16. Em que idioma falou Jesus?

Durante o século I, na terra onde viveu Jesus, sabe­‑se que eram usadas quatro línguas: aramaico, hebraico, grego e latim.

De todas elas, a oficial e ao mesmo tempo a menos empregada era o latim. Usavam-na quase exclusiva­mente os funcionários romanos ao conversar entre si, e conheciam-na algumas pessoas cultas. Não parece provável que Jesus tivesse estudado latim, nem que o empregasse na sua conversação habitual nem na sua pregação.

No que diz respeito ao grego, não seria surpreen­dente que Jesus se servisse alguma vez dele, já que muitos dos camponeses e artesãos da Galileia conheciam esta língua; pelo menos os rudimentos necessários para uma actividade comercial simples ou para comunicar com os habitantes das cidades, que eram na sua maioria gentes de cultura helénica. Também se empregava na Judeia. Calcula-se que falariam grego entre oito e quinze por cento dos habitantes de Jerusalém. Apesar de tudo, não se sabe se Jesus empregou alguma vez o grego, nem é possível deduzi-lo com certeza de nenhum texto, ainda que também não seja possível negar essa hipótese. É possível, por exemplo, que Jesus tivesse falado com Pilatos nessa língua.

Pelo contrário, as repetidas alusões dos evangelhos à pregação de Jesus nas sinagogas e às suas conversas com fariseus sobre os textos da Escritura, tornam mais que provável que conhecesse e empregasse a língua hebraica nalgumas ocasiões.

No entanto, embora Jesus pudesse conhecer e usar algumas vezes o hebraico, é provável que na conversação corrente e na pregação, Jesus falasse habitualmente em aramaico, que era a língua de uso diário entre os judeus da Galileia. De facto, em algumas ocasiões o texto grego dos evangelhos deixa em aramaico algumas palavras ou frases soltas postas na boca de Jesus: talitha kum (Mc 5, 41), qorban (Mc 7, 11), effathá (Mc 7, 34), geena (Mc 9, 43), abba (Mc 14, 36), Eli, Eli, lemá sabachtani? (Mc 15, 34), ou dos seus interlocutores: rabboni (Mc 10, 51).

Os estudos acerca do suporte linguístico dos evangelhos apontam para que as palavras recolhidas neles tivessem sido pronunciadas originalmente numa língua semítica: hebraico ou, mais provavelmente, aramaico.

Na peculiar estrutura do grego usado nos evangelhos, transparece uma matriz sintáctica aramaica. O mesmo se pode também deduzir pelo facto dos evangelhos colocarem na boca de Jesus umas palavras que adquirem uma especial força expressiva quando traduzidas ao aramaico, e de que há palavras que são utilizadas com uma carga semântica diferente do habitual no grego, e que resultam de um uso de tipo semítico. Inclusivamente, em algumas ocasiões, ao traduzir os evangelhos para uma linguagem semítica observam-se no texto alguns jogos de palavras, que estão ocultos no original grego.

 

Bibliografia: Joseph A. Fitzmyer, «The Languages of Palestine in the First Century A. D.» em Catholic Biblical Quartely 32 (1970), 501-531; Stanley E. Porter, «Jesus and the Use of Greek in Galilee» em Bruce Chilton - Craig A. Evans (ed.), Studying the Historical Jesus. Evaluation of the State of Current Research, Brill, Leiden - New York - Köln 1994 (págs. 123-154); Pinchas Lapide, «Insights from Qumran into the Languages of Jesus» em Revue de Qumran 8, 4, n. 32 (1975), 483‑501; Chaim Rabin, «Hebrew and Aramaic in the First Century» em Shemuel Safrai - Menahem Stern (ed.), The Jewish people in the first century: historical geography, political history, social, cultural and religious life and institutions, Van Gorcum, Assen - Amsterdam 1976 (págs. 1007-1039); F. Varo, Rabí Jesús de Nazaret, BAC, Madrid 2005 (págs. 66-70).

Francisco Varo