente, quais foram os obstáculos que teve de ultrapassar?

Primeiro, aceitar os confrontos, os altos e baixos da relação, que são inevitáveis. Apesar de as diferenças culturais não constituírem um obstáculo intransponível, isso não invalida que não possam causar no início incompreensões. Perguntamo-nos sempre se estamos a agir bem, se ouvimos o suficiente, se não magoamos. Pessoalmente, demorei tempo até compreender que eu tinha de me mostrar tal como sou, mesmo se isso criasse tensões. Neste tipo de relações, os momentos difíceis são inevitáveis. Tive-os com a família de iranianos e continuo a tê-los com a família de sírios. Mas é preciso perseverar, mesmo se custa, porque a experiência mostra que quando fazemos o que podemos onde estamos e rezamos pelas pessoas, o Espírito Santo acaba por soprar de ambos os lados para eliminar as asperezas.

Que aprendeu com estas diferentes experiências?

Em primeiro lugar, que elas geram uma grande gratidão, o que cria laços muito fortes entre as pessoas! Todas as famílias que acompanhamos estão geralmente profundamente reconhecidas pela ajuda recebida e, nós, pela confiança que elas nos fazem. A mãe de família iraniana disse-me que foi ao chegar à Bélgica que ela descobriu, através de todas as pessoas que a tinham ajudado, a verdadeira amizade. Também pude constatar como a generosidade era contagiosa! Tenho, por exemplo, muitos amigos que não hesitaram em ajudar numa coisa ou noutra cada vez que era necessário. Fiquei, aliás, impressionada ao ver hoje a mãe de família síria propor a sua ajuda às mulheres ucranianas que chegaram ao nosso bairro depois de terem fugido da guerra. Também estou muito orgulhosa dos meus filhos que também estão envolvidos, uns nas questões de habitação e outros nos cuidados paliativos.

Atualmente continua a acompanhar jovens eritreus que chegaram sozinhos à Bélgica. Que conselhos daria às pessoas que também gostariam de fazer alguma coisa pelos outros?

Primeiro ousar lançar-se! Colocamos com frequência obstáculos que no fundo não existem. Eu, por exemplo, era muito tímida, e pensava que isso me impediria de ir ao encontro dos outros. Mas na realidade, todas as pessoas podem fazer alguma coisa. Depois aprender a escutar: nós não temos por vezes ideia dos dramas por que passaram as pessoas que se cruzam no nosso caminho. Só quando as escutamos é que podemos começar a sentir as suas fragilidades e deste modo aprender a conhecê-las. O meu último conselho é o de levar cada pessoa à oração, para agir com caridade e manter sempre a esperança.