«Que doces são os corações dos portugueses!»

Vivemos nestes dias o 50º aniversário da última visita de S. Josemaria a Portugal. Foi no dia 1 de novembro que os seus filhos lhe ofereceram uma terrina recheada de chocolates em forma de coração. Copiamos, a este respeito, o testemuho pessoal do Pe. Hugo de Azevedo do livro "O Fundador do Opus Dei em Portugal".

É desse dia, após o almoço, a história de uma velha terrina – uma antiga terrina popular, rachada e recomposta solidamente com sete grampos de ferro – que lhe apresentámos cheia de chocolates em forma de coração.

Comprara-a eu poucos meses antes em Coimbra, numa loja de velharias – o «Plácido» – da rua da Sofia. Quando a descobri na montra deu-me um pulo o coração: seria um presente ideal para o Padre! Tantas vezes nos falava dos vasos rachados – frágeis, como a nossa alma – que se consertam com uns bons grampos e ficam mais graciosos do que antes – como fica cheia de graça a nossa alma arrependida, depois de uma boa confissão. Não era um vaso, mas era uma terrina, um «puchero», outra imagem que usava com frequência, comparando o espírito da Obra ao velho púcaro ou caldeiro rústico, donde todos os membros de família, sentados ao redor da mesa, iam tirando o que necessitavam, cada um segundo a sua idade e apetite. Um único prato para todos; assim como é um só o espírito do Opus Dei; mas de aplicação tão variável como as condições de cada qual.

S. Josemaria na Casa de Convívios de Enxomil no dia 1 de novembro de 1972.

E, ainda por cima, entre as ramagens pintadas no testo e no bojo, em letra corrida, quase infantil, o artista decorara a terrina com a mais simples declaração de amor, oito vezes repetida: «Amo-te, Amo-te, Amo-te...».

Quando a viu, no dia seguinte, sobre a mesa da sala de estar, comoveu-se. Gostou imenso da velha terrina portuguesa e já não quis separar-se dela.

Quando a viu, no dia seguinte, sobre a mesa da sala de estar, comoveu-se. Gostou imenso da velha terrina portuguesa e já não quis separar-se dela. Que a levassem para Roma. Queria vê-la muitas vezes. Dar-lhe-ia muita presença de Deus. E assim se fez.

Erguendo a tampa, provou um dos pequenos chocolates com forma de corações, envoltos em pratinha vermelha, com que a tinham recheado, e achou-lhes graça: – «Que doces são os corações dos meus filhos portugueses!»

Até o Senhor o levar para o Céu, quantas vezes se referiu a ela, extraindo lições que só uma alma enamorada de Deus seria capaz de tirar! – «Vistes aquela terrina com grampos que os meus filhos de Portugal tinham preparado para mim?», perguntava uns meses mais tarde em Roma. «Surpreendeu-me. Estávamos em Enxomil, a casa de retiros que há junto do Porto. E trouxeram-me uma terrina velha, talvez de princípios do século passado; uma terrina de louça, aldeã, muito simpática. É uma coisa vulgar, mas a mim encantou-me, porque se via que a tinham usado muito e se tinha rachado (devia ser de uma família numerosa) e tinham-lhe posto bastantes grampos para continuarem a usá-la. Além disso, como adorno, tinham escrito, e ali tinha ficado depois de tirá-la do forno: amo-te, amo-te, amo-te (...) Pareceu-me que aquela terrina era eu. Fiz oração com aquela peça velha, porque também eu me vejo assim: como a terrina de barro, partida e com grampos, e gosto de repetir ao Senhor: – Com os meus grampos, amo-Te tanto! Podemos amar o Senhor mesmo estando quebrados, meus filhos!»

A velha terrina com grampos que os seus filhos portugueses ofereceram a S. Josemaria na sua última vinda o Portugal.

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Recorde aqui a Tertúlia dos 75 anos do trabalho da Obra em Portugal.

Pe. Hugo de Azevedo