A família segundo os ensinamentos de S. Josemaria Escrivá de Balaguer

Neste Ano da Família, recuperamos uma Conferência de D. Javier Echevarría, Prelado do Opus Dei entre 1994 e 2016, no encerramento do Congresso Internacional sobre Família e Sociedade na Universidade Internacional da Catalunha (Barcelona, 17 de maio de 2008)

Sumário:


Introdução

Agradeço o convite que me foi feito para intervir neste encontro e falar sobre a família segundo os ensinamentos de S. Josemaria Escrivá, fundador do Opus Dei.

Estou certo de que conheceis bem essas linhas mestras, uma vez que não são estranhas à própria origem da Universidade Internacional da Catalunha. De facto, aqueles que promoveram esta instituição – alguns estão aqui hoje, outros precederam-nos no caminho para o Céu – são pais de família que se sentiram motivados pelas grandes sugestões delineadas por S. Josemaria, em pontos tão importantes como a santificação do trabalho profissional, o sentido vocacional do matrimónio e da família, o espírito de serviço e a responsabilidade pelo bem comum da sociedade. Com estas luzes, contidas no Evangelho, compreendestes profundamente os deveres na educação dos vossos filhos e no papel que corresponde à família para o reto ordenamento da sociedade.

O sentido de cristãos coerentes, de cidadãos íntegros, levou-vos, em primeiro lugar, a empreender várias iniciativas de orientação e formação, destinadas a ajudar os pais na sua tarefa de cuidar dos seus filhos de acordo com os verdadeiros ideais humanos e também cristãos. Desta vossa atuação livre, à qual S. Josemaria incansavelmente encorajou pessoas de todo o mundo, nasceu a Universidade Internacional da Catalunha, que agora celebra a sua primeira década de existência.

Vós que levais avante esta Alma Mater, que tem um carácter totalmente civil, desejais difundir, juntamente com o conhecimento das disciplinas ensinadas, a luz da fé cristã e o espírito apostólico que, por providência divina, S. Josemaria Escrivá pregou por todo o mundo. A vosso pedido, a Prelatura do Opus Dei disponibiliza a ajuda dos seus sacerdotes para a assistência pastoral de estudantes e professores, pessoal não docente, colaboradores e ex-alunos, deixando a todos a máxima liberdade de participar.

A inspiração cristã e a importância que logicamente se atribui à família – características originais desta instituição de ensino – constituem um incentivo para desenvolver um trabalho rigoroso de investigação e um elevado nível de excelência académica. Está profundamente gravado na vossa mente que «uma Universidade da qual a religião esteja ausente é uma Universidade incompleta, porque ignora uma dimensão fundamental da pessoa humana, que não exclui – antes exige – as outras dimensões»[1].

Estas palavras decorrem de afirmações feitas por S. Josemaria há pouco mais de quarenta anos. Nessa ocasião, o Fundador do Opus Dei também mencionava outro elemento indispensável e que dá pleno sentido tanto à Universidade como à família: a vocação de serviço aos outros. Expressava-se assim: «é necessário que a Universidade incuta nos estudantes uma mentalidade de serviço: de serviço à sociedade, de promoção do bem comum com o seu trabalho profissional e a sua atuação pública. Os universitários devem ser responsáveis, ter uma preocupação sadia com os problemas dos outros e um espírito generoso que os leve a encarar esses problemas e a procurar solucioná-los da melhor maneira. É missão da Universidade dar tudo isto aos estudantes»[2].


1. Uma mensagem para todos: a santidade na vida quotidiana

Também nos anos 60, no campus da Universidade de Navarra, S. Josemaria fez uma homilia na qual se resumem de modo particularmente paradigmático os seus constantes ensinamentos. Teve lugar durante uma Missa, verdadeiro centro e raiz da vida cristã, celebrada ao ar livre perante milhares de pessoas.

Nessa ocasião memorável, S. Josemaria deteve-se a explicar um ponto central da mensagem que Deus lhe tinha confiado em 2 de outubro de 1928: que o mundo é bom, porque saiu das mãos de Deus; e é aí, nas circunstâncias que nos coube viver, que Deus nos espera todos os dias.

O Papa João Paulo II recordou-o veementemente durante a canonização de S. Josemaria, que teve lugar em Roma em 6 de outubro de 2002. O Santo Padre sublinhou que o Fundador do Opus Dei «nunca deixou de convidar os seus filhos espirituais a invocarem o Espírito Santo para que a vida interior, isto é, a vida de relação com Deus, e a vida familiar, profissional e social, constituída por pequenas realidades terrenas, não estivessem separadas, mas constituíssem uma única existência “santa e cheia de Deus”. “Esse Deus invisível – escreveu –, encontramo-lo nas coisas mais visíveis e materiais” (Entrevistas a S. Josemaria, n. 114)»[3].

A família insere-se neste conjunto de realidades que – como o trabalho, ou a vida das relações sociais e cívicas – constituem a nossa existência comum, que um cristão coerente sabe que deve santificar, procurando ao mesmo tempo a sua própria santificação e a dos outros. O quotidiano é a esfera na qual Deus chama cada um de nós à santidade, a uma íntima relação com Ele que não se resume a meras palavras, mas se traduz num esforço constante por imitar Cristo e dedicar a vida ao Seu serviço, sendo “semeadores de paz e alegria” entre os que nos rodeiam.

Naquela homilia no campus de Pamplona, S. Josemaria mencionou explicitamente o casamento e a família. O amor humano, afirmou, «não é algo permitido, tolerado, a par das verdadeiras atividades do espírito, como poderiam insinuar os falsos espiritualismos». E acrescentou, como que para reforçar a ideia: «o amor, que conduz ao matrimónio e à família, pode também ser um caminho divino, vocacional, maravilhoso, via para uma completa dedicação ao nosso Deus. Realizai as coisas com perfeição, tenho-vos recordado, ponde amor nas pequenas atividades da jornada, descobri – insisto – esse quê divino que se oculta nos pormenores: toda esta doutrina encontra um lugar especial no espaço vital, em que o amor humano se enquadra»[4].

Esta visão transcendente das realidades quotidianas ordinárias, que impele uma pessoa a «materializar a vida espiritual», faz parte da mensagem do Evangelho. Trata-se de ensinamentos perenes da Igreja. S. Josemaria, através da sua pregação e escritos, e, sobretudo, através do exemplo da sua conduta diária, ajuda-nos a aprofundar este tesouro e a torná-lo a carne da nossa carne, o programa da nossa missão como mulheres e homens de fé, em todas as ocupações honestas.

«Os casados estão chamados a santificar o seu matrimónio e a santificar-se nessa união; estariam a cometer um grave erro, portanto, se edificassem a sua conduta espiritual à margem do lar. A vida familiar, as relações conjugais, o cuidado e a educação dos filhos, o esforço por sustentar, manter e melhorar economicamente a família, as relações com as outras pessoas que constituem a comunidade social, tudo isso são situações humanas e correntes que os esposos cristãos devem sobrenaturalizar»[5].

O espaço vital da família é, então, acima de tudo, um lugar de encontro com Deus, um ambiente propício a uma vida alegre de serviço e doação aos outros, baseada na consciência ativa e permanente da nossa condição de filhos de Deus. Da maravilhosa realidade da nossa filiação divina em Cristo, decorrem várias consequências para a nossa conduta pessoal, para as nossas famílias e para a sociedade.

O Papa Bento XVI explicou repetidamente que «matrimónio e família não são uma construção sociológica casual, fruto de situações históricas e económicas particulares. Pelo contrário, a questão da justa relação entre homem e mulher está enraizada na essência mais profunda do ser humano e só a partir dela pode encontrar a sua resposta. Ou seja, não pode separar-se da pergunta sempre antiga e sempre nova do homem sobre si mesmo: Quem sou eu, quem é o homem? E esta pergunta, por sua vez, não pode separar-se da pergunta sobre Deus: Deus existe? E quem é Deus? Qual é o seu verdadeiro rosto?

»A resposta da Bíblia a estas duas perguntas é unitária e consistente: o homem é criado à imagem de Deus, e o próprio Deus é Amor. Por esta razão, a vocação ao amor é o que faz do homem a imagem autêntica de Deus: ele é semelhante a Deus na medida em que ama»[6]. E na sua visita pastoral a Valência, o Santo Padre definiu a família como «o ambiente privilegiado onde cada pessoa aprende a dar e a receber amor»[7].

A família, de facto, nasce como uma comunidade querida por Deus, fundada e edificada sobre o amor. É em casa que se torna possível uma aprendizagem essencial: a necessidade de contar com os outros nas nossas vidas, respeitando e desenvolvendo os laços que nos ligam uns aos outros. Compreender que tenho de me dar alegremente todos os dias, vivendo com uma saudável atenção e serviço às pessoas que me rodeiam, é um dos grandes tesouros que as famílias cristãs, coerentes com a sua fé, oferecem aos seus próprios membros e a toda a sociedade. Na escola do amor que caracteriza a família – que, insisto, tem como condição inalienável o esquecimento de si próprio – adquirem-se hábitos que têm necessariamente repercussões em benefício do tecido social a todos os níveis.

Escutemos mais uma vez S. Josemaria. «Os esposos cristãos têm de ter consciência de que são chamados a santificar-se santificando, a ser apóstolos, e de que o seu primeiro apostolado é em casa. Devem compreender a obra sobrenatural que significa a fundação de uma família, a educação dos filhos, e a irradiação cristã na sociedade. Desta consciência da própria missão dependem em grande parte, a eficácia e o êxito da própria vida: a sua felicidade»[8].

Estas palavras servir-nos-ão de guia para rever alguns dos seus muitos ensinamentos sobre o matrimónio e a família. Fá-lo-emos seguindo os três pontos que nos aponta: a fundação da família no matrimónio, a educação dos filhos e a irradiação cristã da família na sociedade.


2. A fundação da família

A família é escola de amor, em primeiro lugar, para a mulher e para o homem que decidem casar. O Fundador do Opus Dei afirmou: «Nunca deixo de dizer aos que foram chamados por Deus a formar um lar, que se amem sempre, que se queiram com o amor cheio de entusiasmo que tinham quando eram namorados. Tem um pobre conceito do matrimónio – que é um sacramento, um ideal e uma vocação – quem pensa que o amor acaba quando começam as dores e os contratempos que a vida sempre traz consigo. É nessa altura que o amor se fortalece. As torrentes dos desgostos e das contrariedades não são capazes de submergir o verdadeiro amor: o sacrifício partilhado generosamente une mais»[9].

S. Josemaria diz-nos neste texto que o matrimónio é uma vocação, retomando ideias que pregava desde os primeiros momentos da fundação do Opus Dei. Com a ajuda de Deus, que nunca faltará, marido e mulher podem perseverar no amor, e através deste amor é possível e gratificante crescerem como cristãos, e também melhorar como pessoas.

Quando vivido com estas disposições, o matrimónio torna-se verdadeiramente uma vocação, um caminho de encontro com Deus. Como em qualquer caminho, haverá dificuldades. Por vezes surgirão diferenças, formas diferentes de pensar entre marido e mulher; talvez o egoísmo tente ganhar terreno nas suas almas. Há que estar prevenidos e não ficar surpreendidos. S. Josemaria era muito sobrenatural e, ao mesmo tempo, muito humano; é por isso que, prevendo estas dificuldades naturais no casamento, costumava comentar: «como somos criaturas humanas, por vezes podemos discutir, mas não muito. E então, ambos têm de reconhecer que têm culpa e dizer um ao outro: perdoa-me, e deem um grande abraço... E, adiante!»[10].

A relação entre os cônjuges torna-se assim uma oportunidade constante de exercitar-se na entrega mútua. É uma aprendizagem através da qual os cônjuges tomam consciência, no dia a dia do seu caminho na terra, que pertencem um ao outro. Nesta atmosfera maravilhosa de confiança, lealdade, sinceridade e afeto, de verdadeira doação, estarão prontos a receber os filhos que Deus lhes quiser dar, fruto do seu amor.

Se se deseja sinceramente pôr em prática este ideal, é essencial viver a castidade de uma forma delicada, também no estado matrimonial. Em caso algum o exercício da sexualidade – que é algo bom e belo, querido por Deus –, deve perder o seu significado nobre e original. Com palavras de S. Josemaria, lembro-vos que «quando a castidade conjugal está presente no amor, a vida matrimonial é expressão de uma conduta autêntica, marido e mulher entendem-se e sentem-se unidos; quando o bem divino da sexualidade se perverte, destrói-se a intimidade, marido e mulher já não podem olhar-se nobremente, cara a cara. Os esposos devem edificar a sua convivência sobre o carinho sincero e puro e sobre a alegria de ter trazido ao mundo os filhos que Deus lhes tenha dado a possibilidade de ter, sabendo, se for necessário, renunciar a comodidades pessoais e tendo fé na providência divina. Formar uma família numerosa, se tal for a vontade de Deus, é uma garantia de felicidade e eficácia, embora afirmem o contrário os defensores de um triste hedonismo»[11].

Normalmente, o amor conjugal, como qualquer afeto humano limpo, também se manifestará em pequenas coisas. S. Josemaria falou em inúmeras ocasiões da importância do que parece pequeno – que é grande se for feito por amor – nos vários aspetos da vida de um cristão. Promovia, por exemplo, uma relação pessoal e íntima com Deus, nas circunstâncias normais da vida. Pois a relação com Deus tem o carácter de uma relação familiar: somos seus filhos, e Ele é o nosso Pai. Assim, o que ele achava útil para meditar sobre o amor divino, também aplicava ao amor humano, à existência das nossas famílias; e vice-versa. Torno a repetir, fazendo minhas as suas palavras, para enfatizar que cada pequeno detalhe tem um sentido. Afirmava: «o segredo da felicidade conjugal está na vida quotidiana, e não em sonhos. Está em encontrar a alegria íntima de chegar a casa; no convívio carinhoso com os filhos; no trabalho de todos os dias, em que toda a família colabora; no bom humor perante as dificuldades, que é preciso encarar com desportivismo; e no aproveitamento de todos os progressos que a civilização nos proporciona para tornar a casa agradável, a vida mais simples, a formação mais eficaz»[12].

Convidava a tomar a Sagrada Família como modelo, e também a lutarmos, através da nossa entrega diária, para fazer do ambiente familiar uma antecipação do céu. Parece que ainda ouço ressoar umas afirmações do Fundador do Opus Dei: em Nazaré ninguém se reservou nada: tudo ali foi colocado ao serviço dos planos de Deus, com uma preocupação contínua de uns pelos outros. S. Josemaria meditava frequentemente nas cenas que os Evangelhos recolhem da Sagrada Família. Gostava de entrar naquele lar com a sua imaginação, como um habitante mais da casa, e de pensar no trato habitual entre Jesus, Maria e José. Deste costume tirou ensinamentos valiosos para os fiéis do Opus Dei e para todos aqueles que o procuravam para pedir conselhos.


3. Educação dos filhos

Nos seus encontros com pais de família, o Fundador do Opus Dei salientou muitas vezes a importância do afeto e dedicação mútua dos cônjuges, precisamente para melhorar a educação dos seus filhos. Entendia que a conduta, o exemplo, são uma via extremamente eficaz e primordial para essa formação. Por isso insistia em que é bom para os filhos – desde tenra idade – ver, contemplar, que os pais estão unidos e se amam verdadeiramente.

A educação compete principalmente aos pais. Nesta tarefa, ninguém os pode substituir: nem o Estado, nem a escola, nem o ambiente. É uma grande responsabilidade, um desafio estupendo, de cujo exercício consequente dependem o presente e o futuro dos seus próprios filhos e da sociedade.

Àqueles de vós que são mães e pais de família, encorajo a enfrentar com coragem e otimismo esta tarefa que o Senhor colocou nas vossas mãos. Deixai-me repetir, com S. Josemaria, que a educação dos filhos é «o melhor negócio» das vossas vidas. Nesta terra catalã é muito valorizada a eficiência e o rendimento – também económico – do trabalho; por isso, estou seguro de que compreendeis a profunda verdade dessa afirmação, e que estais dispostos a investir generosamente todas as vossas energias na boa educação dos filhos que o Senhor vos confiou, aceitando generosamente as obrigações que isso implica, e que também, quando necessário, sabereis como defender os direitos que vos correspondem enquanto pais, enquanto cidadãos livres.

Cabe igualmente aos pais ensinar aos seus filhos toda a beleza e exigência contidas no grande tesouro da liberdade pessoal: o dom natural mais precioso que Deus deu ao homem. Um dom para ser usado responsavelmente para empreender o caminho do bem e avançar.

Em consequência, ao lidarem com filhas e filhos, os pais devem procurar «que nada prejudique o grande bem da liberdade, que torna o homem capaz de amar e servir a Deus. Devem lembrar-se que o próprio Deus quis ser amado e servido em liberdade, e respeita sempre as nossas decisões pessoais: Deus deixou o homem, diz-nos a Escritura, nas mãos do seu livre-arbítrio (cf. Ecl 15, 14)»[13].

Por esta razão, tive enorme alegria ao saber que a Universidade Internacional da Catalunha resumiu o seu ideário numa frase de Jesus Cristo do Evangelho de S. João: veritas liberabit vos (Jo 8, 32), a verdade vos tornará livres. Amar a verdade significa amar e defender a liberdade, pois são atitudes inseparáveis. Ser verdadeiramente livre requer uma busca sincera da verdade e, no caso dos educadores – entre os quais os pais estão em primeiro lugar – exige um empenho diário para educar crianças e jovens para os bens autênticos.

Os pais devem ensinar os filhos a distinguir o bem do mal e a escolher livremente o bem. Mas, como podemos combinar, na prática, o respeito pela sua liberdade com a preocupação de que optem pelo bem? S. Josemaria responde-nos: «a imposição autoritária e violenta não é o caminho acertado para a educação. O ideal para os pais é chegarem a ser amigos dos filhos; amigos a quem confiam as inquietações, a quem se consulta sobre os problemas, de quem esperam uma ajuda eficaz e amável»[14].

A amizade com os filhos requer tempo e um esforço constante para cuidar deles, interessar-se pelas suas coisas, partilhar com eles preocupações e projetos. É muito importante que os filhos considerem o pai e a mãe como verdadeiros amigos, ou seja, pessoas a quem possam confiar as suas tribulações e dificuldades. S. Josemaria afirmava: «os pais podem e devem dar aos filhos uma ajuda preciosa, abrindo-lhes novos horizontes, comunicando-lhes a sua experiência, fazendo-os refletir para que não se deixem arrastar por estados emocionais passageiros, oferecendo-lhes uma apreciação realista das coisas. Umas vezes, darão essa ajuda com os seus conselhos pessoais; outras, animando os filhos a recorrerem a outras pessoas competentes: a um amigo sincero e leal , a um sacerdote douto e piedoso, a um perito em orientação profissional. Mas o conselho – continuou o Fundador do Opus Dei – não tira a liberdade; dá elementos de avaliação, o que amplia as possibilidades de escolha e faz com que a decisão não seja determinada por fatores irracionais. Depois de se ouvirem os pareceres de outros e de ponderar tudo bem, chega um momento em que é preciso escolher, e então ninguém tem o direito de violar a liberdade. Os pais devem precaver-se da tentação de se quererem projetar indevidamente nos filhos – de os construírem segundo as próprias preferências –, devem respeitar as inclinações e as aptidões que Deus dá a cada um. Se há verdadeiro amor, isto não será difícil. Mesmo naqueles casos extremos em que os filhos tomam decisões que os pais têm fortes motivos para considerar erradas e até para prever que os farão infelizes, a solução não está na violência, mas em compreender e – mais de uma vez – em saber permanecer ao seu lado para os ajudar a ultrapassar as dificuldades e, quando é necessário, a extrair daquele mal todo o bem possível»[15].

Se existe verdadeiro carinho na família, isto acontece. E assim, todas as circunstâncias da vida quotidiana tornarão o lar numa escola de virtudes constante e eficaz. «A fé e a esperança hão de manifestar-se na calma com que se abordam os problemas, pequenos ou grandes, que ocorrem em todas as casas, no entusiasmo com que se persevera no cumprimento do próprio dever. A caridade preencherá assim tudo, e levará a partilhar alegrias e possíveis sofrimentos; a saber sorrir, esquecendo as próprias preocupações para cuidar dos outros; a ouvir o outro cônjuge ou os filhos mostrando-lhes que são verdadeiramente amados e compreendidos; a ignorar pequenos atritos sem importância que o egoísmo poderia transformar em montanhas; a colocar grande amor nos pequenos serviços que compõem o quotidiano em comum»[16].

Os pais cristãos também procuram dar aos seus filhos o melhor que possuem: a fé. Devem acompanhá-los no caminho do conhecimento e do relacionamento com Deus, aprendendo juntos as verdades do Evangelho e o exercício das virtudes humanas e cristãs. Do mesmo modo, neste ponto, S. Josemaria recomendava optar, pelo exemplo e pela liberdade. Assim o explicava numa das suas catequeses: «não os obrigueis a nada, mas que vos vejam rezar: foi o que vi os meus pais fazer, e isso ficou no meu coração. Assim, quando os vossos filhos atingirem a minha idade, recordarão com afeto a mãe e o pai, que os obrigaram apenas pelo exemplo, sorrindo, e dando-lhes doutrina quando era conveniente, sem os aborrecer»[17].

Procurai que compreendam as orações que lhes ensinais – poucas, quando são pequenos – e cuidai também que se preparem bem para receber os sacramentos. É essencial ajudá-los a tomar consciência da sua dignidade de filhos de Deus, para que saibam responder generosamente aos dons que recebem do seu Pai celestial, orientando as suas vidas para horizontes generosos e transcendentes.

Juntamente com a alegre realidade desta vida de liberdade, como filhos de Deus, esforçai-vos por lhes ensinar as obrigações que correspondem à sua situação como pessoas e como cristãos. Em suma, trata-se de os acompanhar nos seus esforços para alcançar a santidade a que todos nós somos chamados. Recordo-vos esta exortação de S. Josemaria: «vós, mães e pais cristãos sois um grande motor espiritual, que manda aos vossos filhos fortaleza de Deus para essa luta, para vencer, para que sejam santos. Não os defraudeis!»[18].

Recentemente, Bento XVI resumia todas estas recomendações quando pedia aos pais: «Permanecei sempre firmes no vosso amor mútuo: este é o primeiro grande dom de que os vossos filhos precisam para crescerem serenos, para ganharem confiança em si mesmos e na vida, e para aprenderem a ser capazes, por sua vez, de amor autêntico e generoso. Além disso, o bem que desejais para os vossos filhos deve dar-vos o estilo e a coragem do verdadeiro educador, com um testemunho coerente de vida e também com a firmeza necessária para temperar o carácter das novas gerações, ajudando-as a distinguir claramente entre o bem e o mal e a construir por sua vez regras de vida sólidas, que as sustentem em futuras provas. Deste modo, enriquecereis os vossos filhos com a herança mais valiosa e duradoura, que consiste no exemplo de uma fé vivida diariamente»[19].


4. A família, configuradora da sociedade

A família, na medida em que cada um dos seus membros faz um esforço sério por cumprir a missão que lhe corresponde, é o ambiente mais adequado para o crescimento das pessoas. Mas a sua função não termina no âmbito da própria família. É necessário que toda essa riqueza se revele em benefício da sociedade.

Esta dimensão natural da família – como noutros campos – torna-se ainda mais clara à luz da fé. Somos todos filhos de Deus, irmãos uns dos outros. Com este sentido de fraternidade viva, não podemos ficar indiferentes às preocupações dos outros. Os desafios da sociedade a que pertencemos merecem toda a nossa atenção.

Na década dos anos 60 [do século XX], em momentos de particular intensidade na história do mundo e da Igreja, o Senhor deu a entender a S. Josemaria que, sendo os pais os principais responsáveis pela educação dos seus filhos, deveriam ser eles próprios a assumir, sem demora, a responsabilidade de muitos novos centros de ensino, nos quais os seus filhos seriam educados segundo os valores humanos e cristãos. Esta era uma doutrina antiga que ele tinha repetidamente escrito e pregado. Mas naqueles anos 60, caracterizados por fortes convulsões sociais, esta luz tornou-se mais forte e operante.

A sua intensa oração por esta intenção específica e a sua incansável catequese e despertaram a consciência de muitos pais e mães de família nos cinco continentes. Desde então, os centros educativos para todos os níveis floresceram em todo o lado, estando a sua promoção, gestão e desenvolvimento a cargo dos pais dos alunos, que assim fazem um grande bem à família, à sociedade e à Igreja.

Numa ocasião, S. Josemaria dirigiu estas palavras aos pais de um destes colégios: «O primeiro negócio é que os vossos filhos saiam como desejais; pelo menos tão bons, e, se possível, melhores do que vós. Por isso, insisto: este tipo de Colégios, promovidos pelos pais de família, é de interesse, primeiro para os pais, depois para os professores, e depois para os alunos. E dir-me-eis: este trabalho será útil? Como podeis ver: cada um tem a sua experiência pessoal, através da dos seus filhos. Se não estão melhor, a culpa é vossa: porque não rezais e porque não estais presentes aqui. O vosso trabalho é muito interessante, e os vossos negócios não sofrerão por causa desta dedicação que o Colégio vos pede. Com as palavras do Espírito Santo, digo-vos: “electi mei non laborabunt frustra” (Is 65, 23). O Senhor escolheu-vos para este trabalho que é feito em benefício dos vossos filhos, das almas dos vossos filhos, da inteligência dos vossos filhos, do carácter dos vossos filhos; porque aqui não só se ensina, mas educa-se, e os professores participam dos direitos e deveres do pai e da mãe»[20].

Não posso terminar esta exposição – necessariamente breve – de alguns dos ensinamentos de S. Josemaria sobre matrimónio e família sem salientar que estão perfeitamente de acordo com a Doutrina Social da Igreja, que concebe a família como a espinha dorsal da sociedade. A família é, com efeito, «a célula fundamental da sociedade»[21] e «escola do mais rico humanismo»[22]. Tem, sem dúvida, uma missão insubstituível: os filhos educados no seu seio serão no futuro «verdadeiros cristãos, homens e mulheres íntegros capazes de enfrentar com espírito aberto as situações que a vida lhes trará, de servir os seus concidadãos e de contribuir para a solução dos grandes problemas da humanidade, de levar o testemunho de Cristo onde quer que se encontrem mais tarde, na sociedade»[23].

S. Josemaria recorria frequentemente ao exemplo dos primeiros cristãos. Gostava de se referir às «famílias que viviam em Cristo e que tornaram Cristo conhecido. Pequenas comunidades cristãs, que eram como centros de difusão da mensagem evangélica. Casas como outras casas daqueles tempos, mas animadas por um novo espírito que contagiava aqueles que as conheciam e as abordavam. Foi isso que os primeiros cristãos foram, e é isso que nós cristãos hoje devemos ser: semeadores de paz e alegria, da paz e alegria que Jesus nos trouxe»[24].

Paz e alegria. Perante alguns acontecimentos, algumas modas culturais e legislações desumanizantes, que se afastam do ideal cristão (que é também o ideal autenticamente humano) do casamento e da família, algumas pessoas podem ser tentadas a desanimar. Se isto acontecesse, estou certo de que S. Josemaria responderia que, embora sejam tempos difíceis para as pessoas, são tempos de otimismo, de trabalhar e rezar, de rezar e trabalhar, com a firme segurança da fé e com a força perene da família. Chegou, portanto, o momento de fazer um extenso trabalho positivo, afogando o mal em abundância de bem. Um bem que, por outro lado, distribuiremos generosamente e com alegria em todos os ambientes. As famílias cristãs têm um grande tesouro a transmitir aos outros, um serviço preciosíssimo a prestar à sociedade com a sua conduta exemplar e com a sua solidariedade entre pais e filhos, e também com os avós. E, como qualquer serviço, deve fazer-se com alegria.

Estamos perante uma cultura que corre o risco de perder o sentido próprio do matrimónio e da instituição familiar. Face a este panorama, João Paulo II exortava a procurar que «mediante uma educação evangélica cada vez mais completa, as famílias cristãs ofereçam um exemplo convincente da possibilidade de um casamento vivido plenamente em conformidade com o plano de Deus e com as verdadeiras necessidades da pessoa humana: tanto a dos cônjuges como, sobretudo, a dos mais frágeis, que são os filhos. As próprias famílias devem tornar-se cada vez mais conscientes dos cuidados devidos aos seus filhos e ser promotoras de uma presença eclesial e social eficaz para proteger os seus direitos»[25].

Como recordou a Congregação para a Doutrina da Fé num documento importante e atual, se o ordenamento jurídico de uma sociedade reconhece e protege «a família, fundada sobre o casamento monogâmico entre pessoas de sexos opostos e protegida na sua unidade e estabilidade», a sociedade constrói-se sobre uma base sólida. Juntamente com «o direito primário à vida desde a conceção até ao seu fim natural» e «a liberdade dos pais na educação dos seus filhos», a proteção e promoção da família, entendida desta forma, constitui uma «exigência ética fundamental e inalienável» para «o bem integral da pessoa»[26], de todas as pessoas, que deve ser defendida. Portanto, como S. Josemaria afirmava, «há dois pontos capitais na vida dos povos: as leis acerca do matrimónio e as leis acerca do ensino; e aí os filhos de Deus têm de permanecer firmes, lutando bem e com nobreza, por amor a todas as criaturas»[27].

Este é um trabalho que é preciso levar a cabo por amor a todos: porque beneficia a todos o facto de haver muitas famílias unidas, abertas à vida e com espírito de serviço. Constituem o lugar ideal para o crescimento e realização de cada um como pessoa, para a sua abertura aos outros, para a aquisição de virtudes e, no caso dos cristãos, para a receção e transmissão da fé.

Difundir a verdade sobre a família e o matrimónio é uma das tarefas prioritárias da nova evangelização. É uma obrigação que corresponde a todos, cada um dentro da sua própria posição na família: como cônjuges, como pais, como filhos, como avós; também no caso daqueles que, aceitando alegremente a Vontade de Deus, não receberam o fruto dos filhos e empregam as suas energias sendo um casal exemplar ao serviço dos outros. Por conseguinte, animo-vos a todos a participar neste desafio, do qual dependem grandes benefícios para o futuro de muitas pessoas e toda a sociedade.

Sei que este compromisso é uma parte muito importante da missão que molda esta Universidade, e que desde o início desenvolveu instrumentos e iniciativas académicas para trabalhar pelo pleno reconhecimento da família. Prova disso é este Congresso Universitário Internacional sobre esta célula capital da sociedade, com o qual se quis celebrar o décimo aniversário da fundação da Universidade.

Tenho a certeza de que S. Josemaria olha com predileção, do Céu, para todos os vossos esforços e os abençoa.

Também abençoo de todo o coração estes esforços, incluindo todos vós que fazeis parte da Universidade Internacional da Catalunha, e todos os que participastes neste Congresso e estais a trabalhar para tornar estes ideais uma realidade nos mais variados lugares do mundo.


[1] S. Josemaria, Entrevistas a S. Josemaria, n. 73.

[2] Ibid., n. 74.

[3] S. João Paulo II, Homilia na canonização de S. Josemaria, 06/10/2002.

[4] Ibid., Entrevistas a S. Josemaria, n. 121.

[5] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 23.

[6] Bento XVI, Discurso na cerimónia de abertura da Assembleia Eclesial da Diocese de Roma, 06/06/2005.

[7] Ibid., Discurso no Encontro Mundial das Famílias, 08/07/2006.

[8] S. Josemaria, Entrevistas a S. Josemaria, n. 91.

[9] Ibid.

[10] S. Josemaria, Notas tomadas numa reunião, 04/06/1974.

[11] Ibid., Cristo que passa, n. 25.

[12] Ibid., Entrevistas a S. Josemaria, n. 91.

[13] Ibid., n. 104.

[14] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 27.

[15] Ibid., Entrevistas a S. Josemaria, n. 104.

[16] Ibid., Cristo que passa, n. 23.

[17] Ibid., Notas tomadas numa reunião, 28/10/1972.

[18] Ibid., Forja, n. 692.

[19] Bento XVI, Discurso à Diocese de Roma por ocasião da entrega da carta sobre a tarefa urgente da educação, 23/11/2008.

[20] S. Josemaria, Notas tomadas numa reunião, 21/11/1972.

[21] S. João Paulo II, Christifideles Laici, n. 40.

[22] Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, n. 52.

[23] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 28.

[24] Ibid., n. 30.

[25] S. João Paulo II, Novo Millennio Ineunte, n. 47.

[26] Congregação para a Doutrina da Fé, Nota doutrinal sobre certas questões relativas ao compromisso e conduta dos católicos na vida política, 24/06/2002, n. 4.

[27] S. Josemaria, Forja, n. 104.