10 perguntas sobre o casamento

S. Josemaria responde a dez perguntas sobre o matrimónio, o amor, o namoro, a fidelidade, a educação dos filhos, os principais valores para conseguir a unidade familiar, o que acontece quando não se têm filhos…

Perguntas e respostas

1- Poderia dizer-nos quais os valores mais importantes do matrimónio cristão?

Vou falar de algo que conheço bem e que é da minha experiência de sacerdote,  de muitos anos e em muitos países. A maior parte dos sócios do Opus Dei vivem no estado matrimonial e, para eles, o amor humano e os deveres conjugais fazem parte da vocação divina. O Opus Dei fez do matrimónio um caminho divino, uma vocação, e isto tem muitas consequências para a santificação pessoal e para o apostolado. Há quase quarenta anos que prego o sentido vocacional do matrimónio. Que olhos cheios de luz vi mais de uma vez, quando - e pensando eles e elas que eram incompatíveis na sua vida a entrega a Deus e um amor humano nobre e limpo - me ouviam dizer que o matrimónio é um caminho divino na Terra!

O matrimónio existe para que aqueles que o contraem se santifiquem nele e através dele. Para isso, os cônjuges têm uma graça especial que o sacramento instituído por Jesus Cristo confere. Quem é chamado ao estado matrimonial, encontra nesse estado - com a graça de Deus - tudo o que é necessário para ser santo, para se identificar cada dia mais com Jesus Cristo e para levar ao Senhor as pessoas com quem convive.

É por isso que penso sempre com esperança e com carinho nos lares cristãos, em todas as famílias que brotaram do Sacramento do Matrimónio, que são testemunhos luminosos desse grande mistério divino - sacramentum magnum! (Ef. 5, 32), grande sacramento - da união e do amor entre Cristo e a sua Igreja. Devemos trabalhar para que essas células cristãs da sociedade nasçam e se desenvolvam com afã de santidade, com a consciência de que o sacramento inicial - o Baptismo - confere já a todos os cristãos uma missão divina, que cada um deve cumprir no caminho que lhe é próprio.

Os esposos cristãos têm de ter consciência de que são chamados a santificar-se santificando, a ser apóstolos, e de que o seu primeiro apostolado está no lar. Devem compreender a obra sobrenatural que significa a fundação de uma família, a educação dos filhos, a irradiação cristã na sociedade. Desta consciência da própria missão dependem, em grande parte, a eficácia e o êxito da sua vida, a sua felicidade.

Mas não esqueçam que o segredo da felicidade conjugal está no quotidiano, não em sonhos. Está em encontrar a alegria íntima que dá a chegada ao lar; está no convívio carinhoso com os filhos; no trabalho de todos os dias, em que colabora toda a família; no bom humor perante as dificuldades, que é preciso encarar com desportivismo; e também no aproveitamento de todos os progressos que nos proporciona a civilização para tornar a casa agradável, a vida mais simples, a formação mais eficaz.

Nunca deixo de dizer aos que foram chamados por Deus a formar um lar que se amem sempre, que se queiram com o amor cheio de entusiasmo que tinham quando eram noivos. Pobre conceito tem do matrimónio - que é um sacramento, um ideal e uma vocação - quem pensa que o amor acaba quando começam as penas e os contratempos que a vida traz sempre consigo. É então que o amor se fortalece. As torrentes dos desgostos e das contrariedades não são capazes de submergir o verdadeiro amor. O sacrifício partilhado generosamente une mais. Como diz a Escritura, aquae multae - as muitas dificuldades, físicas e morais - non potuerunt extinguere caritatem (Cant. 8,7), não poderão apagar o amor.

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2- Padre, que conselhos daria a um casal recém-casado que procura a santidade?

Primeiro, que se amem muito, segundo a lei de Deus. Depois, que não tenham medo à vida, que amem todos os defeitos de um e de outro quando não sejam ofensa a Deus; e depois ainda que procures não te descuidar, porque não te pertences. Já to disseram, e tu sabes isso muito bem, que pertences ao teu marido e ele a ti. Não deixes que to roubem! É uma alma que tem de ir para o Céu contigo e, além disso, dará qualidade chilena – o mesmo é dizer cristã -, e graça humana também, aos filhos que o Senhor lhes enviar. Rezem um pouco juntos. Não muito, mas um bocadinho todos os dias. Quando tu te esqueceres, que seja ele a dizer-to, e quando seja ele a esquecer-se, és tu que lho lembras. Não lhe atires nada em cara, não o aborreças com picuinhices.

Chile, julho de 1974, no Colégio de Tabancura

3- Há hoje em dia pessoas que afirmam que o amor justifica tudo, e concluem que o namoro é como que um casamento à experiência. Não seguir o que consideram imperativos do amor, pensam que é inautêntico, retrógrado. Que pensa desta atitude?

O noivado deve ser uma ocasião de aprofundar o afecto e o conhecimento mútuo. E, como toda a escola de amor, deve ser inspirado não pela ânsia de posse, mas por espírito de entrega, de compreensão, de respeito, de delicadeza. Por isso, há pouco mais de um ano quis oferecer à Universidade de Navarra uma imagem de Santa Maria, Mãe do Amor Formoso, para que os rapazes e raparigas que frequentam aquelas Faculdades aprendessem d'Ela a nobreza do amor - do amor humano também.

Matrimónio à experiência? Que pouco sabe de amor quem fala assim! O amor é uma realidade mais segura, mais real, mais humana. Algo que não se pode tratar como um produto comercial, que se experimenta e depois se aceita ou se deita fora, segundo o capricho, a comodidade ou o interesse.

Essa falta de critério é tão lamentável, que nem sequer parece necessário condenar quem pensa ou procede assim porque eles mesmo se condenam à infecundidade, à tristeza, a um isolamento desolador, que sofrerão mal passem alguns anos. Não posso deixar de rezar muito por eles, amá-los com toda a minha alma e tratar de lhes fazer compreender que continuam a ter aberto o caminho de regresso a Jesus Cristo, e que, se se empenharem a sério, poderão ser santos, cristãos íntegros, porque não lhes faltará nem o perdão nem a graça do Senhor. Só então compreenderão bem o que é o amor: o Amor divino e também o amor humano nobre; e saberão o que é a paz, a alegria, a fecundidade.

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4- Que conselhos daria para que, com o passar do tempo, a vida matrimonial continue feliz, sem cedências à monotonia? Pode parecer uma questão pouco importante, mas recebem-se muitas cartas sobre este tema.

A mim parece-me que, com efeito, é um assunto importante, e por isso o são também as possíveis soluções, apesar da sua aparência modesta. Para que no matrimónio se conserve o encanto do começo, a mulher deve procurar conquistar o seu marido em cada dia, e o mesmo teria que dizer ao marido em relação à mulher. O amor deve ser renovado em cada novo dia, e o amor ganha-se com o sacrifício, com sorrisos e com arte também. Se o marido chega a casa cansado de trabalhar e a mulher começa a falar sem medida, contando-lhe tudo o que lhe parece que correu mal, pode-se surpreender que o marido acabe por perder a paciência? Essas coisas menos agradáveis podem-se deixar para um momento mais oportuno, quando o marido esteja menos cansado, mais bem disposto.

Outro pormenor: o arranjo pessoal. Se outro sacerdote vos dissesse o contrário, penso que seria um mau conselho. À medida que uma pessoa, que deve viver no mundo, vai avançando em idade, mais necessário se torna melhorar não só a vida interior como - precisamente por isso - procurar estar apresentável. Evidentemente, sempre em conformidade com a idade e as circunstâncias. Costumo dizer, por brincadeira, que as fachadas, quanto mais envelhecidas, mais necessidade têm de reparação. É um conselho sacerdotal. Um velho refrão castelhano diz que la mujer compuesta saca al hombre de otra puerta, a mulher arranjada tira o homem de outra porta.

Por isso atrevo-me a afirmar que as mulheres têm a culpa de oitenta por cento das infidelidades dos maridos, porque não sabem conquistá-los em cada dia, não sabem ter pequenas amabilidades e delicadezas. A atenção da mulher casada deve-se centrar no marido e nos filhos. Assim como a do marido se deve centrar na mulher e nos filhos. E para fazer isto bem é preciso tempo e vontade. Tudo o que torne impossível esta tarefa é mau, não está bem.

Não há desculpa para não cumprir esse amável dever. Para já, não é desculpa o trabalho fora do lar, nem sequer a própria vida de piedade, a qual, se não é compatível com as obrigações de cada dia, não é boa, Deus não a quer. A mulher casada tem que se ocupar primeiro do lar. Recordo uma antiga da minha terra, que diz: La mujer que, por la iglesia, / deja el puchero quemar, / tiene la mitad de ángel, / de diablo la otra mitad. - A mulher que, pela igreja, / deixa esturrar a comida, / tem metade de anjo, / de diabo a outra metade. A mim parece-me inteiramente um diabo.

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5- São também habituais as discussões entre marido e mulher, o que às vezes chega a comprometer seriamente a paz familiar. Que conselhos daria aos casais?

Que se amem. Que saibam que ao longo da vida haverá desentendimentos e dificuldades que, resolvidos com naturalidade, contribuirão inclusivamente para tornar o amor mais profundo.

Cada um de nós tem o seu feitio, os seus gostos pessoais, o seu génio - o seu mau génio, por vezes - e os seus defeitos. Cada um tem também coisas agradáveis na sua personalidade e por isso e por muitas mais razões, pode-se amá-lo. A convivência é possível quando todos se empenham em corrigir as próprias deficiências e procuram passar por alto as faltas dos outros, isto é, quando há amor, que anula e supera tudo o que falsamente poderia ser motivo de separação ou de divergência. Pelo contrário, se se dramatizam os pequenos contrastes e mutuamente se começa a lançar à cara os defeitos e os erros, então acaba-se a paz e corre-se o risco de matar o amor.

Os casais têm graça de estado - a graça do sacramento - para viverem todas as virtudes humanas e cristãs da convivência: a compreensão, o bom humor, a paciência, o perdão, a delicadeza no convívio. O que é importante é não se descontrolarem, não se deixarem dominar pelo nervosismo, pelo orgulho ou pelas manias pessoais. Para isso, o marido e a mulher devem crescer em vida interior e aprender da Sagrada Família a viver com delicadeza - por um motivo humano e sobrenatural ao mesmo tempo - as virtudes do lar cristão. Repito: a graça de Deus não lhes falta.

Se alguém diz que não pode aguentar isto ou aquilo, que lhe é impossível calar-se, exagera para se justificar. É preciso pedir a Deus força para saber dominar o próprio capricho, graça para saber ter o domínio de si próprio, porque os perigos de uma zanga são estes: que se perca o controlo e as palavras se encham de amargura e cheguem a ofender e, ainda que talvez não se desejasse, a ferir e a causar mal.

É necessário aprender a calar, a esperar e a dizer as coisas de modo positivo, optimista. Quando ele se zanga, é o momento de ser ela especialmente paciente, até que chegue de novo a serenidade, e vice-versa. Se há afecto sincero e preocupação por aumentá-lo, é muito difícil que os dois se deixem dominar pelo mau humor na mesma altura...

Outra coisa muito importante: devemo-nos acostumar a pensar que nunca temos toda a razão. Pode-se dizer, inclusivamente, que, em assuntos desses, ordinariamente tão opináveis, quanto mais seguros estamos de ter toda a razão, tanto mais certo é que não a temos. Discorrendo deste modo, torna-se depois mais fácil rectificar e, se for preciso, pedir perdão, que é a melhor maneira de acabar com uma zanga. Assim se chega à paz e à ternura. Não vos animo a discutir, mas é natural que discutamos alguma vez com aqueles de quem mais gostamos, porque são os que habitualmente vivem connosco. Não vamos zangar-nos com o Preste João das Índias... Portanto, essas pequenas zangas entre os esposos, se não são frequentes - e é preciso procurar que não o sejam -, não demonstram falta de amor e até podem ajudar a aumentá-lo.

Um último conselho: que nunca se zanguem diante dos filhos. Para consegui-lo, basta que se ponham de acordo com uma palavra determinada, com um olhar, com um gesto. Discutirão depois, com mais serenidade, se não forem capazes de evitá-lo. A paz conjugal deve ser o ambiente da família, porque é condição necessária para uma educação profunda e eficaz. Que os filhos vejam nos seus pais um exemplo de entrega, de amor sincero, de ajuda mútua, de compreensão, e que as ninharias da vida diária não lhes ocultem a realidade de um afecto que é capaz de superar seja o que for.

As vezes tomamo-nos demasiado a sério. Todos nos aborrecemos de quando em quando, umas vezes porque é necessário, outras porque nos falta espírito de mortificação. O que importa é demonstrar que esses aborrecimentos não quebram o afecto, restabelecendo a intimidade familiar com um sorriso. Numa palavra, que marido e mulher vivam amando-se um ao outro e amando os filhos, porque assim amam a Deus.

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6- Muitos casais vêem-se desorientados em relação ao tema do número de filhos. Que aconselharia a estes casais?

Os que perturbam dessa maneira as consciências esquecem que a vida é sagrada e tornam-se merecedores das duras censuras do Senhor contra os cegos que guiam outros cegos, contra os que não querem entrar no Reino dos Céus e não deixam sequer entrar os outros. Não julgo as suas intenções e até estou certo de que muitos dão tais conselhos guiados pela compaixão e pelo desejo de solucionar situações difíceis; mas não posso ocultar o profundo desgosto que me causa esse trabalho destruidor - em muitos casos diabólico - de quem não só não dá boa doutrina, como a corrompe.

Não esqueçam os esposos, ao ouvir conselhos e recomendações nessa matéria, que o que importa é conhecer o que Deus quer. Quando há sinceridade - rectidão - e um mínimo de formação cristã, a consciência sabe descobrir a vontade de Deus, nisto como em tudo o mais. Porque pode suceder que se esteja a procurar um conselho que favoreça o próprio egoísmo, que cale, precisamente, com a sua pretensa autoridade, o clamor da própria alma e, inclusive, que se vá mudando de conselheiro, até encontrar o mais benévolo. Além do mais, isto é uma atitude farisaica, indigna de um filho de Deus.

O conselho de outro cristão, e especialmente - em questões morais ou de fé - o conselho do sacerdote, é uma ajuda poderosa para reconhecer o que Deus nos pede numa circunstância determinada; mas o conselho não elimina a responsabilidade pessoal. É cada um de nós que tem de decidir em última análise, e é pessoalmente que havemos de dar contas a Deus das nossas decisões.

Acima dos conselhos privados está a lei de Deus contida na Sagrada Escritura e que o Magistério da Igreja - assistido pelo Espírito Santo - guarda e propõe. Quando os conselhos particulares contradizem a Palavra de Deus tal como o Magistério a ensina, temos de afastar-nos decididamente desses conselhos erróneos. A quem procede com esta rectidão, Deus ajudá-lo-á com a sua graça, inspirando-lhe o que deve fazer e, quando o necessitar, levando-o a encontrar um sacerdote que saiba conduzir a sua alma por caminhos rectos e limpos, ainda que algumas vezes sejam difíceis.

O exercício da direcção espiritual não deve orientar-se no sentido de fabricar criaturas carecidas de juízo próprio, que se limitam a executar materialmente o que outrem lhes disse; pelo contrário, a direcção espiritual deve tender a formar pessoas de critério. E o critério pressupõe maturidade, firmeza de convicções, conhecimento suficiente da doutrina, delicadeza de espírito, educação da vontade.

É importante que os esposos adquiram o sentido claro da dignidade da sua vocação, saibam que foram chamados por Deus para atingir também o amor divino através do amor humano, que foram escolhidos, desde a eternidade, para cooperar com o poder criador de Deus, pela procriação e depois pela educação dos filhos, que o Senhor lhes pede que façam, do seu lar e de toda a sua vida familiar, um testemunho de todas as virtudes cristãs.

O matrimónio - não me cansarei nunca de o repetir - é um caminho divino, grande e maravilhoso e, como tudo o que é divino em nós, tem manifestações concretas de correspondência à graça, de generosidade, de entrega, de serviço. O egoísmo, em qualquer das suas formas, opõe-se a esse amor de Deus que deve imperar na nossa vida. Este é um ponto fundamental que é preciso ter muito presente a propósito do matrimónio e do número de filhos.

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7- Há mulheres que não se atrevem a comunicar a parentes e amigos a chegada de um novo filho. Temem as críticas daqueles que pensam que uma família com muitos filhos é coisa do passado. Que nos diria sobre isto?

Abençoo os pais que, recebendo com alegria a missão que Deus lhes confia, têm muitos filhos. Convido os casais a não estancarem as fontes da vida, a terem sentido sobrenatural e coragem para manter uma família numerosa, se Deus lha mandar.

Quando louvo a família numerosa, não me refiro à que é consequência de relações meramente fisiológicas, mas à que é fruto do exercício das virtudes cristãs, à que tem um alto sentido da dignidade da pessoa, à que sabe que dar filhos a Deus não consiste só em gerá-los para a vida natural, mas que exigem também uma longa tarefa educadora: dar-lhes a vida é a primeira coisa, mas não é tudo.

Pode haver casos concretos em que a vontade de Deus - manifestada pelos meios ordinários - esteja precisamente em que uma família seja pequena. Mas são criminosas, anticristãs e infra-humanas, as teorias que fazem da limitação da natalidade um ideal ou um dever universal ou simplesmente geral.

Seria adulterar e perverter a doutrina cristã, querer apoiar-se num pretenso espírito pós-conciliar para ir contra a família numerosa. O Concílio Vaticano II proclamou que entre os cônjuges, que assim cumprem a missão que lhes foi confiada por Deus, são dignos de menção muito especial os que, de comum acordo e reflectidamente, se decidem com magnanimidade a aceitar e a educar dignamente uma prole mais numerosa (Const. past. Gaudium et spes , n.º 50). E Paulo VI, numa alocução pronunciada em 12 de Fevereiro de 1966, comentava: que o Concílio Vaticano II, recentemente concluído, difunda nos esposos cristãos o espírito de generosidade para dilatarem o novo Povo de Deus... Recordem sempre que essa dilatação do Reino de Deus e as possibilidades de penetração da Igreja na humanidade para levar a salvação - a eterna e a terrena - estão confiadas também à sua generosidade.

O número não é por si só decisivo. Ter muitos ou poucos filhos não é suficiente para que uma família seja mais ou menos cristã. O que importa é a rectidão com que se vive a vida matrimonial. O verdadeiro amor mútuo transcende a comunidade de marido e mulher e estende-se aos seus frutos naturais, os filhos. O egoísmo, pelo contrário, acaba por rebaixar esse amor à simples satisfação do instinto, e destrói a relação que une pais e filhos. Dificilmente haverá quem se sinta bom filho - verdadeiro filho - de seus pais, se puder vir a pensar que veio ao mundo contra a vontade deles, que não nasceu de um amor limpo, mas de uma imprevisão ou de um erro de cálculo.

Dizia eu que, por si só, o número de filhos não é determinante. Contudo, vejo com clareza que os ataques às famílias numerosas provêm da falta de fé, são produto de um ambiente social incapaz de compreender a generosidade, um ambiente que tende a encobrir o egoísmo e certas práticas inconfessáveis com motivos aparentemente altruístas. Dá-se o paradoxo de que os países onde se faz mais propaganda do controlo da natalidade - e a partir dos quais se impõe a sua prática a outros países - são precisamente aqueles que alcançaram um nível de vida mais elevado. Talvez se pudessem tomar a sério os seus argumentos de carácter económico e social, se esses mesmos argumentos os levassem a renunciar a uma parte da opulência de que gozam, a favor dessas pessoas necessitadas. Enquanto o não fizerem, torna-se difícil não pensar que, na realidade, o que determina esses argumentos é o hedonismo e uma ambição de domínio político e de neocolonialismo demográfico.

Não ignoro os grandes problemas que afligem a humanidade, nem as dificuldades concretas com que pode deparar uma família determinada. Penso nisto com frequência e enche-se de piedade o coração de pai que, como cristão e como sacerdote, tenho obrigação de ter. Mas não é lícito procurar a solução por esses caminhos.

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8- A infecundidade matrimonial – e a frustração que pode trazer consigo – é, por vezes, fonte de desavenças e incompreensões. Na sua opinião, que sentido devem dar ao casamento os esposos cristãos que não têm descendência?

Em primeiro lugar, dir-lhes-ei que não devem dar-se por vencidos com demasiada facilidade. É preciso pedir a Deus que lhes conceda descendência, que os abençoe - se for essa a sua vontade - como abençoou os Patriarcas do Antigo Testamento. Depois, é conveniente que recorram a um bom médico, elas e eles. Se, apesar de tudo, o Senhor não lhes dá filhos, não devem ver nisso nenhuma frustração, devem ficar satisfeitos, descobrindo nesse facto precisamente a Vontade de Deus em relação a eles. Muitas vezes, o Senhor não dá filhos porque pede mais. Pede que se tenha o mesmo esforço e a mesma entrega delicada ajudando o próximo, sem o júbilo bem humano de ter tido filhos. Não há, pois, motivo para se sentirem fracassados, nem para dar lugar à tristeza.

Se os esposos têm vida interior, compreenderão que Deus os insta, levando-os a fazer da sua vida um generoso serviço cristão, um apostolado diferente do que realizariam com os seus filhos, mas igualmente maravilhoso.

Que olhem à sua volta, e descobrirão imediatamente pessoas que necessitam de ajuda, de caridade e de carinho. Há, além disso, muitas ocupações apostólicas em que podem trabalhar. E, se sabem pôr o coração nessa tarefa, se se sabem dar generosamente aos outros, esquecendo-se de si próprios, terão uma fecundidade esplêndida, uma paternidade espiritual que encherá a sua alma de verdadeira paz.

As soluções concretas podem ser diferentes em cada caso, mas, no fundo, todas se reduzem a ocupar-se dos outros com afã de servir, com amor. Deus recompensa sempre aqueles que têm a generosa humildade de não pensarem em si mesmos, dando às suas almas uma profunda alegria.

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9- Há casais que por situações degradantes e insustentáveis se separaram. Nestes casos, têm dificuldade em aceitar a indissolubilidade matrimonial e lamentam que lhes seja negada a possibilidade de constituir um novo lar. Que resposta daria ante estas situações?

Diria a essas mulheres, compreendendo o seu sofrimento, que também podem ver nessa situação a Vontade de Deus, que nunca é cruel, porque Deus é Pai amoroso. É possível que por algum tempo a situação seja especialmente difícil, mas, se recorrerem ao Senhor e à sua Santa Mãe, não lhes faltará a ajuda da graça.

A indissolubilidade do matrimónio não e um capricho da Igreja e nem sequer uma mera lei positiva eclesiástica. É de lei natural, de direito divino, e corresponde perfeitamente à nossa natureza e à ordem sobrenatural da graça. Por isso, na imensa maioria dos casos, é condição indispensável de felicidade dos cônjuges, e de segurança, mesmo espiritual, para os filhos. E sempre - ainda nesses casos dolorosos de que falámos - a aceitação rendida da vontade de Deus traz consigo uma profunda satisfação, que nada pode substituir. Não é um recurso, não é uma simples consolação, é a essência da vida cristã.

Se essas mulheres já têm filhos a seu cargo, hão-de ver nisso uma exigência contínua de entrega amorosa, maternal, então especialmente necessária para suprir nessas almas as deficiências de um lar dividido. E hão-de entender generosamente que essa indissolubilidade, que para elas implica sacrifício, é para a maior parte das famílias uma defesa da sua integridade, algo que enobrece o amor dos esposos e impede o desamparo dos filhos.

Este assombro em face da aparente dureza do preceito cristão da indissolubilidade não é novo. Os Apóstolos estranharam quando Jesus o confirmou. Pode parecer uma carga, um jugo; mas o próprio Cristo disse que o seu jugo é suave e a sua carga leve.

Por outro lado, reconhecendo embora a inevitável dureza de bastantes situações - as quais, em não poucos casos, se poderiam e deveriam ter evitado -, é necessário não dramatizar demasiado. A vida de uma mulher nessas condições será realmente mais dura que a de outra mulher maltratada, ou que a vida de quem padece algum dos outros grandes sofrimentos físicos ou morais que a existência traz consigo?

O que verdadeiramente torna uma pessoa infeliz - e até uma sociedade inteira - é essa busca ansiosa de bem-estar, o cuidado de eliminar, seja como for, tudo o que nos contrariar. A vida apresenta mil facetas, situações diversíssimas, umas árduas, outras, talvez só na aparência, fáceis. A cada uma delas corresponde a sua própria graça; cada uma é uma chamada original de Deus, uma ocasião inédita de trabalhar, de dar o testemunho divino da caridade. A quem sentir a angústia de uma situação difícil, eu aconselharia que procurasse também esquecer-se um pouco dos seus próprios problemas para se preocupar com os problemas dos outros. Fazendo isto, terá mais paz e, sobretudo, santificar-se-á.

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10- Fala da unidade familiar como sendo de um grande valor. Como é que o Opus Dei não organiza actividades de formação espiritual onde possam participar marido e mulher?

Nisto, como em tantas outras coisas, nós os cristãos temos a possibilidade de escolher entre várias soluções, de acordo com as preferências ou opiniões próprias, sem que ninguém possa pretender impor-nos um sistema único. É preciso fugir, como da peste, dessa maneira de conceber a pastoral e, em geral, o apostolado, que não parece mais do que uma nova edição, corrigida e aumentada, do partido único na vida religiosa.

Sei que há grupos católicos que organizam retiros espirituais e outras actividades formativas para casais. Parece-me muitíssimo bem que, usando da sua liberdade, façam o que consideram conveniente e que também vão a essas actividades os que encontram nelas um meio que os ajuda a viver melhor a sua vocação cristã. Mas considero que não é essa a única possibilidade e nem sequer é evidente que seja a melhor.

Há muitas facetas da vida eclesial que os casais, e inclusivamente toda a família, podem e, às vezes, devem viver juntos, como seja a participação no Sacrifício Eucarístico e em outros actos do culto. Penso, no entanto, que determinadas actividades de formação espiritual são mais eficazes se a elas forem separadamente o marido e a mulher. Por um lado, afirma-se mais o carácter fundamentalmente pessoal da própria santificação, da luta ascética, da união com Deus, que depois reverterá a favor dos outros, mas onde a consciência de cada um não pode ser substituída. Por outro lado, assim é mais fácil adequar a formação às exigências e às necessidades pessoais de cada um, e inclusivamente à sua própria psicologia. Isto não quer dizer que, nessas actividades, se prescinda do estado matrimonial dos assistentes - nada mais longe do espírito do Opus Dei.

Há quarenta anos que venho dizendo de palavra e por escrito que cada homem, cada mulher, tem de se santificar na sua vida habitual, nas condições concretas da sua existência quotidiana; que, portanto, os esposos têm de se santificar vivendo com perfeição as suas obrigações familiares. Nos retiros espirituais e em outros meios de formação que o Opus Dei organiza e aos quais assistem pessoas casadas, procura-se sempre que os esposos tomem consciência da dignidade da sua vocação matrimonial e que com a ajuda de Deus se preparem para vivê-la melhor.

Em muitos aspectos, as exigências e as manifestações práticas do amor conjugal são diferentes para o homem e para a mulher. Com meios de formação específicos, pode-se ajudar cada um a descobri-los eficazmente na realidade da sua vida, de modo que essa separação de umas horas ou de uns dias fá-los estar mais unidos e amarem-se mais e melhor ao longo de todo o outro tempo, com um amor também cheio de respeito.

Repito que nisto não pretendemos sequer que o nosso modo de actuar seja o único bom, ou que toda a gente o deva adoptar. Parece-me simplesmente que dá muito bons resultados e que há razões sólidas - além de uma longa experiência - para proceder assim, mas não ataco a opinião contrária.

Além disso, devo dizer que, se no Opus Dei seguimos este critério para determinadas iniciativas de formação espiritual, em variadíssimas actividades de outro género os casais participam e colaboram como tais. Penso, por exemplo, no trabalho que se faz com os pais dos alunos em colégios dirigidos por membros do Opus Dei, nas reuniões, conferências, tríduos, etc., especialmente dedicados aos pais dos estudantes que vivem em Residências dirigidas pela Obra.

Como vê, quando a natureza da actividade requer a presença do casal, são marido e mulher quem participa nestes trabalhos. Mas este tipo de reuniões e iniciativas é diferente dos que se dirigem directamente à formação espiritual pessoal.

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